O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

sexta-feira, agosto 03, 2012

AS FILHAS SEM MÃE...

"É aqui que começa uma nova visão do ser mulher...AMAR outra mulher a partir de si mesma não é ser lésbica...é ser Mulher...Uma Mulher que se aprenda a amar a si mesma e a SER ELA MESMA uma pessoa inteira, uma alma e não apenas um corpo de encher…um sexo de prazer…ela pode e deve amar as outras mulheres e isso não significa que as tenha de amar sexualmente!" rlp

Aprendi isso por mim mesma. Por conta dessa ideia patriarcal de que amor entre mulheres significa homossexualidade, foi bem difícil entender o que acontecia entre mim e uma amiga mais próxima... quando deixei de procurar respostas, percebi que tinha criado um monstro em cima de algo que não existia. Era apenas amor, amor por alguém que eu admirava, por quem nutro um carinho incondicional. Não é algo sexual, não é desejo físico, é conexão, sintonia, entendimento, compreensão, admiração, respeito... se tornou tão difícil construir essas coisas hoje em dia, onde todas, com essas mesmas ideias que me confundiram, vêem esse carinho como segundas e terceiras intenções, e já de primeira sentem a repulsa, o nojo... amor se constrói, e hoje parece que sente-se nojo de construí-lo.

Espero não ter sido inconveniente em meu relato, um pouco pessoal demais, talvez... (se for conveniente, remova-o, Rosa. Não me ofenderei)

Um abraço.

A.





- É assim como sente de facto A. .
O patriarcado afastou a mulher de toda a interioridade, de toda a afectividade que não fosse relacionada com o homem e o filho. O pai e o filho! A relação com as outras mulheres seria sempre um perigo para esse império do domínio do homem sobre a mulher. Assim, além da divisão da mulher em duas – a eterna divisão da santa e da prostituta que continua a pairar sobre a cabeça de todas as mulheres, mesmo dizendo que não – criou-se a divisão entre a Mãe e a filha. A filha raramente tem mãe…ou sente na mãe esse afecto, esse amor, essa união, essa cumplicidade de mulheres, porque é na educação das meninas que as mulheres se tornam rivais e antagónicas e começa quase sempre com as mães (luta pela atenção do pai) …aí começa a raiva, a inveja, a luta psicológica por vencer a “outra” entre mulheres…por isso qualquer entendimento amoroso entre mulheres pode ser pejorativamente classificado de “homossexual” ou de anormal…Mesmo entre irmãs a guerra é instalada ou pelo amor do pai ou mais tarde na luta por namorados, assim desde pequeninas…onde elas podem ver a negação da mulher no olhar do pai…o desprezo do pai pela mãe ou até a violência doméstica e por isso ela faz tudo para lhe agradar e ser diferente da mãe. Ela sente-se culpada pois da mãe herdou a ideia/sentimento (ou complexo) de que tudo o que é da mulher em si, é sujo, é inferior, é insignificante e o seu amor-próprio é ridículo. Com as mães as meninas aprendem a ter nojo do sangue e da menstruação, do seu corpo e do seu sexo claro…porque isso é o que quase sempre as mães passam para elas…Medo e nojo. Medo e raiva. Medo e frustração. E assim elas estão cada vez mais longe de si como mulheres e tornam-se “as meninas do papa” ou as eternas meninas, submetidas e feitas para agradar aos homens. São as Atenas, saidas da cabeça do Pai (Zeus, senhor do Olimpo onde as mulheres são engolidas como Métis)...as mulheres que negam a sua feminilidade essencial e se tornam ou mulheres fatais, lolitas ou executivas ou dominadoras ou bem sucedidas na vida...

