O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

sábado, novembro 01, 2003

"É uma vida de violência mágica. "


"E eu vivo de lado - lugar onde a luz central não me cresta. E falo bem baixo para que os ouvidos sejam obrigados a ficar atentos e a me ouvir.


Mas conheço também outra vida ainda. Conheço e quero-a e devoro-a truculentamente. É uma vida de violência mágica. É misteriosa e enfeitiçante. Gotas de água enlançam enquanto as estrelas tremem. Gotas de água pingam na obsuridade fosforecente da gruta. Nesse escuro as flores se entrelaçam em um jardim feérico e humido. Sinto-me derrotada pela minha própria corruptibilidade.

E vejo que sou intrinsecamente má. É apenas por pura bondade que sou boa. Derrotada por mim mesma. Que me levo aos caminhos da salamandra, génio que governa o fogo e nele vive. E dou-me como oferenda aos mortos. Faço encantações no solstício, espectro de dragão exorcizado."


CLARICE LISPECTOR

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