COMENTÁRIO DE UMA LEITORA
"A mulher não nasce: ela é feita. No fazer, sua humanidade é destruída. Ela se torna símbolo disto, símbolo daquilo: mãe da terra, puta do universo; mas ela nunca se torna ela mesma porque é proibido para ela fazê-lo." - Andrea Dworkin

"Não há como voltar atrás. Não temos lembrança a que nos agarrar, de um tempo em que as mulheres não eram oprimidas. Não existe nenhuma mulher que saiba o que é ser mulher sem a opressão patriarcal. No máximo, temos histórias de mulheres que se rebelaram e tentaram viver de acordo, se conseguiam, com seus anseios.
O feminismo é composto por mulheres assim. Mulheres que não tem lembranças de como era a vida e a história das fêmeas da espécia, antes da dominação masculina, mas que querem construir uma nova mulher e um mundo novo.
O feminismo não tem obrigação de incluir o misticismo do Sagrado Feminino. Ou de uma busca por uma essência feminina porque não se tem um parâmetro por onde se começar. Podemos, sim, tentar nos livrar dos condicionamentos patriarcais e ver, quem sabe, surgir daí, a nova mulher construtora do novo mundo. O Sagrado Feminino no paganismo, me parece o mais próximo de um caminho que realmente respeite a mulher. No Sagrado Feminino do cristianismo da Igreja Católica, Maria é símbolo de virgindade e submissão, um aspecto que nós feministas rejeitamos por colocar a sexualidade feminina e as mulheres a serviço dos padres e dos homens. Mas também no paganismo, a contaminação do patriarcado está presente, vi em muitas comunidades pagãs em redes sociais, que adoravam a Deusa, demonstrações de misoginia machista, quando homens se punham a criticar a dicotomia santa x puta, que eles diziam ser algo imposto pelas religiões patriarcais monoteístas. Enquanto debochavam e atacavam a "santa", pregavam que as mulheres deveriam assumir seu "lado puta", liberando-se de todas as suas inibições e preconceitos. Só esqueciam de avisar que não faziam isso para o nosso bem e sim para proveito deles e que tanto a "santa" quanto a "puta", eram rótulos criados por eles para nos explorar. Não há religião ou caminho místico que não seja patriarcal e misógino.
Todas as instituições humanas são contaminadas pelo desprezo pelas mulheres e convicção da inferioridade da mulher.
Não existe nenhuma mulher nascida hoje ou em qualquer época, que se lembre do que é ter essa essência, se algum dia existiu, se perdeu ao longo dos milhares de anos em que o patriarcado tem perdurado."
(Continua)
RESPOSTA A UMA LEITORA
Minha amiga, agradeço infinitamente o seu texto, toda a sua exposição e tentarei aqui respondera à sua ultima afirmação e na medida do possível a esta questão que surge da frase de "a mulher não nasce mulher" ("ela é feita") porque eu penso exactamente o contrário da frase inicial de Simone de B. mas estou de acordo com o sentido que aqui Andrea Dworkin lhe dá . Todavia há aqui também uma nuance muito importante a destacar. Sendo esse um ponto fulcral do qual partimos para algo - a busca de identidade da mulher-mulher ancestral - quando a ideia de que se parte é de que a sua humanidade é destruída, no dizer da autora citada, quanto a mim é totalmente erróneo, pois a questão vital para mim não é a da sua humanidade-mulher apenas mas digamos a sua ESSÊNCIA PRIMEIRA e essa essência nunca é destruída porque ela está ligada à Anima, à sua Alma, é a parte intrínseca à sua especificidade de mulher - e ela permanece inviolável...Claro que pela sua narrativa nem a psicologia das profundidades nem a mística ou a transcendência do Ser e da mulher especialmente - negação que é comum a todas as feministas e assim o afirma no seu texto - nega esta premissa e faz com que tudo o que digo lhe pareça estranho e risível talvez. Na verdade para mim A MULHER NASCE MULHER, ponto final. E nunca deixa de ser essa mulher; apenas é alienada de si, pois começa por reprimir a sua natureza instintiva e intuitiva, sexual e emocional mal nasce e esquece quem é. Mas uma vez adulta tocada por algo de cariz diria metafísico, ela volta a DESPERTAR para si. Há Ritos de passagem, há tradições seculares, há revelações, há iniciações. Mas digamos que ela acorda como a princesa do conto de fadas mas desta feita