O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

sexta-feira, março 18, 2016

Voltar à Mãe I


"Este voltar para a Mãe (Mar), quer seja considerada sobre o ponto de vista psicológico, ou o ponto de vista político, precisa ser indubitavelmente ligado ao acto sexual. O acto sexual é com efeito, com toda a clareza, uma tentativa brutal do homem para retomar lugar no ventre da mulher, e para a mulher uma tentativa de retomar a sua criança desaparecida (e isto inconscientemente numa mulher mesmo que não tenha tido ainda nenhum filho). "*
(...)

VOLTAR A MÃE...

Sim, todos precisamos de voltar à Mãe...
Voltar a Mãe e a esse  sentimento de pertença, calma e paz é a mais crucial e premente necessidade da nossa vida e creio que na vida de todos os seres vivos. Porque a Mãe é a Matriz, a Mãe é a Origem e a Mãe é ainda o Portal de iniciação à vida (nascimento) e o Portal de iniciação ao Amor da Deusa. Toda a vida passa pela Mãe... "Sem mãe não se nasce nem se morre"...o inferno é um mundo sem Mãe e é esse inferno que os homens do deserto criaram na terra em nome do seu deus Pai. 

Perdidos da Origem e perdidos da sua Matriz, da sua Mãe os homens na terra vivem o inferno e a guerra em que se digladiam e matam em nome desse deus pai...

Todos os seres humanos sofrem essa separação inicial da Mãe e das águas matriciais onde viviam protegidos e ligados à Matriz divida, presos por um cordão que nos alimenta no útero e que ao sairmos para fora desse útero, a primeira queda,  para iniciarmos a vida na terra na matéria, se o amor da mãe não for um bálsamo e os seus braços não forem protetores, se o seu abraço não for constante, essa ferida como que se alastra e actua nas suas vidas como uma chaga aberta que os leva ao ódio em vez do amor, que os leva a violência em vez da paz...

“No acto sexual e no de fecundação que se encontra estreitamente ligado, fusiona-se numa só identidade, não somente a catástrofe individual (nascimento) e a última das catástrofes da espécie, mas também, todas as catástrofes sofridas desde a aparição da vida; portanto o que se exprime no orgasmo, não é somente a calma intra-uterina e uma existência apaziguadora, assegurada por um meio mais acolhedor, mas também a calma que precede o aparecimento da vida, quer dizer a paz morta da existência inorgânica.” *

E essa ferida da separação inicial que marca uma outra separação, a da fonte primeira, o cosmos, só pode ser sarada pela mãe biológica à partida, quando a Mãe está presente e pode mais tarde continuar a ser o paliativo das dores na vida de qualquer individuo; na vida de um homem mal amado pela mãe  é a Mulher amante quem vem colmatar essa ferida no verdadeiro amor alquímico, a Busca do Graal, se houver esse amor verdadeiro...e essa é uma forma de amor transcendente, o Amor Alquímico, embora muito raro, isso pode salvar e dar total sentido à vida do homem. Mas a ferida da Mulher que não foi amada pela mãe, que a partida nasce sem esse direito, embora sendo diferente porque ela é também a Mãe, destinada à partida a ter filhos e a amar o filho, se ela também não for amada pela mãe neste caso, nenhum  homem a pode curar...
Sim, é terrível o vazio existencial da filha que não se sentiu amada pela Mãe ou que foi rejeitada por ela. Apesar do paliativo filho, ela sem mãe não pode ser Mulher nem A amante.
A verdade é que sendo  a mãe a primeira referência de amor para a vida, mal se nasce, se a mãe como Mulher está vazia e ferida, como poderá ela amar a filha em quem melhor se reflecte logo a partida? Como poderá ela resgatar essa essência perdida quando separada da Mãe que é a matriz em que a mulher se modela  - aqui temos um grande drama, o drama actual da mulher no mundo que se afastou da sua essência primeira...- e deste modo temos a  mulher em busca desesperada do homem e do filho que a preencha.