Quanto às mães, é evidente que sempre houve e há grandes excepções…Há e houve grandes mulheres e Mães que conseguiram, apesar do peso da sua vida e das suas lutas, passar coragem e amor para as filhas, dar-lhes dignidade…ninguém põe em dúvida isso, mas a nós interessa-nos apontar os casos comuns e os mais dolorosos…

Assim, não é de estranhar que muitas mulheres sintam esse nojo ou repulsa pelas outras mulheres, mas esse é o nojo e a repulsa que tem de si mesmas pelo facto de serem mulheres e é em geral inconsciente. Passa por instintivo, mas é apenas uma defesa...

Como nunca foram amadas pelas mães, elas não suportam esse sentimento vindo de outra mulher e isso reflecte-se no espelho de outra mulher que lhe seja próxima, na amizade, por exemplo...e comummente ficam angustiadas pelo carinho dessa amiga, se ele for manifesto, independentemente de ser ou não um interesse sexual, mas é quase sempre interpretado como aberrante, a ternura entre mulheres. Repare como a amizade das mulheres em geral (e como se vê nos filmes) é tão exterior, tão fútil, tão brejeira, tão apenas a falar dos homens e nas experiências sexuais com eles e na competição e jogos em que apenas os homens são o foco e a intriga e a competição…Que outros assuntos tratam as mulheres senão de homens e maneiras de os seduzir, ou ter filhos, etc? Casas e decorações, cosméticos, roupas, modas?

Não, elas não sabem de si mesmas, nem de si como Mulheres verdadeiras porque as mulheres se perderam delas mesmas e da sua alma…As mulheres perderam a sua essência e não são cúmplices entre si nem da natureza Terra Mãe…

As mulheres de hoje são apenas um pálido reflexo das mulheres de outrora…Por tudo isso não há na sociedade actual neste mundo globalizado lugar para o verdadeiro amor e ele é cada vez mais raro. Ninguém sabe o que é o Amor Mágico. Porque as mulheres deixaram de ser mágicas…de ter magia e poder. Tudo é conectado sexualmente, mas mesmo a sexualidade está cada vez mais longe da sua essência também e temos cada vez mais pornografia em vez de erotismo. Mas o amor verdadeiro nunca é só sexual...é sempre outra coisa...mais além; o amor vem da alma, mas pode e deve expressar-se sexualmente se houver reciprocidade, seja em que situação for, e como dizia Fernando Pessoa, “no amor o sexo é um acidente”, não o factor determinante. Mas as mulheres vivem o sexo mesmo sem amor…quase sempre…hoje em dia ninguém deixa sequer o Amor acontecer, antecipam-se as experiências sexuais, só pelo “prazer” do sexo…ou dinheiro…

Agradeço imenso o seu comentário que nunca seria inconveniente por ser tão sincera e verdadeira e por se expor com tanta naturalidade. Gosto muito de verdades simples e é isso que temos de ter coragem de fazer, dizer o que nos vai na alma. Tomara eu que muitas leitoras tivessem a sua coragem para dizerem o que realmente sentem!

Muito obrigada por partilhar o que sente.

Um grande abraço

rleonorpedro

4 comentários:

Arielle disse...

mais uma vez me vi na sua colocação 'a filha raramente tem mãe'... (mais um pouco de drama pessoal) desde os dez, ouço da minha mãe que estou gorda. se eu digo a ela que ela também está gorda, ela me responde 'sim, estou, mas eu sou casada'. ou seja, querem fazer-me magra para arrumar um homem...e garanto-lhe que sou perfeitamente saudável. aos onze, quando tive minha primeira menstruação e contei a ela, ela fez uma careta, e brigou comigo, porque era 'muito cedo'... e assim sucessivamente... hoje, graças à Senhora e seu blogue, eu entendo a linha de pensamento dela, e converso, questiono, tento mostrar a ela o outro lado, o meu lado... vejo que ela, como tantas outras, nunca tinha refletido sobre isso, e que a reflexão a faz concordar ou discordar de mim, seja o que for, mas pelo menos, pensando consigo mesma... não que eu esteja 'ensinando' minha mãe... apenas mostrando a ela o meu mundo, que me parece deixar uma mulher mais confortável em sua própria pele e desconfortável em relação ao patriarcado... beijos, Rosa.

rosaleonor disse...

