O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

quarta-feira, março 26, 2008

O RISO DAS MULHERES É PERIGOSO...



Dedico este artigo à minha amiga Rosa Leonor
e ao seu corajoso site MULHERES & DEUSAS.

…quem tem a coragem de rir é senhor dos outros…

G. LEOPARDI(1798-1837)

BAUBO A DEUSA DO RISO

Sou por natureza muito séria, atenta ao lado mais profundo das coisas. Em consequência e por compensação, tocam-me sempre de forma especial as pessoas que me fazem rir pelo efeito refrescante e regenerador que o riso espontâneo exerce sobre quem o experimenta. Guardo assim um carinho muito especial pelo mito de Baubo, essa deusa menor da Antiguidade Clássica, hoje praticamente desaparecida. Não será alheio a isso o facto de os patriarcas desconfiaram sistematicamente de quem se ri, principalmente se for mulher. É aliás conhecido o efeito inquietante que, em geral, um grupo de mulheres à conversa e em risota entre si, tem sobre os homens. Estudiosos do rir têm vindo a sugerir a relação entre o mesmo, a sexualidade feminina e a recuperação do equilíbrio, pois o rir entre mulheres representaria o lado oculto da sua sexualidade. O mito de Baubo tem paralelo com o de Uzume, a deusa japonesa da alegria e da dança, presente em primeiro plano no mito mais antigo do Japão. Essencialmente, o elo entre ambas as divindades resulta de as duas causarem, através do riso, um efeito balsâmico sobre situações desesperadas. Na sequência do rapto de sua filha Perséfone por Hades com a conivência de Zeus, seu pai, Demeter abandonou desesperada o Olimpo. Disfarçada de anciã, percorreu a Terra em busca da filha desaparecida e, nesse processo, apresentou-se a Metamira como candidata a ama do filho que esta acabara de dar à luz. A deusa estava possuída, porém, de uma dor sem fim e nem a visão do bebé conseguiu retirá-la do seu mundo de tristeza e silêncio. Limitou-se a aceitar a cadeira que a criada Baubo lhe ofereceu mas recusou-se a aceitar qualquer alimento. Foi justamente Baubo quem, com as suas brincadeiras e graças aparentemente obscenas, conseguiu arrancar Demeter do pesar profundo em que se afundara. Ao dançar comicamente diante da deusa, Baubo levantou a certo ponto as saias e mostrou-lhe a vulva num gesto brincalhão. A enlutada Demeter quebrou o silêncio e começou a rir. Riram muito, riram juntas e assim começou o processo curativo da frustrada mãe.
O gesto de Baubo, indecente na aparência, reporta-nos a uma era matriarcal remota em que a zona púbica da deusa simbolizava a porta sagrada e a origem da vida, sendo o triângulo invertido um símbolo sagrado, como se sabe. Ao recordar a Demeter de forma brincalhona o seu poder como mulher, Baubo estimulou-a à recuperação de forças para prosseguir em busca da filha que eventualmente recuperou. Este comportamento ancestral e perdido na memória dos tempos foi incluído em muitas representações artísticas desde tempos imemoriais até à Idade Média e e era parte integrante dos Mistérios que se celebravam em Eleusis, durante dois mil anos e até à destruição do santuário, no século IV da era Cristã. Num tempo decadente e automatizado como o nosso e em face do uso e abuso obsceno da imagem feminina, torna-se especialmente importante resgatar e difundir este mito que, nas palavras de Jean Shinoda Bolen, representa
“a recordação vaga e subvalorizada de que as imagens da sexualidade e da fertilidade da mulher são sagradas e não lascivas.”

de MARIANA INVERNO - Fundadora do Projecto Art For all

Livros recomendados: Jean Shinoda Bolen, Goddesses in Older Women, Quill, 2002 Winifred Lubell, The Metamorphosis of Baubo: Myths of Woman’s Sexual Energy, Vanderbilt University Press, 1994

3 comentários:

Lealdade Feminina disse...

Adorei essa Deusa Baubo... Já estou com a mão na massa... fazendo deusas... beijinhos...

Anónimo disse...

Bem que podia fazer as deusas e vendermos nos encontros do feminino...porque não faz uma dúzia delas?

beijinhos
rosa leonor

Anónimo disse...

É isso que eu quero Rosinha... justamente aqui... entre o meu ócio criativo e a energia monetaria...rs... vou a caminho...rs...