O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

segunda-feira, março 11, 2002




Não venhas sentar-te à minha frente, nem ao meu lado;
Não venhas falar nem sorrir.
Estou cansado de tudo, estou cansado
E quero só dormir,


Dormir até acordado, sonhando
Ou até sem sonhar,
Mas envolto num vago abandono brando
A não ter que pensar.


Nunca soube querer, nunca soube sentir, até
Pensar não foi certo em mim.
Deitei fora entre ortigas o que era a minha fé,
Escrevi numa página em branco, "Fim".


As princesas incógnitas ficaram desconhecidas,
Os tronos prometidos não tiveram carpinteiro.
Acumulei em mim um milhão difuso de vidas,
Mas nunca encontrei parceiro.


Por isso se vieres, não te sentes a meu lado, nem fales,
Só quero dormir, uma morte que seja
Uma coisa que me não rale nem com que tu te rales -
Que ninguém deseja nem não deseja.


Pus o meu Deus no prego. Embrulhei em papel pardo
As esperanças e ambições que tive,
E hoje sou apenas um suicido tardo,
Um desejo de dormir que ainda vive.


Mas dormir a valer, sem dignificação nenhuma,
Como um barco abandonado,
Que naufraga sòzinho entre as trevas e a bruma
Sem se lhe saber o passado.


E o comandante do navio que segue deveras
Entrevê na distância do mar
O fim do último representante das galeras
Que não sabia nadar.
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in Poesias inéditas de FERNANDO PESSOA(1919 - 1930)

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