quarta-feira, outubro 29, 2008

A MÃE DIVIDIDA



" AS trevas estavam em todo o lado, envolviam tudo.

Nessa noite, nessa escuridão, a Mãe dividiu-se em duas: pariu uma filha igual a si própria: Ou da Mãe dividida resultaram duas filhas iguais.
Mas as divisões instantâneas tornaram-se impossíveis, tão grandes eram as mães e as filhas. A divisão em duas, ou mais, partes iguais durava um século. Era o século de dor e de morte, até que a vida voltasse a brilhar, agora duplicada.

Para economizar esse tempo de morte, isto é, para que a vida não fosse constantemente interrompida por brutais cisões, as mães – e as filhas, toda aquela imensidão de irmãs gémeas – inventaram um novo processo mágico: uma minúscula parte de si próprias, onde se encontravam as características do todo como linhas convergindo para um ponto, separava-se; nas linhas convergentes o movimento retrocedia. O ponto era arrastado naquele movimento, agora divergente, e nova reprodução da mãe aparecia, igual a tantas outras.
(…)
A Mãe encolheu-se em fundo escuro.


As mulheres caladas, escondidas atrás das portas, das cortinas. A histeria, discurso do útero, só tem lugar na loucura. A Mãe foi cuidadosamente embalsamada: retiram-se todas as tripas, e rechearam-na com o falo transcendente.”

Isabel Barreno, A Morte da Mãe, ed. Caminho

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