O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

segunda-feira, janeiro 21, 2002

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A VOZ SEM VERBO, É A VOZ SEM O FEMININO: O VERBO É

RESPIRAR NASCER E CRIAR É

A POESIA

OU QUALQUER ACTO

NASCIDO E CONCEBIDO DENTRO DA ALMA, MÃE TERRA E MAR

É SER-SE E MANIFESTAR-SE NO MUNDO.



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"A saudade, a nostalgia ou a melancolia são modalidades, modulações da nossa relação de seres de memória e sensibilidade com o Tempo. Ou antes, com a temporalidade, aquilo que, a exemplo de Georges Poulet, designarei de “tempo humano”. Isso significa que essa temporalidade é diversa daquela outra, abstratamente universal, que atribuímos ao tempo como sucessão irreversível. Só esse “tempo humano”, jogo da memória e constitutivo dela, permite a inversão, a suspensão ficcional do tempo irreversível, fonte de uma emoção a nenhuma outra comparável. Nela e por meio dela sentimos ao mesmo tempo a nossa fugacidade e a nossa eternidade. A esse título, a nostalgia, a melancolia, a própria saudade, reivindicada pelos portugueses como um estado intraduzível e singular, são sentimentos ou vivências universais. Da universalidade do “tempo humano” preci­samente. É o conteúdo, a cor desse tempo, a diversidade do jogo que a memória desenha na sua leitura do passado, o que distingue a nostalgia da melancolia e estas duas da saudade

(...)

Contrariamente à lenda, o povo português, ferido como tantos outros, por tragédias reais na sua vida coletiva, não é um povo trágico. Está aquém ou além da tragédia. A sua maneira espontânea de se voltar para o passado em geral, e para o seu em particular, não é nostálgica e ainda menos melancólica. É simplesmente saudosa, enraizada com uma tal intensidade no que ama, quer dizer, no que é, que um olhar para o passado no que isso supõe de verdadeiro afastamento de si, uma adesão efetiva ao presente como sua condição, é mais da ordem do sonho que do real."

(...)
Eduardo Lourenço

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