O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

quinta-feira, abril 17, 2008

A VOZ DE UMA MULHER AFRICANA

“Vocês, do sul, não se preocupam com coisas importantes - a Maua volta à carga .
-Fazem amor à moda da Europa. Concentram toda a energia no beijo na boca, como se o beijo valesse alguma coisa. Dizem que pensamos apenas no sexo? Quantos homens do sul abandonaram os lares para sempre? Chamam-nos atrasadas. Vocês só têm livros na cabeça.

Têm dinheiro e brilho. Mas não têm essência. Têm boas escolas, empregos, casas de luxo. De que vale tudo isso se não conhecem a cor do amor? De que vale viajar para a lua para quem ainda não viajou para dentro de si próprio? Já fizeste uma viagem para dentro de ti própria, Rami? Nunca, vê-se pela amargura que tens no rosto. O paraíso está dentro de nós, Rami. A felicidade está dentro de nós. Vocês, do sul, ainda não são mulheres, são crianças. Seres reprodutores apenas. Por isso os homens vos abandonam a torto e a direito. A vossa vida a dois não tem encantos. Por isso, mal declararam a independência gritaram: abaixo os ritos de iniciação. O que julgavam que faziam?
(...)
Não tens culpa - comenta Saly. - Vocês do sul deixaram-se colonizar por essa gente da Europa e os seus padres que combatiam as nossas práticas. Mas que valor tem esse beijo comparado com o que temos dentro de nós? Depois trouxeram a pornografia, essa estupidez só para enganar os incompetentes e entreter os tolos ...
(...)
OS SEGREDOS DAS MÃES...
Sofrimento e dor

- Porque nunca me falou dos feitiços de amor, mãe?

- Foi por causa da religião, filha. Por causa da cidade. O teu pai é um homem de cidade e pouco ligou às tradições. Tinha os seus princípios e só falava português.

- Ensina-me alguns segredos, mãe.

Ela entra num choro silencioso. Um choro de lua e de seda, que me toca, que me fere, que me inspira. Um espectro de luz se abre, tão claro como um espelho, onde a minha linguagem se reflecte. Vejo a tristeza desta mulher à minha frente. Uma mulher triste como eu. Esta imagem de tristeza terão as minhas filhas, temos nós, mulheres de todas as gerações, de todo o universo.
Paro de falar para poupar-lhe mais dores no velho coração e estabeleço com ela um diálogo surdo.
Apetece-me dizer-te, mãe, que o teu problema ainda é mais leve do que o meu. Tens um carrasco como marido. Eu tenho um carrasco e um polígamo.
(...)
Por isso não te digo nada para não aumentar a tua dor, mãe. Mas, mãe, se tu sabias que era assim porque me trouxeste a este mundo, mãe? Será pela mesma razão que não me contaste as causas da morte da tua irmã querida, mãe?”

In NIKETCHE - Uma História de Poligamia
Paulina Chiziane

2 comentários:

M. Cambará N. disse...

Aqui no sul os segredos sempre pertencem a mãe e o pai também nunca volta. Foram-se com as caravelas portuguesas, despediram-se para as cidades distantes, as capital sem gênero ou tradição. Ainda nos restam, lá nos interiores da terra, alguns dos ritos de passagem, presos sempre na oralidade, agarrados na magia selvagem latino-americana.

Anónimo disse...

...continue essa oralidade e não deixe de vir aqui dizer...
obrigada

rosa leonor