O que dizem os psicólogos (sérios, mas não deixam de ser patriarcais) é que a jovem é afastada da mãe na sua adolescência para se projectar no bom pai (face a uma má mãe) para assim superar o desejo da mãe; portanto ela busca no pai ou no homem a sua própria identidade perdida ou anulada e assim toda a mulher faz a projecção desse amor fora de si  e desse modo eu não creio que ele homem ou deus, ou mesmo o filho  possa  colmatar essa ferida na mulher sem mãe. 


Há essa dor da separação inicial - na mulher e no homem - logo ao nascer que é a nossa ferida da encarnação - comum ao ser humano - e que só a mãe consola e redime SE ela nos nutre de si, olha e abraça mal nascemos e depois nos suporta assim em crianças...mas que pelo facto de a mulher ser tão maltratada e desconsiderada uma vida inteira dificilmente ela poderá ser essa Mãe...
 

Em contrapartida a Deusa é na sua essência a que representa a mulher inteira, a mulher Ente a mulher que se representa como individuo, independente, como pessoa, como totalidade, não serva, não a mãe, não a esposa obediente e servil...é a Mulher Senhora de si, como o eram as Virgens de antigamente, mulheres que não precisavam de homem para ter representação na sociedade e por isso eram respeitadas...etc.


Não, eu pessoalmente não creio que o homem possa dar à mulher a sua totalidade à partida. E permanecemos neste equivoco há centenas de anos, diante de uma mulher esvaziada de sentido em si mesma a procura de si no homem. Mas verificamos que  quando uma mulher ama o homem ou um deus - quando a mulher projecta no homem ou em Deus o seu amor - é sempre baseado na sua anulação...o que conta é a sua entrega e é ela entrega que é venerada, não a mulher, é a sua renuncia a si mesma que é importante, não a mulher...e é essa anulação que conta e é cantada nos poemas de amor à mulher, seja como Mãe de deus seja a santa Teresa d'Avila...O que conta é a fusão com o esposo e na união com o Senhor dentro da religião é sempre a anulação da mulher em si o que é contemplado...é o seu vazio/renuncia e entrega total que é elogiado - como parece e soa ser a natureza piedosa da mulher - apenas preenchido pelo filho ou pelo homem. Ter Mãe contudo é fundamental para o equilíbrio da nossa vida. E isto foi considerado por esses mesmos psicólogos (incluindo junguianos, nomeadamente E. Harding, em Os Mistérios da Mulher*), de "evolução humana" e libertação do egocentrismo na mulher - a libertação da consciência ctónica e telúrica, como se o lado instintivo da mulher fosse de facto um perigo para a humanidade Homem...e foi dessa premissa que muitos estudiosos e psicólogos tomaram a mulher instintiva como um perigo...

"Por ter experimentado o poder da Deusa em si mesma ela sabe que a mulher convencional não é a mulher verdadeira, mas apenas um pouco mais do que um autómato. E assim, que uma mulher se liberta da mulher convencional, tradicional e conservadora, encontra-se imersa em desejos  instintivos e maneiras de agir que ameaçam submergir tudo o que é humano nela."*

Isto é uma premissa perigosa e à distância quase de um século podemos ver o erro de visão cultural da época (1930) e que induziu a mulher em erro, cortando-lhe assim o acesso à sua natureza instintiva, considerada animal e demoníaca pelos padres da Igreja...O que resultou disto no plano cultural e talvez filosófico, foi que a mulher acabou por perder todo o contacto com a vida instintiva...com a sua intuição e sexualidade... e se tornou totalmente racional. E é isso que os autores consideram afinal de "evolução humana"...

Voltando à Origem Mãe...é urgente perguntar-se: Que mãe temos nós?
E assim, voltamos ao ponto de partida que é a Importância do amor da mãe não só nossa vida como na sociedade e no  mundo. A Mãe significa o Útero. A que dá a vida e significado.
Dependente da mãe que temos assim a sociedade. Onde a mulher é mais desprezada é maior a violência e a há mais guerra.

Continua...

*
in Le Mythe Celtique de l’origine de Jean Markale, “La Femme Celte

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