O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

sexta-feira, novembro 09, 2018

OS TRAVESTIS COMO SACERDOTISAS DAS DEUSAS


Não é meu costume publicar nada sobre o Homem em geral ou sobre Travestis  e quase sempre rejeito as teorias de Género assim como as ideologias  que as defendem, mas resolvi publicar este texto de uma amiga, Laura Serra, que fez estes comentários no Facebook a várias questões que eu coloquei e achei importantes e porque RESPEITO esta visão no sentido humano mais profundo e porque ela inclui a dimensão do Sagrado.
Portanto quando eu digo que a Mulher nasce mulher assim como o homem nasce homem à partida e isso não depende de cultura nem de ideologias, mas de biologia,  ela me respondeu:   


 OS TRAVESTIS COMO SACERDOTISAS DAS DEUSAS
“Efectivamente, no actual estado da tecnologia não é possível mudar integralmente de sexo. Não se consegue, ainda, mexer nos cromossomas. Quem nasceu XX não poderá ser XY, pelo menos para já, e quem for XY é porque assim nasceu.

A mulher não pode pois ser homem e o homem não pode ser mulher. O sexo não se escolhe. O género também não. Quem for travesti por natureza, não pode deixar de o ser, mesmo que tente. Não é um capricho ou uma moda, é uma forma de ser. Parece fácil ficar quieto e não vestir de mulher. É só não vestir. Nada parece mais simples do que deixar-se estar no sofá sem nada fazer, por exemplo, ou a ler, ou a ver televisão. Todavia, o corpo levanta-se e vai. É um fetiche? Bem, 'fetiche' é palavra francesa com origem cabo-verdiana que por sua vez vem do português 'feitiço'. Haverá algo mais poderoso que um feitiço? Feitiço também é encantamento. Encantamento e encanto são palavras com a mesma origem. Sucede o mesmo em Inglês, com a palavra «charm», que originalmente significa «feitiço». Houve quem jogasse com o nome de Vénus como tendo parentesco com 'venenum', 'veneno', que é uma poção, um encantamento. O travestismo 'fetichista' é o resultado de um 'veneno', um encantamento diante do sexo oposto, como se de uma radiação se tratasse. Tal como uma central nuclear emite radiação que pode ser mortal para os organismos que dela estejam mais próximos, também o homem travesti 'recebe' uma espécie de 'radiação' de uma mulher, ou determinado tipo de mulher, ou determinada(s) mulher(es), que o fazem sentir automaticamente como uma 'colónia', salvo seja, dessa mulher. Tal como o Império Romano colonizou terras bárbaras, romanizando-as - estas terras nunca ficaram civilizadas como Roma, mas também não voltaram a ser bárbaras como antes. Não se transformaram em Roma, mas ficaram romanizadas.
Não é, por outro lado, um produto dos novos tempos mas sim um retorno do que já existia em tempos arcaicos e agora retorna ao mundo ocidental, à medida que a repressão cristã se esboroa. Há dois mil anos um dos cultos mais disseminados em toda a área mediterrânica - portanto, em todo o Império Romano - era o de Cíbele, Magna Mater, originário da Frígia, na actual Turquia. Os sacerdotes de Cíbele entravam em êxtase, auto-castravam-se e viviam doravante vestidos de mulher, como já tive oportunidade de referir nesta página. A autoridade romana veio a proibir a auto-castração, mas o travestismo ritual continuou a existir. Não foi caso único. No Médio Oriente o culto de Atargátis também tinha sacerdotes travestis. No dicionário enciclopédico Koogan Larousse, o que está escrito a respeito dos sacerdotes é fenomenalmente actual: '...castravam-se no afã de se identificarem com a deusa'. Isto é de um culto anterior ao Cristianismo, não é uma invenção de bichas do Príncipe Real. Isto existe também na Índia, com os hijras que prestam culto a Bahuchara Mata, deusa que castigou homens fazendo-os vestirem-se de mulher. Que o travestismo seja aí visto como um castigo pode derivar da mentalidade patriarcal dominante; aliás, o travestismo começa sempre por ser sentido como uma forma de castigo mas depois evolui.

