O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

sexta-feira, março 28, 2008

O QUE TRANSFORMA A TERRA

Por:
Edna Cardozo Dias*
Doutora em Direito pela UFMG
(José Geraldo Lopes)
As religiões ancestrais visualizavam o universo como uma grande mãe. As grandes deusas representavam a Terra Mãe ou o princípio gerador da vida. A capacidade de conceber uma nova vida humana, dar à luz, produzir leite e sangrar com as fases da lua, inspirava temor e reverência. Só ela tinha poder de produzir e nutrir a vida. Sem ela a nova vida extinguir-se-ia." (BRIL, 1984:74) Para o Taoísmo se chamava Tao, para os egípcios Nuit, para os gregos Gaia.

O culto à Grande Mãe era a religião mais difundida nas sociedades primitivas.
A passagem do matriarcado para o patriarcado se deu em várias esferas. De um lado o aumento da população levou o ser humano a " domesticar" a terra, de outro o nomadismo trouxe vantagem ao homem. Com a descoberta da ligação entre o ato sexual e a fecundação, inciou-se um verdadeiro culto ao falo e acelerou-se a transição para o patriarcado. Com o advento do monoteísmo o patriarcado se estabeleceu definitivamente. Do ponto de vista religioso, o Velho Testamento e depois a Igreja cristã forneceram um arsenal de justificativas metafísicas para a tese da inferioridade da mulher.

Segundo o mito judaico-cristão Lilith, a primeira mulher de Adão, experimentava igualdade com ele, mas ao recusar-se a se submeter a ele, foi expulsa do Paraíso e fundou uma dinastia de demônios. Como Adão se sentia sozinho Jeová tirou uma costela de Adão e criou Eva, condenando-a à eterna inferioridade. As mulheres passaram a ser identificadas com o pecado e consideradas instrumentos do diabo. Dessa paranóia masculina nasceu a imagem feia das bruxas, herdeiras da antiga tradição libertária dos tempos matriarcais. Uma onda terrível de perseguição às bruxas se seguiu e , os Tribunais da Inquisição queimaram cerca de 60 mil mulheres.

A opressão da mulher pelo homem é a primeira, historicamente, de todas as opressões, antecedendo mesmo a opressão de classes, nascida com a escravidão, e a opressão das raças, oriunda dos imperialismos. Engels, em " A origem da família, da propriedade privada e do Estado" observou, por volta de 1881, como Marx já o fizera em " A ideologia alemã", de 1846, que " a primeira divisão do trabalho ocorre entre o homem e a mulher".

O mundo masculino da propriedade é, em verdade, o mundo da autoridade e da hierarquia. A institucionalização da concorrência e da rivalidade são sinónimos de violência, que tem como expressão o racismo e o especicismo. Uma visão feminina do universo significa a liberação do ser humano em geral, uma mutação de qualquer tipo de isolacionismo, e a transmutação da competição em cooperação. Onde há cooperação não há dominação. Cada um, coloca suas habilidades e talentos a serviço de um objetivo comum. Tudo é uma questão de alteridade e complementação. O neo- feminismo, é pois, um movimento de homens e mulheres.

O escritor Roger Geraudy , autor de " Liberação da mulher, liberação humana" , sempre se surpreendeu ao ler o Evangelho que Jesus de Nazaré não tivesse sido mulher, já que os valores revelados por ele concediam ao homem sua plenitude, uma vez que desenvolviam suas dimensões femininas , defendendo o amor ao próximo e o despojamento do eu.

Carolyn Merchant, ao analisar o papel de Francis Bacon na mudança do objetivo da ciência, em "The death of nature", afirma que ele personificou uma importantíssima ligação entre as duas principais correntes do velho paradigma: a concepção mecanicista da realidade e a obsessão masculina com a dominação , assim como o controle da cultura patriarcal. Merchant compara , ao estudar Bacon, a filosofia da exploração da natureza à tortura generalizada que sofreram as mulheres durante a caça às bruxas. O propósito de controlar a natureza levou , tanto a ciência como a tecnologia a serem usadas para fins nocivos e profundamente antiecológicos.
Mas, quem mostra o papel feminino como uma das grandes forças de transformação cultural e movimento das mulheres como um catalisador na coalescência de vários movimentos sociais é Charlene Spretnak, em "The politic of women's spirituality”. A espiritualidade das mulheres, conforme descrita por Spretnak, está solidamente fundamentada na experiência de sua ligação com os processos essenciais da vida. É portanto, profundamente ecológica, pois é a percepção intuitiva da unicidade de toda vida.

No mundo místico a energia feminina do universo é representada pelos Andes, , enquanto a energia masculina é representada pelos Himalaias. , pólos negativo e positivo do planeta e regiões de grandes forças magnéticas. Esta energia feminina tocou tão profundamente os habitantes dos Andes, que este povo ( os Incas) identificou nossa Terra, como Pachamama, a mãe de toda vida, a divindade excelsa do mundo, aquela que nos ensina a amar tudo incondicionalmente, e nos mostra o trabalho como uma altíssima virtude, porque amando tudo e construindo com o trabalho nos tornamos sábios.

Para os xamãs andinos deste fim de século, desde 1992 se iniciou uma nova era para o mundo, com a chegada do décimo Pachakuti. Pachakuti significa “ o que transforma a Terra” . Ele anuncia o início de uma nova era de transição e mudança. E se caracteriza, sobretudo, pela presença da Mãe. E, ainda segundo os Incas, isto não quer dizer que a mulher dominará o mundo, mas que o homem tomará cada vez mais consciência da necessidade de fazer brotar o sentimento de mãe em seu coração. Pois, na verdade, o homem não precisaria de outra lei que não seja o amor, já que ele nos dá a consciência da reciprocidade e do serviço, que devem ser o vício do ser.

* Presidente da LPCA

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