sábado, maio 19, 2007

ÀS VEZES...

"Há máguas íntimas que não sabemos destinguir pelo que contêm de subtil e de infiltrado, se são da alma ou do corpo, se são o mal estar de se estar sentido a futilidade da vida. Se são a má disposição que vem de qualquer abismo orgânico - estômago, fígado ou cérebro. Quantas vezes se me tolda a consciência vulgar de mim mesmo, num sedimento torvo de estagnação inquieta! Quantas vezes me dói existir, numa náusea a tal ponto incerta que não sei destinguir se é tédio, se um prenúncio de vómito! Quantas vezes..." (...)

SABER DIZER!

Dizer! Saber dizer! Saber existir pela voz escrita e a imagem intelectual! Tudo isto é quanto a vida vale: o mais é homens e mulheres, amores supostos e vaidades factícias, subtergúgios da digestão e do esquecimento, gente remexendo-se, como bichos quando se levanta uma pedra, sob o grande pedregulho abstracto do céu azul sem sentido.

27-7-1930 LIVRO DO DESASSOSSEGO Fernando Pessoa

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