Acho incrível Arielle que você fale com a sua mãe e lhe diga essas coisas.A minha mãe quando eu tinha a sua idade e lhe falava destas cosias e note foi há mais de 40 anos...eu tinha 23 anos e hoje tenho 65... e um dia ela disse-me: se tu me tivesses dito há dez anos a minha vida teria sido diferente...mas nessa altura eu era uma menina e não sabia ainda nada...por isso aos poucos as mães mesmo que reajam também acabam por sentir e perceber.
Olhe trate-me por rleonor e não por senhora...mas se não se sentir a vontade tudo bem...a idade é mesmo uma ilusão...só nos dá experiência, mas a essência é sempre a mesma e não envelhece de facto. As vezes tenho de olhar bem para mim e ver que já sou uma senhora de idade, sim, e não nego...não disfarço.
Muito grata pela sua sinceridade e partilha minha querida!
um enorem abraço

rleonor

Arielle disse...

eu garanto que a chamo de senhora com o mais profundo respeito, não pela idade, mas por toda sabedoria. Rosa, você (fica mais confortável assim?) escreve esse blogue maravilhoso há tanto tempo, e com o seu esforço, veio minha vontade de me esforçar também... eu mudo o que eu posso à minha volta. eu filtro o que entra na minha vida. eu não me adequo, nunca me adequei a esse sistema horroroso, e não tenho nada a perder... me desfiz de propósito de todas as amarras que poderiam me prender. por isso, hoje, falo sobre isso com minha mãe, com minhas amigas, com meus amigos... ultrapassei a barreira da vergonha e do pudor porque eu sinto que preciso. sinto que mulheres como você, Rosa, e como tantas outras, precisam disso. precisam de partilha, de voz, e eu estou disposta a ser a voz enquanto eu puder. por isso comecei uma faculdade de direito - acredite, uma faculdade com um número enorme de pessoas muito conscientes de toda "conspiração" sistemática a sua volta - e vejo que continuarei a fazer isso sempre... tem um fogo dentro de mim que simplesmente não me deixa desanimar. e vejo tantas outras, que, ok, não falam do feminino como nós duas, como interior, como a Deusa dentro de nós, mas falam em igualdade, em violência... elas querem dizer o que nós dizemos, só não tiveram ciência ainda. nada de "transfeminismo" (também não suporto essa idéia), apenas o fim do patriarcado... é o que eu acredito sinceramente...

Arielle disse...

eu garanto que a chamo de senhora com o mais profundo respeito, não pela idade, mas por toda sabedoria. Rosa, você (fica mais confortável assim?) escreve esse blogue maravilhoso há tanto tempo, e com o seu esforço, veio minha vontade de me esforçar também... eu mudo o que eu posso à minha volta. eu filtro o que entra na minha vida. eu não me adequo, nunca me adequei a esse sistema horroroso, e não tenho nada a perder... me desfiz de propósito de todas as amarras que poderiam me prender. por isso, hoje, falo sobre isso com minha mãe, com minhas amigas, com meus amigos... ultrapassei a barreira da vergonha e do pudor porque eu sinto que preciso. sinto que mulheres como você, Rosa, e como tantas outras, precisam disso. precisam de partilha, de voz, e eu estou disposta a ser a voz enquanto eu puder. por isso comecei uma faculdade de direito - acredite, uma faculdade com um número enorme de pessoas muito conscientes de toda "conspiração" sistemática a sua volta - e vejo que continuarei a fazer isso sempre... tem um fogo dentro de mim que simplesmente não me deixa desanimar. e vejo tantas outras, que, ok, não falam do feminino como nós duas, como interior, como a Deusa dentro de nós, mas falam em igualdade, em violência... elas querem dizer o que nós dizemos, só não tiveram ciência ainda. nada de "transfeminismo" (também não suporto essa idéia), apenas o fim do patriarcado... é o que eu acredito sinceramente...