O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

quarta-feira, maio 15, 2019

Quando "o corpo está separado da noção"...


AMIZADES E AMIGOS…
Quando "o corpo está separado da noção"...

(…)
Nós não temos uma capacidade infinita de criar amigos. No nosso conceito, ainda hoje, um amigo é uma coisa. Neste momento, a noção de amigo amplificou-se infinitamente e transforma-se em nada, esvazia-se. Portanto, esvazia-se, e o vazio há-de dar lugar a uma outra coisa, mas essa outra coisa é fictícia, não existe. Nós não temos capacidade de ter o número de relações que nos são dadas hoje.

- Estamos a falar da tecnologia.

Eu costumo dizer às pessoas do Facebook: "isso não são amigos, isso são terminais. Não são amigos, digam lá os nomes dos vossos amigos? Não podem ser vossos amigos, Quando é que foram lanchar com os vossos amigos? Não foram lanchar com os vossos amigos. Quando é que deram um abraço aos amigos? Não deram um abraço aos amigos." Portanto, o corpo está separado da noção. E isso cria rupturas que não são aceites como ruturas. A pessoa vai a cavalgar essa onda, mas a onda está vazia, a onda não tem apoio.

- E cavalga a onda como se fosse uma coisa boa, se calhar.

Como se fosse uma coisa boa, um progresso, mas o nosso corpo não está feito para isso. Como a distância. Nós não temos o corpo programado para omitirmos a percepção da distância. Nós olhamos para determinadas coisas, alcançamos só com o extremo do nosso braço, mas o nosso braço estendido já não alcança nada porque tudo o que alcançámos é com teclas ou com o dedo, e são distâncias infinitas.

- Que parecem próximas.

Que parecem próximas, que são avassaladoras e que não são geríveis. Que não são geríveis pela nossa formação mental, intelectual. Eu acho que as pessoas estão todas num estado de vertigem provocado por essa, eu diria disrupção, mas é mais do que isso, é um desmembramento e é uma alucinação coletiva que se está a viver. O que não significa que não seja esse o caminho, mas o nosso corpo não tem esse caminho. Um dia provavelmente o nosso corpo estará transformado, teremos grandes dedos pelo desenvolvimento do trabalho de mãos que estamos sistematicamente a fazer, teremos com certeza uma cabeça muito maior porque a atividade cerebral neurológica é muito maior, e um corpinho mais pequenino. Portanto, seremos semelhantes à imagem dos extraterrestes. Provavelmente isto vai acontecer porque as pessoas cada vez usam menos o corpo. Neste momento estamos naquele absurdo que é não usar o corpo para as coisas elementares, para a locomoção. A pessoa não caminha, mas depois ainda se apercebe que tem que muscular e então vai para o ginásio fechado, para as máquinas, em vez de pura e simplesmente caminhar. Estamos ainda nesse diálogo. Provavelmente esse diálogo vai acabar, esse tipo de preocupação, e vamos deixar que as pernas se atrofiem porque as pernas não vão mais ser usadas. Mas essa transformação levará anos, provavelmente séculos, e estamos divididos, estamos puxados por coisas que não sabemos gerir.


- E como é que a Hélia pessoalmente lida com este momento que estamos a viver?

Eu digo sempre aos meus amiguinhos: "ainda estamos no poder, ainda temos botões para desligar." E um dos meus pesadelos recorrentes é justamente o botão não funcionar. Pesadelo real, pesadelo de sonho.

- Estar sempre ligada.


É querer desligar o botão e não conseguir. O elevador, o televisor, seja o que for, ganha autonomia e deixa de ser possível desligar. Eu não uso redes sociais justamente por isso, porque não quero ser invadida por informação, por pessoas, por multidões, por textos, por imagens que não fui eu que escolhi ter, não sou eu que procuro. Adoro a tecnologia, resolvo os problemas informáticos de toda a gente à minha volta. É verdade, sou uma técnica informática com provas dadas. (risos) Portanto, não é aquela coisa de recusar a tecnologia. Gosto muito de máquinas, de dialogar e discutir com as máquinas, mas ainda sou eu que tenho o controlo. Portanto, ninguém entra na minha mente sem o meu consentimento.

- Mas se estivesse nas redes sociais, para dar o seu exemplo, a Hélia é que escolheria quem estaria na sua rede social, logo a informação seria limitada a essas pessoas, 10 ou 20 pessoas, as que entendesse.


Mas eu não quero essa gente toda...
(…)

Excerto de entrevista a Helia Correia 

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