não pelo beijo do príncipe, mas sim pelo beijo da Maléfica ...quando ela integra o seu lado Sombra - Lilith ou se quiser Artémis - e se torna então a mulher que sempre esteve nela escondida nos tempos. Diria prosaicamente que é como "andar de bicicleta" - nunca se esquece...O seu texto, ao contrário do que eu vivo e afirmo, a noção que me é dada é de que agora, nestes tempos, e di-lo de forma categórica, não há nenhuma referência dessa mulher primordial atávica. E mais uma vez está a basear-se apenas no saber masculino e mental racional da História contada pelos homens e esse, se me permite, é o seu erro uma vez que se refere apenas à mulher ocidental-intelectual que "acorda" para si apenas no plano mental e social sem qualquer dimensão interior, espiritual ou cósmica (certamente se rirá da minha "religiosidade" cósmica), que foi educada com as ferramentas do homem e que foi ensinada a pensar como ele esteja a favor do sistema ou esteja contra ele... O que aconteceu de facto e como tão bem diz, foi que a sociedade machista e patriarcal impediu essa mulher autêntica de se expressar por ter medo do seu poder inato e intrínseco, fazendo com que negasse em si mesma essa sua natureza selvagem, diria intuitiva, sensual, visceral, ctónica e telúrica, destituindo-a de todas as característica femininas; sim, ela é destruída porque o seu poder e o seu potencial é anulado pela mãe pelo pai pela educação pelos padres e pela igreja etc. e desse modo ela apenas obedece ao programa que a deformou, anulando a verdadeira mulher na expressão genuína dessa sua ESSÊNCIA. A mulher moderna de facto pode pensar-se... mas não se sente, não se sabe. a partir de dentro. Ela reflecte apenas o saber teórico, ao nível mental, e tendo em conta a História e a ciência dos homens. Mas há mulheres Xamãs...há Mulheres Bruxas, Videntes, Curandeiras, parteiras, há mulheres iniciadas, há Mulheres sábias...e elas são temidas e rejeitadas, ridicularizadas etc. consideradas loucas e histéricas perseguidas há séculos e ainda hoje pelos padres e queimadas nas fogueiras...mas essa essência feminina não morre, apenas não se pode manifestar pelos ditos condicionalismos do imperativo moral, social e religioso patriarcal, que anulou a mulher genuína só porque a teme! A mulher moderna manteve-se e mantem-se presa no pensamento masculino, à sua filosofia, usando as mesmas ideias e conceitos, partindo da "base de dados" dos registos do patriarcado, sendo apenas uma mulher corpo-sexo e mente-intelecto (cérebro esquerdo) que não entendeu essa MULHER de dentro, nem a ferida da sua Psique dividida, e vendo-se apenas como esse subproduto da sociedade e da cultura machista, negando que se nasce mulher essência...A Verdade para mim é que a Mulher nasce mulher tal como o homem nasce homem; essas são as coordenadas da Natureza biológica e anímica do homem e da mulher à partida e que a sociedade depois modela como quer e dai chegamos à deriva dos géneros, construção social e cultural porque precisamente lhe falta uma consciência psicológica e ontológica e o sentido de uma existência superior para lá das ideias e da vida concreta. Sim, o que eu digo só pode ser entendido ao nível de uma visão muito mais alargada e que não pode ser positivista, nem marxista, e por isso, apesar de concordar com algumas ideias das feministas, e até possa sentir grande afinidade com muito do que expõe aqui, e haver muitos aspectos que foca correctos, acontece que a partir dessa sua premissa, frase sua que destaquei, teremos forçosamente caminhos opostos a desbravar - eu para dentro e você para fora? Toda a minha escrita tem a ver com o mundo infinito da Mulher por dentro, percepcionado além dos 5 sentidos, algo que tem a ver com o Mistério da Mulher em si, que vem do sagrado da Mulher-Útero e não da mente intelecto...e compreendo que a minha amiga não possa estar de acordo comigo, nem as mulheres feministas em geral. Aqui aconselhava-a vivamente a ler um livro único e basilar de Esther Harding - OS MISTÉRIOS DA MULHER onde encontra e tem toda a história possível anterior ao patriarcalismo...e não precisa de ter fé para o ler... "Não existe nenhuma mulher nascida hoje ou em qualquer época, que se lembre