O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

terça-feira, novembro 18, 2008

AS MULHERES CALADAS

A MÃE DIVIDIDA

AS trevas estavam em todo o lado, envolviam tudo.
Nessa noite, nessa escuridão, a Mãe dividiu-se em duas: pariu uma filha igual a si própria: Ou da Mãe dividida resultaram duas filhas iguais.
Mas as divisões instantâneas tornaram-se impossíveis, tão grandes eram as mães e as filhas. A divisão em duas, ou mais, partes iguais durava um século. Era o século de dor e de morte, até que a vida voltasse a brilhar, agora duplicada.
Para economizar esse tempo de morte, isto é, para que a vida não fosse constantemente interrompida por brutais cisões, as mães – e as filhas, toda aquela imensidão de irmãs gémeas – inventaram um novo processo mágico: uma minúscula parte de si próprias, onde se encontravam as características do todo como linhas convergindo para um ponto, separava-se; nas linhas convergentes o movimento retrocedia. O ponto era arrastado naquele movimento, agora divergente, e nova reprodução da mãe aparecia, igual a tantas outras.
(…)
A Mãe encolheu-se em fundo escuro.

(pag. 41 e 41)

"As mulheres caladas, escondidas atrás das portas, das cortinas. A histeria, discurso do útero, só tem lugar na loucura. A Mãe foi cuidadosamente embalsamada: retiram-se todas as tripas, e rechearam-na com o falo transcendente.”
(pag. 308)

Isabel Barreno, A Morte da Mãe, ed. Caminho

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