O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

domingo, outubro 10, 2004

WANGARI MAATHAI e ELFRIEDE JELINEK
PRÉMIOS NOBEL DA PAZ E DA LITERATURA.
NATÁLIA CORREIA


Direi aqui, como Natália Correia, até agora a única escritora portuguesa consciente dessa Mariz que eu conheça em Portugal disse:
“ACHO que não vale a pena a mulher libertar-se para imitar os padrões patristas que nos têm regido até hoje. Ou valerá a pena, no aspecto da realização pessoal, mas não é isso que vem modificar o mundo, que vem dar um novo rumo às sociedades, que vem revitalizar a vida.

A mulher deve seguir as suas próprias tendências culturais, que estão intimamente ligadas ao paradigma da Grande Mãe, que é a grande reserva, a eterna reserva da Natureza, precisamente para os impôr ao mundo ou pelo menos para os introduzir no ritmo das sociedades como uma saída indispensável para os graves problemas que temos e que foram criados pelas racionalidades masculinas.

>É no paradigma da Grande Mãe que vejo a fonte cultural da mulher; por isso lhe chamo matrismo e não feminismo.

É aquilo a que eu chamo o cansaço do poder masculino que desemboca no impasse temível do tal equilíbrio nuclear que criou uma situação propícia a que os valores femininos possam emergir, transportando a sua mensagem.”*


Se existe pois esperança para este mundo ela reside nas mulheres. Não apenas porque são “mulheres”, pois poucas mulheres ainda ACORDARAM para a essência do Princípio Feminino ou fazem justiça à dimensão do seu verdadeiro ser - à Matriz desse feminino que encarnam e de que estão afastadas há milénios - mas porque têm o potencial de o vir a ser em toda a acepção da palavra.

WANGARI MAATHAI


Será pois como representates fiéis do Princípio Feminino, princípio pacificador e revolucionário, e o seu Fogo regenerador, oculto e dissipado pela força de dominação do Princípio Masculino que poderá fazer a diferença e restabelecer o Equilíbrio das sociedades, tirando a venda da cegueira da Justiça e restabelecer a verdade do Amor humano, na sua igualdade e liberade.
Será a Sabedoria inata do feminino, esmagado há séculos pelo poder “patrista” ou patriarcal de todas as igrejas e as suas crenças religiosoas ideológicas ou políticas, que dominam o mundo há milénios, pela opressão e ignorância (nomeadamente das mulheres) e as suas “guerras santas”, (quer sejam as cruzadas quer sejam as económicas) a sobrepor-se à violência cega da vontade do princípio masculino que desde então governa sem rédeas, sózinho, o nosso mundo e destrói o Planeta.

Por estas razões acho um bom augúrio que os Prémios Nobel da Literatura e da Paz, tenham sido entregues a duas mulheres, de pontos tão distantes do Globo e que de forma diferente lutam por expressar essa capacidade do Feminino, uma denunciando, na velha Europa, as desigualdades e violência contra as mulheres numa sociedade fálica e outra, em África, lutando pela sobrevivência da Mãe Natureza e pela liberdade das mulheres, ambas indissociáveis.

Cabe à Mulher agora acordar nela esse Fogo interior, e dar voz à sua natureza profunda, sem medo, nem disfarces, para poder varrer do planeta toda injustiça e a violência gratuita. Tal como estas duas mulheres o fazem já, uma plantando 25 milhões de árvores em três décadas – que os Governos desvastam pela sua “economia de guerra” - e outra escrevendo palavras de denúncia de uma sociedade falocrática em que todos os valores se medem pela imposição da força e a mulher é sempre sujeita à dependência dos machos, quer na ecomnomia quer na cultura.

ELFRIEDE JELINEK


Claro que os “doutos” académicos e intelectuais patristas (e mais papistas que o papa) da nossa sociedade de cultura machista e misógina, em geral, não concordaram com a atribuição dos prémios sobretudo a uma escritora supostamente “feminista” - embora a escritora não aceite esse epíteto - que reage e denuncia “o machismo quotidiano e a tradicional e provinciana violência masculinas”, e se diz contra “as estruturas patriarcais, o fálico na cultura, o domínio dos homens” que são um dos temas mais importantes para ela.

“É ostracisada no seu próprio país onde viva reclusa e é atacada pela direita populista” (...) Os “temas recorrentes da sua obra são a violência e o poder na sociedade de consumo, a expressão feminina e a sexualidade”(...)
“ numa denúncia eloquente e crua da exploração do ser humano. Jelinek é uma espécie de “anjo vingador barroco”, segundo a sua própria expressão.


Regozijo-me porém que homens mais evoluídos – na Suécia - estejam a reconhecer o Valor da Mulher em si (e não na imitação da escrita masculina) a necessidade imperiosa desse feminino no mundo,e a sua Voz, mesmo que não sejam disso conscientes à partida, mas que o seu lado feminino emergente já é...

É necessário e imperioso dar Voz às Mulheres que têm a coragem e a liberdade de o serem e se afirmarem, não como ecos amorfos dos seus líderes, políticos, professores e papas, e que são meros instrumentos do poder patriarcal, como acontece em Portugal, mas como arautos de um mundo novo onde o Princípio Feminino se afirma na sua essência e é fiel à sua Matriz.


*NATÁLIA CORREIA, in Diário de Notícias, 11-09-1983
(excerto de entrevista concedida a Antónia de Sousa)

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