O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

sábado, dezembro 01, 2012

O PODER DO ÚTERO...


 “Sonhos Lúcidos”
DE FLORINDA DONNER-GRAU

(...)
Esperanza explicou que a conceitualização da razão tem sido obtida exclusivamente pelos homens, e isto lhes têm permitido minimizar os dons e as conquistas da mulher e, pior ainda, excluir as características femininas da formulação dos ideais da razão.


—É claro que na atualidade a mulher acredita no que lhe tem sido fixado — enfatizou. —A mulher tem sido criada para crer que só o homem pode ser racional e coerente, e agora o homem é portador de um capital que o torna automaticamente superior, seja qual for sua preparação ou capacidade.

—Como foi que as mulheres perderam sua conexão direta com o conhecimento? — perguntei. —Não a perderam — corrigiu Esperanza. —Ainda têm uma conexão direta com o espírito, só que esqueceram como usá- la, ou melhor, copiaram a condição masculina de não possuí-la. Durante milhares de anos o homem tem se ocupado de que a mulher o esqueça. Pegue a Santa Inquisição, por exemplo: esse foi um expurgo sistemático para erradicar a crença de que a mulher tem uma conexão direta com o espírito. Toda religião organizada não é outra coisa que uma manobra muito exitosa para colocar à mulher no nível mais baixo. As religiões invocam uma lei divina que mantém que as mulheres são inferiores. Olhei-a assombrada, perguntando-me como podia ser tão erudita. —Os homens necessitam dominar a outros, e a falta de interesse das mulheres por expressar ou formular o que conhecem, e como o conhecem, tem constituído uma nefasta aliança — continuou Esperanza.

—Tem tornado possível que a mulher seja forçada, desde seu nascimento, a aceitar que a plenitude encontra-se no lar, no amor, no casamento, em parir filhos e negar-se a si mesma. A mulher tem sido excluída das formas dominantes de pensamento abstrato e educada para a dependência. Têm sido tão bem treinadas para aceitar que os homens devem pensar por elas que terminaram por não pensar. —A mulher é perfeitamente capaz de pensar — disse. Esperanza me corrigiu.

 —A mulher é capaz de formular o que aprendeu, e o que tem aprendido tem sido definido pelo homem. O homem define a natureza intrínseca do conhecimento, e dele tem excluído tudo aquilo que pertence ao feminino ou, se o há incluído, é sempre de maneira negativa. E a mulher o tem aceitado.

—Está atrasada em anos — objetei.
—Hoje em dia a mulher pode fazer o que deseja. Em geral têm aceso a todo centro de aprendizagem, e a quase todos os trabalhos que desempenha o homem.
—Mas isso não tem sentido, a menos que possuam um sistema de apoio, uma base — argumentou Esperanza.

—De que serve ter aceso ao que possuem os homens, quando ainda se as consideram seres inferiores, obrigadas a adotar atitudes e comportamentos masculinos para conseguir o êxito? As que na verdade conseguem alcançar o êxito são as perfeitas convertidas, e elas também depreciam às mulheres. —De acordo com os homens o útero limita à mulher tanto mental como fisicamente. Esta é a razão pela qual às mulheres, apesar de seu acesso ao conhecimento, não lhes tem sido permitido determinar o que é este conhecimento. Pegue, por exemplo, aos filósofos — propôs Esperanza.

 —Os pensadores puros. Alguns deles são encarniçadamente contra a mulher. Outros são mais sutis, no sentido de que estão dispostos a admitir que a mulher poderia ser tão capaz como o homem, se não fosse porque não lhe interessam as investigações racionais, e no caso de estar interessadas, não deveriam estar. Pois lhe cai melhor à mulher ser fiel à sua natureza: uma companheira nutriente e dependente do macho.

Esperanza expressou tudo isto com inquestionável autoridade. No entanto, em poucos minutos, a mim já me assaltavam as dúvidas.
—Se o conhecimento não é outra coisa que um domínio masculino, a quê se deve então sua insistência em que eu vá à universidade? — perguntei.

—Porque você é uma bruxa, e como tal precisa saber o que te afeta, e como te afeta — respondeu.
—Antes de recusar algo deve saber por que o recusa. “Sabe, o problema é que o conhecimento em nossos dias se deriva simplesmente de pensar nas coisas, mas as mulheres têm um caminho distinto, nunca antes levado em consideração. Esse caminho pode contribuir ao conhecimento, mas teria que ser uma contribuição que nada tem a ver com pensar nas coisas”.

