O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

quinta-feira, maio 22, 2014

A sexualidade, ampliada e supervalorizada é imposta como único modo de existência...

 
 
"Fomos levados a pensar que através do sexo encontraríamos a liberdade, mas caímos em um jogo ardiloso. Quanto mais falamos (ou gritamos) sobre nossa sexualidade, quanto mais nos mostramos, mais nos embrenhamos nas malhas estendidas pelo saber-poder. Nosso sexo fala de si. O foco de luz colocado em cima dele o imobiliza, as teias de aranha se estendem, o poder se disfarça para melhor vê-lo, cheirá-lo, ouvi-lo e depois comê-lo, até que não sobre nada.
Sexo se tornou nossa identidade, mas por que? O que motiva essa obsessão ocidental pelo sexo? Entender o que causa esta fixação nos faz passar longe da questão jurídica ou de poder como algo centralizado. O discurso sexual é algo que atravessa nossa sociedade horizontalmente. As relações de saber-poder se dão de forma descentralizada. Estendem seus tentáculos em numerosas direções, interligando-os e fazendo-os interagir. A sexualidade é algo onde se pode e deve intervir.
(...)
A centralização dos dispositivos de sexualidade nos leva a crer em um pansexualismo. Já dissemos anteriormente que o sexo não traz a essência da pessoa (veja aqui), não somos puritanos, mas o sexo não é o motor da humanidade, a pulsão não é nosso combustível. Isso decorre de uma saturação dos dispositivos de sexualidade. A família nuclear burguesa foi seu principal alvo. Com o discurso de evitar a degeneração das futuras gerações, a estrutura edípica desenvolveu-se. A saúde mental e física dos pais refletia a saúde e desenvolvimento apropriado da criança. O pecado foi trocado pela patologia, o sangue azul dos nobres deu lugar aos discursos sexuais burgueses.
É neste contexto que a psicanálise se desenvolve. Centralizando o impulso sexual e codificando os discursos em torno de papai-mamãe-filhinho. Refinamento da confissão em sua melhor forma, um tipo de “pague-para-contar-sobre-sua-miséria-sexual”. A psicanálise não descobriu os segredos do inconsciente, ela sistematizou o inconsciente que era produzido na superfície da época,  um significante tirânico organizando o desenvolvimento. Exatamente quando a questão do incesto também passou a ser uma questão de saúde pública.
“A noção de ‘sexo’ permitiu agrupar, de acordo com uma unidade artificial, elementos anatômicos, funções biológicas, condutas, sensações e prazeres e permitiu fazer funcionar esta unidade fictícia como princípio causal, sentido onipresente segredo a descobrir a toda parte: o sexo pôde, portanto, funcionar como significante único e como significado universal” – Foucault, História da Sexualidade I
Novos modos de vida exigem novos modos de produção e vice-versa. Corpos disciplinados para o trabalho braçal, caso contrário, polícia e cadeia. Para os abastados, psicanálise ou prozac. O efeito é o mesmo, aliviar tensão, manter o controle, gerir pessoas. Uma máquina de produzir indivíduos dóceis, disciplinados e úteis foi posta em prática. Além de um discurso de regulação, que abrangia, claro, todo desenvolvimento psico-sexual para satisfazer uma economia e produção. Produzir, vender, incitar o desejo, conhecer e produzir conhecimentos para então novamente produzir e vender.
“O problema está em apreender quais são os mecanismos positivos que, produzindo a sexualidade desta ou daquela maneira acarretam efeitos de miséria” – Foucault, Micro-física do poder
(...)
“Não acreditar que dizendo-se sim ao sexo se está dizendo não ao poder; ao contrário, se está seguindo a linha do dispositivo geral da sexualidade” – Foucault, História da Sexualidade
 
 
O verdadeiro sexo, o sexo imposto, é aquele que se torna ao mesmo tempo, através dos discursos de saber-poder, previsível e condicionável. Homem joga bola e usa azul, quer sexo o tempo todo. Mulher vai ao cabeleireiro e usa rosa, é recatada. Todo discurso impõe comportamentos regulados socialmente. A implicação econômica é de máxima efetividade. A sexualidade, gênero, preferências, vontades, desejos, tudo isso não é causal, é causado.
Não reduzir-se ao sexo implica não centralizar seu modo de vida em torno de um único fator. A sexualidade, ampliada e supervalorizada é imposta como único modo de existência através de inúmeros dispositivos sexuais que a normatizam. Ampliar o discurso da sexualidade tornou-se uma forma tirânica de regular as subjetividades e por sua vez os encontros possíveis entre as pessoas. Ir para além destes dispositivos de saber-poder é encontrar novos modos de se posicionar no mundo, um devir-criativo mais preocupado com a ampliação dos próprios potenciais do que com a busca pela sua verdadeira identidade sexual. A verdadeira liberação sexual, se é que ainda podemos usar este termo, não se dá seguindo pela avenida construída pelo saber-poder, onde os discursos e as práticas seguem todos à mesma velocidade e sentido, ela se dá na verdade através das trilhas paralelas, que são confusas e pouco trilhadas, mas certamente muito mais singulares."
 
Rafael Trindade

3 comentários:

Unknown disse...

Quem escreveu isso, deve ter pavor ao sexo! Muita alegoria verbal, pouco conhecimento humano de fato. A liberdade sexual não só é necessária, como é o ápice da humanidade. Não importa em que direção nos encontremos, se ocidente, se oriente; o importante é para onde vamos. A atração sexual, e os cuidados preventivos são os únicos substratos necessários à prática desejada, e o que basta para a conexão máxima interior. O outro é a chave, a solidariedade para se chegar onde nenhuma outra atividade humana leva. São vazias as palavras, sejam eruditas ou ignaras, que queiram obstaculizar o progresso dessa liberdade sexual!

rosaleonor disse...

Ninguém aqui falou contra a liberdade ou impedir a liberdade...apenas se referiu que "A sexualidade, ampliada e supervalorizada é imposta como único modo de existência... " com o que estou inteiramente de acordo...e mais: a sexualidade é degenerada olhada e vivida com simples instrumento o aleatório de prazer a todo o custo...a sexualidade não pode ser desligada do fenómeno raro do AMOR e da energia que faz transcender um simples acto animal e mecânico numa transcendência amorosa cósmica...medo do sexo? Medo da alienação do sexo ou do amor sim...leia de novo e pense melhor...e sim, sexo para mim sem espiritualidade, sem dimensão profunda da alma é aberrante e animal...mas cada um "usa"
com a sua "liberdade"...e como quer...

Ná M. disse...

Esse tema é muito legal pq pega bem na ferida.... É doloroso pra uma mulher crescer, se conscientizar de sua situação no patriarcado, evoluir e viver de acordo (e descobrir) seus próprios valores . Tem umas que a qualquer sinal da vdd, já se ofendem e levantam as armas. rss...