do que é ter essa essência, se algum dia existiu, se perdeu ao longo dos milhares de anos em que o patriarcado tem perdurado." Acabei de reler este seu ultimo comentário e sinto-me obrigada a refuta-lo veementemente porque conheço e trabalho com mulheres há mais de vinte anos e sei e posso afirmar-lhe que essa ESSÊNCIA é revelada à mulher de dentro para fora e não depende de uma informação qualquer sobre esse passado longínquo e sim de uma EXPERIÊNCIA, consciência de si que está apenas adormecida na mulher - mas se quiser ler um livro fundamental sobre o tema e baseado nas descobertas de antropólogas feministas, escrito por uma mulher consciente e lucida, leia O CÁLICE E A ESPADA de Riane Aisler... Ainda referindo a sua frase e como é evidente, você parte da premissa mental e intelectual, da visão materialista da história e da cultura - que filtra o conhecimento e a origem do ser (mulher ou homem) através da mente intelecto, baseando-se porventura nas "ciências" politicas socias e outras e por conseguinte associando a noção de transcendência e do sagrado feminino à religião patriarcal - submissão da esposa e da santa no altar, da nossa senhora imaculada etc. sem ter em conta a mulher ancestral e pagã de antes do evento do patriarcalismo... O que eu digo porém e afirmo de voz alta é que a mulher de hoje e todas as mulheres que se dispuserem a isso poderão ter acesso à sua PSIQUE, e terem acesso a sua natureza profunda, ao lado numinoso do seu ser, ao seu lado lunar, à sua subjectividade e por experiência própria se assim se ABRIREM de alma e coração.
Quanto a mim o drama das feministas é ao imitarem o homem e lendo da sua cartilha o ABC da vida mesmo que negando-a - partem dessa visão materialista e mental ou cientifica deles - e só conseguem raciocinar e ver objectivamente as coisas, tendo-se perdido do seu Útero e da sua INTUIÇÃO. Elas apenas vêm a mulher dentro do Sistema que assim educa há séculos a mulher e o homem e partindo sempre da sua razão e da logica cartesiana apenas como fonte de saber da mulher e negando uma Fonte de saber intrínseco, vindo de dentro da própria mulher, de onde também a Vida é gerada, como um potencial celular (memória celular); são as mulheres que lutam pela libertação da mulher que continuam a negar a mulher instintiva e mediúnica, negando igualmente a intuição e a percepção, em suma, negando o polo cerebral feminino - o hemisfério direito e as suas funções.
É esta posição redutora da mulher e a sua tese que eu combato...- justamente as ideias e a posição que você acabou de exprimir de forma muito clara, e que eu agradeço, porque me mostra claramente também como a mulher se afastou da sua essência primeira, da Matriz original e é dela descrente ou ignorante tal como é do seu próprio Útero para ser e defender apenas as razões e as teses medicas e cientificas provenientes do materialismo, mesmo que negando o seu domínio...
Só posso acrescentar para finalizar que a minha visão do FEMININO SAGRADO NADA TEM A VER COM O PATRIARCALISMO, NEM COM A RELIGIÃO DOS HOMENS, que reduziram as mulheres a servas e a ínfima espécie...
Considero que a VIDA É SAGRADA EM SI mesma e há uma Visão que transcende os nossos sentidos e a nossa mente-intelecto e só a percepcionamos se houver abertura e humildade verdadeira .
Ninguém é mais adverso a religião patriarcal e ao Sistema do que eu ...mas a minha ALMA E A INTELIGÊNCIA DO CORAÇÃO (a síntese dos opostos integrados ao centro) FALA MAIS ALTO...
rlp
Os estudiosos falam que há "repressão sexual" na nossa civilização.
ResponderEliminarEu acho que, mais ou menos como a Rosa falou, a mulher NASCE mulher, mas ELA é reprimida, ou seja, não deixam que ela cresça, quando menina . Ou seja, há uma repressão, mas espiritual, da mulher. E o homem ele não é reprimido espiritualmente, mas é ensinado a ver a mulher como alguém diferente, que ele precisa dominar. Porém, depois que ele domina, o desejo dele para de fluir (a mulher fica muito excessiva). Por isso vem a prostituição. Se ele não tiver a "outra" ele não aguenta, pode ficar doente, etc. (nesse sentido a Igreja católica se torna perversamente cruel, porque ela institucionaliza não só o casamento, mas a fidelidade nele).