—Com o que teria que ver então?
 —Isso é para que você o decida, depois de ter dominado as ferramentas do raciocínio e da compreensão. Minha confusão era muito grande.
—O que propõem os feiticeiros — continuou Esperanza — é que os homens não podem possuir o direito exclusivo ao raciocínio. Parecem possuí-lo agora porque o terreno sobre o qual o aplicam é um terreno onde prevalece o masculino. Apliquemos então a razão a um terreno onde prevalece o feminino, e esse é, naturalmente, o cone invertido que te descrevi: a conexão feminina com o próprio espírito. Desviou apenas a cabeça, como decidindo o que estava por dizer.
 —Essa conexão deve enfrentar-se com outro tipo de raciocínio, algo nunca antes empregado: o lado feminino do raciocínio.
—E qual é o lado feminino do raciocínio, Esperanza?
 —Muitas coisas; uma delas é definitivamente ensonhar. — olhou-me de maneira questionante, mas eu nada tinha a dizer. Sua profunda gargalhada me pegou de surpresa.
—Eu sei o que espera você dos feiticeiros: rituais e encantamentos, cultos raros, misteriosos. Quer que cantemos. Quer fundir-se com a natureza; estar em comunhão com os espíritos da água; quer paganismo, uma visão romântica do que fazemos. Muito germânico. “Para submergir-se no desconhecido precisam de coragem e mente. Somente com isso poderá explicar a você mesma e a outros os tesouros que poderá encontrar.”
— Esperanza chegou perto de mim, ansiosa ao que parecia, por confiar-me algo. Coçou a cabeça e bufou repetidas vezes, cinco vezes como o fazia o cuidador. —Precisa agir a partir de seu lado mágico — disse.
—E isso o que é? —O útero — e o disse com tanta calma, e em tom tão baixo, como se não lhe interessasse minha reação, que quase não lhe ouvi. Depois, ao dar-me conta do absurdo de suas palavras, me endireitei e olhei para as outras mulheres.

 —O útero — repetiu Esperanza — é o órgão feminino fundamental, o que dá às mulheres esse poder, essa força extra para canalizar sua energia. Explicou que o homem, em sua busca pela supremacia, tem conseguido reduzir esse misterioso poder, o útero, ao nível estrito de um órgão biológico cuja única função é reproduzir, abrigar a semente do homem.
Como se obedecesse a um chamado, Nélida ficou de pé, rodeou a mesa e veio parar-se atrás de mim.


—Conhece a estória da Anunciação? — murmurou quase pegado a meu ouvido.
 —Não — respondi, rindo. Com esse mesmo sussurro confidencial me disse que na tradição judaico-cristã os homens são os únicos que escutam a voz de Deus. As mulheres, salvo a Virgem Maria, foram excluídas deste privilégio. Nélida disse que um anjo sussurrando à Maria era, logicamente, algo natural. Não o era em troca de que a Única coisa que pôde dizer-lhe foi que daria a luz ao filho de Deus. O útero não recebeu conhecimento e sim, melhor dizendo, a promessa da semente de Deus. Um deus masculino, que por sua vez gerava outro deus masculino. Eu queria pensar, refletir acerca de tudo o que se havia dito, mas minha mente estava em total confusão.
—E o que acontece com os feiticeiros homens? — perguntei.

 —Eles não têm útero e, contudo, estão claramente conectados com o espírito. Esperanza me olhou com uma satisfação que não tentou dissimular; depois olhou por cima de seu ombro como temerosa de que alguém a escutasse. Num murmúrio, apenas disse:
—Os feiticeiros podem alinhar-se com o espírito pois abandonam o que especificamente define sua masculinidade. Já não são homens.
(...)
 “Sonhos Lúcidos” FLORINDA DONNER-GRAU 

3 comentários:

Aliks disse...

..." o homem, em sua busca pela supremacia, tem conseguido reduzir esse misterioso poder, o útero, ao nível estrito de um órgão biológico cuja única função é reproduzir, abrigar a semente do homem "...

Leonor ... foi justamente isso que o meu médico me respondeu quando eu o questionei sobre o fato de ter entrado no centro cirúrgico para retirar miomas e sair de lá sem o útero ...

- A função do útero é somente para reprodução ... você ainda queria ter filhos ???
- Não sei !!! ... eu tenho 41 anos ... uma filha de 14 anos, e não sei se queria ter outros filhos !!!

Ainda estou inconformada ... independente de querer ou não mais filhos, agora eu me sinto mutilada ... castrada ...

Um beijo

rosaleonor disse...

Infelizmente é tão comum isso acontecer...um horror o que os médicos fazem com as mulheres!
Por pura ignorância e desvalorização do ser mulher...


Um grande beijinho para sim querida...
rleonor

Camila disse...

É muito importante para defender as mulheres. Nós temos que juntar a nós e nos apoiar. Eu organizar eventos para as mulheres e eu comprar comida, eu dou shampoo lanza e outros itens de beleza.