O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

segunda-feira, setembro 17, 2012

AS DUAS MULHERES NA MULHER

QUEM É A OUTRA MULHER?

 
 
Marina Tsvetaeva é uma das mais importantes poetisas russas: não só por ter tido a coragem de se opor em versos ao regime soviético, mas pela força de seus poemas, quer falem de política ou de amor. Seus versos se alternam da severidade à suavidade, numa espécie de magia difícil de ser encontrada em qualquer poeta.  (…) (Milu)

 

UMA TENTATIVA DE CIÚME

 
Como é tua vida com outra mulher?
Mais simples, não? Uma simples remada!
Na linha do horizonte
a minha memória recuou,
uma ilha flutuante
(no céu, não nas águas).
Almas, oh almas! Vós sereis irmãs,
não amantes!

Como é a tua vida com uma mulher vulgar? Sem o divino?
Agora que destronaste a tua rainha
e tu próprio renunciaste ao trono,
como é a tua vida? Que fazes?
Hesitas? Como te levantas?
Como consegues, pobre homem,
pagar o preço da trivialidade imortal?

"Chega de convulsões e palpitações!
Vou alugar uma casa!"
Como vai a tua vida com uma mulher normal,
tu, que foste escolhido para mim!

A comida é mais adequada
e estável? Não te queixes se te fartares...
Como é a tua vida com a tua imagem -
tu, que pisaste o monte Sinai?

Como é a tua vida com uma estranha,
uma mulher deste mundo? Diz-me - agradável?
A vergonha, como as rédeas de Zeus,
não te fustiga a testa?

Como é a tua vida? A tua saúde?
Passável? Como cantas?
Como enfrentas a consciência imortal
que te assalta, pobre homem?

Como é a tua vida com um produto
do mercado? O preço é caro, não?
Depois do mármore de Carrara,
como é a tua vida com um bocado
de gesso estilhaçado? (Deus talhou-a de um bloco e estilhaçou-o?)
Como é a tua vida com uma qualquer,
Tu, que conheceste Lilith?*

O teu apetite satisfez-se?
Agora que a magia
perdeu o seu poder sobre ti,
como é a tua vida
com uma mulher deste mundo?

sem um sexto sentido? És feliz?
Não? Num poço sem fundo -
como é a tua vida, meu amor?
Pior do que a minha com outro homem?

* Lilith, na literatura rabínica, a primeira mulher de Adão.

 

(extraído do livro Poetas Russos, com tradução de Manoel de Seabra)

Sem comentários: