O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

quarta-feira, janeiro 06, 2016

Por que razão ficaríamos nós viciados em outra pessoa?


“A DEPENDÊNCIA
E A PROCURA DO ESTADO INTEGRAL"


Por que razão ficaríamos nós viciados em outra pessoa?

A razão pela qual uma relação de amor romântico é uma experiência tão intensa e procurada por todos nós é por dar a impressão de proporcionar uma libertação de um estado profundamente enraizado de medo, de carência e de deficiência, estado esse que faz parte da condição humana na sua situação não redimida e não iluminada. Há nele uma dimensão física, assim como uma dimensão psicológica.
Ao nível físico, é óbvio que você não é completo, nem nunca o será: você ou é homem ou é mulher, ou seja, metade de um ser completo. A este nível, o anseio pelo estado integral – o regresso à unicidade – manifesta-se como uma atracção do masculino pelo feminino, como uma necessidade do homem por uma mulher, ou a necessidade de uma mulher por um homem. É um desejo quase irresistível de uma união com a polaridade oposta. A raiz desse desejo físico é um impulso espiritual: o anseio pelo fim da dualidade, um regresso ao estado integral.
Ao nível físico, você só se conseguirá aproximar desse estado pela união sexual. É por isso que ela é a experiência mais profunda de satisfação que o domínio físico lhe pode oferecer. Mas a união sexual não passa de um vislumbre fugaz do estado integral, um instante de êxtase. Enquanto você procurar a relação sexual, inconscientemente, como meio de salvação, estará a procurar o fim da dualidade ao nível da forma, onde ele não se encontra. É-lhe dado um vislumbre tentador do paraíso, mas não lhe é permitido permanecer nele, e você encontra-se novamente num corpo separado.
Ao nível psicológico, a sensação de carência e de deficiência é ainda maior do que ao nível físico. Enquanto você se identificar com a mente, terá uma sensação de identidade com origem no exterior de si próprio. Ou seja, a sua sensação de identidade deriva de coisas que, em última análise, nada têm a ver com quem você é: a sua posição social, os seus bens, a sua aparência exterior, os seus sucessos e insucessos, as suas convicções, etc. Esse falso eu construído pela mente, o ego, sente-se vulnerável, inseguro, e anda sempre à procura de coisas novas com as quais se identificar a fim de ter a sensação de que existe. Mas nunca nada é suficiente para lhe dar uma satisfação duradora. O seu medo permanece; a sua sensação de carência permanece.
E é então que surge aquele relacionamento especial. Parece ser a resposta a todos os problemas do ego e parece satisfazer todas as suas necessidades. Pelo menos assim parece, ao princípio. Todas as outras coisas a partir das quais você obtinha a sua sensação de identidade tornam-se agora relativamente insignificantes. Você tem agora um único ponto fulcral que as substitui, que dá sentido à sua vida e através do qual você define a sua identidade: a pessoa por quem está "apaixonado". Aparentemente, você deixa de ser um fragmento num Universo que não quer saber de si. O seu mundo tem agora um centro: a pessoa amada. O facto é que o centro está fora de si e, por conseguinte, você continua a ter uma sensação de identidade com origem no exterior, o que ao princípio parece não ter importância. O que importa é que os sentimentos subjacentes ao estado não integral de medo, de carência e de insatisfação pessoal, tão característicos do estado egoico, deixam de existir. Será? Na verdade, esses sentimentos desaparecerão ou continuarão a existir sob a superfície de uma aparência de felicidade?
Se nos seus relacionamentos você sentir ao mesmo tempo "amor" e o seu oposto – agressividade, violência emocional, etc. –, então o mais certo é estar a confundir o afecto do ego e o apego viciante com o amor. Não pode amar o seu parceiro num determinado momento e atacá-lo a seguir. O amor verdadeiro não possui oposto. Se o seu "amor" tiver um oposto, é porque não é amor mas sim uma forte necessidade do ego de uma sensação de identidade mais completa e mais profunda, necessidade essa que a outra pessoa satisfaz temporariamente. É um substituto do ego para a salvação que, por um curto espaço de tempo, quase parece a salvação.
Mas chegará uma altura em que o seu parceiro se comportará de uma maneira que deixa de satisfazer as suas necessidades, ou antes, as do seu ego. Os sentimentos de medo, sofrimento e carência, que são parte intrínseca da consciência egoica, mas que foram encobertos pelo "relacionamento amoroso", vêm de novo à superfície. Tal como qualquer outra dependência, você sentir-se-á bem enquanto a droga estiver disponível, mas chegará invariavelmente uma altura em que a droga deixará de ter efeito em si. Quando esses sentimentos dolorosos reaparecem, você sente-os com uma intensidade ainda maior e, pior ainda, passa a encarar o seu parceiro como a causa desses sentimentos. Significa isto que você os projecta para o exterior e ataca o outro com a violência feroz que faz parte da sua dor. Este ataque pode despertar a dor do próprio parceiro que poderá contra-atacar. Neste ponto, o ego continua a ter a esperança inconsciente de que o seu ataque ou a sua manipulação serão castigo suficiente para levar o parceiro a mudar de comportamento, e assim usá-lo novamente para encobrir a sua dor.
Qualquer dependência tem origem numa recusa inconsciente de você enfrentar e ultrapassar a sua própria dor. Qualquer dependência começa e acaba com sofrimento. Seja qual for a substância de que fica dependente – álcool, comida, drogas legais ou ilegais, ou uma pessoa – você está a usar alguma coisa ou alguém para encobrir a sua dor. É por isso que, passada a euforia inicial, há tanta infelicidade e tanto sofrimento nos relacionamentos íntimos. Não são eles que provocam sofrimento nem infelicidade. O que eles fazem é fazer ressaltar o sofrimento e a infelicidade que já estão dentro de si. Qualquer dependência faz isso. Qualquer dependência, passado algum tempo, deixa de ter o efeito de acalmar o seu sofrimento, e então você sente o sofrimento mais intensamente do que nunca.
É por essa razão que muitas pessoas estão sempre a tentar fugir do momento presente e a procurar algum tipo de salvação no futuro. A primeira coisa que encontrariam, se concentrassem a atenção no Agora, seria a sua própria dor, e é disso que elas têm medo. Se ao menos soubessem como é fácil aceder, no Agora, ao poder da presença que desfaz o passado e o seu sofrimento, da realidade que desfaz a ilusão. Se ao menos soubessem quão perto estão da sua própria realidade, quão perto estão de Deus.
Evitar os relacionamentos numa tentativa de evitar o sofrimento também não é resposta. Seja como for, o sofrimento existe. Três relacionamentos falhados em três anos terão mais hipóteses de o forçar a despertar do que três anos passados numa ilha deserta ou fechado no seu quarto. Mas se você fosse capaz de trazer presença intensa para a sua solidão, essa solidão poderia levá-lo a despertar…”

Eckhart Tolle

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