SOBRE O SAGRADO
Concordo inteiramente com a intenção de transpor tudo isto para a dimensão do sagrado. Creio que no mundo antigo tudo tinha uma dimensão sagrada, inclusivamente o travestismo. Daí a presença em cultos religiosos de sacerdotes efeminados, maricas, mas maricas no verdadeiro sentido do termo, o original, não o actual: o significado primeiro da palavra não é 'homossexual' mas sim, como dizem os dicionários mais vetustos, 'homem que se ocupa de funções de Maria (por mulher)'. Deusas como as que citei acima e outras: Cíbele, Atargatis, Tanit e, provavelmente, Argimpasa, Bendis, Artemis, Vénus, Hekate, Hera, foram servidas por sacerdotes transgénero. Não posso falar em nome de todos os transgéneros, ou sequer em nome de todos os travestis, mas também não posso deixar de pegar na palavra que muito bem empregou, o magnetismo. O magnetismo puxa e é isto que muitos travestis sentem - os travestis fetichistas, pelo menos. Estes sentem uma espécie de magnetismo da Mulher, a Mulher como abismo descomunal, a grande cavidade profunda que puxa para si, como um redemoinho nas águas, como as sereias do folclore, que, segundo a versão conhecida, atraem com os seus cânticos os marinheiros (homens) para a 'perdição', sendo esta 'perdição' entendida como a simples morte no fundo do mar, mas que eu pessoalmente gosto de pensar que pode ser a perdição da masculinidade, por assim dizer, como se a Sereia obrigasse ou convencesse o homem a ficar 'como ela', vivendo doravante como ela, num gineceu. Não é talvez por acaso que uma das deusas que referi, Atargatis, aparece por vezes concebida com rabo de peixe... Atargatis, deusa em cuja honra os homens se auto-castravam (até que essa prática foi proibida por um rei), também conhecida como 'Dea Syria', referida na obra 'O Burro de Ouro', de Apuleio, na qual se descreve um grupo de sacerdotes mendicantes que vagueia pedindo dinheiro, lendo sinas e impressionando as populações com o seu extremo grau de mariquice.

Quando o travestismo surge na mente de um homem, a auto-repulsa e a culpa são frequentes. De início nenhum travesti o quer ser, pelo menos na sociedade patriarcal que conhecemos. Tenta, tenta, tenta evitar tal pensamento, mas acaba por não conseguir fugir desse caminho. Imagina que uma determinada mulher, ou grupo de mulheres, o convence de que não é homem a sério e que portanto só lhe resta deixar-se feminizar. Compreendo que isto possa parecer estranhíssimo, sobretudo quando se tem em mente que a sociedade é patriarcal, mas cada pessoa tem o seu pequeno mundo e quando o mundo pequeno de um rapaz é dominado por mulheres - mãe, irmã mais velha, primas, colegas, tias, professoras, sabe-se lá, é conforme os casos - pode acontecer que ele enquanto criança sinta um certo apelo feminizante. Pode acontecer, não significa que aconteça forçosamente. Sei apenas que enquanto os rapazes com irmãOs mais velhos tendem a desenvolver homossexualidade, os rapazes com irmÃs mais velhas tendem a desenvolver travestismo. É uma habituação às circunstâncias, uma espécie de síndroma de Estocolmo aplicada ao género - eu chamo-lhe 'síndroma da Lídia' - ou se calhar é uma brecha para alguma verdadeira Cíbele, Hécate ou Vénus lá do Alto actuar neste mundo, quem sabe. Seja como for, isto angustia gravemente a criança do sexo masculino mas acaba por constituir, contra a sua vontade, a sua maior fonte de prazer erótico. É biológico?, é psicológico?, é cultural?... seja o que for, é mais forte que tudo. É uma obscenidade, uma 'vergonha', uma queda vertiginosa numa moleza 'criminosa' que prende com tentáculos, como uma aterradora e excessivamente macia lula das profundezas aquosas - é um feitiço. Que um marmanjo de grossa pele sinta que algo o compele a ficar tão 'amaciado', por assim dizer, como uma diva da música, da moda ou da esquina, eis o que se afigura como uma singular e não raras vezes ridícula monstruosidade, especialmente porque numa sociedade patriarcal, nada é considerado mais vil do que o homem que 'opta' (não opta, na verdade, não é coisa que se escolha) por encarnar o princípio do sexo oposto (ou o modo como o entende). Só quando se abandonam os valores rigidamente patriarcais se consegue valorizar o travestismo, à luz de uma outra escala de valores, sobretudo quando se toma conhecimento de que também a mariquice tinha em tempos a sua dimensão divina."

Laura Serra

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