O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

sábado, março 10, 2018

O problema da invisibilidade das mulheres



A HOMOSSEXUALIDADE FEMININA?

"Em relação ao homoerotismo feminino pode ser percebido através de uma economia do silêncio e da in-visibilidade provinda de longa data. No antigo Testamento, mais precisamente no capítulo XVIII do terceiro livro de Moisés, chamado Levítico, aparecem significativas considerações acerca dos "casamentos ilícitos" e das "uniões abomináveis". Entretanto, nesta ampla lista de advertências não consta qualquer referência ao homoerotismo feminino. Mas, o silêncio que parece emudecer a homossexualidade feminina não se restringiu às escrituras bíblicas. Até o Tribunal do Santo Ofício Português fez "vista grossa" ao lesbianismo. Tamanha complacência adquiriu o status de lei a partir de 22 de março de 1646, quando o Conselho Geral da Inquisição de Lisboa, num ato surpreendente, decidiu ignorar a prática sexual entre mulheres (MUNIZ,1990).
(...)
Segundo o historiador, "raríssimos são os processos de mulheres-sodomitas existentes na Torre do Tombo, não havendo registo de nenhuma lésbica lusitana que tenha sido queimada pelos tribunais religiosos". O período vitoriano, famoso por seu policiamento aos bons costumes, também não debruçou sua ira sobre a homossexualidade feminina (...)
“A rainha Vitória, através de uma lei sancionada em 1885, condenou somente às práticas sodomitas entre os homens, negando incluir punição contra o sexo entre mulheres por não acreditar na viabilidade desse invisível amor.” (...)*Lhi - 2009


Todas as mulheres no Sistema Patriarcal são invisíveis.

Em nove anos que passaram sobe a data deste excerto muita coisa se passou e a sociedade culta foi invadida pela ideologia de género que relegou para um segundo plano a questão homossexual...mas precisamente por isso é importante voltarmos ao tema...da mulher como MULHER seja ela lésbica ou não, porque a Mulher é sempre mulher...

Só o não são as mulheres que correspondem ao imaginário masculino, as mulheres objecto, as mulheres insufladas de silicone, concebidas e criadas por eles, NAS SALAS DE OPERAÇÃO, na publicidade, nas passerelles, nos filmes etc. Por isso ser Gay ou não, não faz diferença quando se trata de defender os homens homo, porque na sociedade de valores masculinos e onde o feminino foi simplesmente apagado da história e esmagado na mulher, é sempre o imperativo do falo (logo existo) que prevalece. Portanto, independentemente de um homem ser homossexual, a sociedade falocrática, apesar de resistir à sua “feminização” e pretender desprezá-lo pela sua semelhança com a mulher (até conseguiram que os gays se tornassem musculados e aparentemente viris, em vez de travestis) considera o homem como parte de si mesma quer ele seja ou não gay, mas não a mulher, que não é mais do que um corpo (um buraco, um vazio para encher) ao seu dispor…! Não quero parecer vulgar mas é assim que a mulher foi considerada pelo patrismo e temos que olhar bem para as coisas como elas são na realidade e não idealizadas pelo intelecto e por uma falsa liberdade ou emancipação das mulheres. Ora neste caso, mais do que em qualquer outro caso, é muito óbvio que se a mulher lésbica não serve o homem, então não serve para nada…para quê dar visibilidade ao que não existe? As mulheres não existem por si só…ou são esposas de, ou são filhas de, ou são amantes de, ou secretárias…ou prostitutas ao serviço da sociedade machista.

As observações históricas de não dar importância às mulheres lésbicas por vários períodos de repressão religiosa e preconceito social, têm a ver também com o facto de que para os homens só há relações sexuais onde há um falo, onde há penetração, onde há dominador e vencido…foi assim que se processaram e oficializaram as relações entre os homens e as mulheres na sociedade patriarcal.
A homossexualidade feminina pode até ser uma diversão para o homem, uma coisa com que ele por vezes alimenta o seu imaginário. Vemos isso nos filmes pornográficos e não só…portanto é ainda uma fantasia masculina consentida…mas não levada a sério.
Também nunca a sociedade machista se preocupou com a prostituição como um flagelo social, mas apenas por hipocrisia e por estar ao seu serviço. Nunca se questiona a origem e a legitimidade da prostituição seja dentro de que sistema for. São as prostitutas visíveis? Ou são escondidas e disfarçadas de acompanhantes e modelos etc.? Esse uso e abuso do corpo da mulher como mercadoria foi sempre ou escondido ou consentido pelos Estados e as próprias mulheres hoje em dia a acham legítima e defendem-na como “profissão”- a chamada profissão mais velha do mundo - e acham-na uma coisa natural quando ela é apenas o reflexo da divisão interna, psicológica e social da mulher em dois tipos de mulher e assim sendo trata-se na verdade da repressão e abuso do ser humano mais velho da história do patriarcado…
O problema da invisibilidade das mulheres lésbicas não é só das mulheres lésbicas como de todas as mulheres....e posto da maneira como a autora do texto o pôs é como se ela acreditasse viver numa sociedade evoluída e de igualdade de direitos, onde a mulher normal e comum, a heterossexual, fosse visível, pelo seu valor intrínseco, e nós sabemos sobejamente  que não é nem nunca foi assim. Portanto a autora do texto por muito bem intencionada e informada que seja nisso está iludida…como o estão todas as mulheres inteligentes e cultas ao pensarem que são consideradas pela sua essência feminina ou pelo seu valor enquanto mulheres-Mulheres.

texto revisto e republicado
rosa leonor pedro

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