O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

sábado, junho 18, 2011

TEXTO ENVIADO POR UMA LEITORA...

’’renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento.’’ C.LISPECTOR


Tenho encontrado Clarice Lispector no meu caminho. Numa entrevista que ela concedeu antes de morrer, o apresentador do programa, diz que é preciso um certo preparo para ouvir ou ler Clarice. Embora sempre tivesse ouvido falar dela, e lido breves e minúsculos trechos, nunca me aproximei o suficiente. Quando vi aquela entrevista e posicionei os meus olhos naquele rosto, magnifico rosto; diferente, serpentino, felino… sei lá mais o quê, fiquei hipnotizada e tive que saber dela, dela no seu mundo de escritora amadora (como ela mesma afirmava ou se definia). É uma
Mulher falando e escrevendo como mulher e sobre mulher, também…. Logo, não é um homem falando ou escrevendo sobre mulher. Logo, poderei dizer, onde está uma verdade, se estivermos preparados ou algo em nós sabe, identifica-se ou projecta-se e sente, logo, busca saber para acordar ou limar pontos que possam existir e não tenham sido percebidos. Assim, direi timidamente boba, que persegue-me a certeza que o Amor não é da linhagem do Poder. Às vezes confundimos, embora não vejamos. O Amor não pede, e o Poder pede. O poder, agredi, é injusto, é egoísta, é pretensioso e, se não tomarmos conta, ficamos presos nele como a mosca na teia de aranha. Ele infunde medo, mergulha-nos no desespero, trai-nos, isola-nos. O poder não deixa o outro livre, teima em educar à nossa medida aquilo que esperamos dele. O poder esquece da capacidade de o outro suportar ou não; ele não mede consequências, apenas quer. (Um dia eu vou poder escrever tudo isto de uma forma límpida, porque terei a bagagem suficiente para o fazê-lo, e se o Amor me encontrar, então se fará claro as dimensões destas duas questões ou três questões (poder, amor pessoal, amor transpessoal e o sexo…). Perceberei então, o brutal erro na existência e aí, faça algo que humanize/ilumine e nos retorne à causa primeira ou, matriz de onde somos nascidas...)

Há dias afirmei, absurdamente é claro, a uma pessoa amiga, e sem entender muito bem, ainda, ao certo esta afirmação, mas disse-a com convicção, de que ‘’o homem pode saber falar da mulher tecnicamente’’. Há imensa psicologia que foi feita à custa de muito diálogo e revelações de segredos das mulheres. Foram elas que se deram a conhecer nas suas múltiplas facetas. Os estudos acabam por virar resumos técnicos, e parece que fica fácil falar (um homem) sobre mulher – como se eles soubessem de tudo por ‘’tim-tim’’; a verdade é que, foram elas mesmas que descreveram, porque só por si, um homem não teria acesso a determinados conteúdos. Por isso, eles a partir dos dados analíticos e experimentais, podem ser excelentes técnicos sobre partes da mulher, mas não estão preparados para a intensidade da mulher e seus estigmas. [ Nem as mulheres estão preparadas para se aguentarem umas às outras!] Ao afirmar isto não quer dizer que todos os homens sejam iguais, ou que não se ame um homem, ou que alguém não tenha a sensibilidade para as entender e até os há, que quem o sabe, abusa geralmente do poder que detêm e manipulam-nas para atingirem pontos mais altos (geralmente há aquela máxima, atrás de um grande homem está uma grande mulher… nunca se ouve, ‘’ao lado!’’). Lembrei-me de um exemplo menor e até ridículo para vincular ainda mais o que quero dizer, uma mulher jamais saberá o que é carregar uns testículos, muito menos sentir dentro si o que é tê-los ali a moverem-se entre duas pernas com um sujeito comprido deitado ou pendurado sobre eles, no entanto, e apesar de toda a distancia, ela pode ter a capacidade de exprimir tudo acerca deles, seja de forma técnica ou literária o sentimento de ter testículos a partir de uma série de relatos deixados pelos homens sobre esse tema. Mas isso, não a faz uma real conhecedora do homem; tal como o homem em relação à mulher.
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Mas quando uma mulher fala (de si mesma, na sua própria linguagem) das suas dores, da sua natureza, supostamente algo muda. Ela revela a outras mulheres coisas que às vezes passam despercebidas. O silêncio é algo que mata deste ponto de vista, e há muito pouca literatura escrita por mulheres. Da antiguidade, sai sempre nomes como Platão, Aristóteles… parece que só os homens sabiam, do passado, presente e futuro… e de todos os estados de alma e dessas coisas do amor e do espírito. Inclusive a escandalosa bíblia, segundo os sabidos e não os sábios, foi escrita apenas por homens. Portanto, este excesso denuncia algo profundamente errado. Seja a luta de poder por supremacia ou outra coisa qualquer, algo não funciona. Julgo que isso, acaba por se revelar na praticidade das coisas, até nas mais pequenas coisas da vida humana, tornando tudo mais difícil. Sem literatura feminina, não aquelas de alcova, ou, cor-de-rosa… que isso é tudo menos consciência do feminino, ficamos adormecidas, mergulhadas numa redoma. Aliás, todas as literaturas femininas de cordel, activam a triangularidade, ou seja, a mulher será sempre traída pelo homem, mas não explica a origem de tudo. A mulher (boi manso) aceita sempre de volta o homem, enquanto este nunca a aceita se o descobre. Porque terá ela, de sempre estar focalizada nele, e nunca poderá ter um amante, ou, porque um outro não surgiu no caminho e a dividiu e, com ele se deitou para provar que não era o homem certo? Esta literatura que é profundamente rudimentar, ainda que escrita por mulheres, é de uma boçalidade tremenda à natureza do ser mulher. Esses livros convidam à redução das mulheres e incentivam-nas a aceitar que é assim. A aceitar um destino destituído de si mesmas, a serem burros de carga de um mundo que para girar, precisa exactamente delas. Precisam das suas vaginas e não delas.
Lembrei-me de algo (embora esteja a afastar-me do assunto inicial e até de Clarice... e talvez irei afastar-me e acabar sei lá onde dentro deste assunto inicial, Amor!), normalmente, todos afirmam que a histeria é algo das mulheres. Na verdade, a medicina tradicional chinesa, diz-nos que a histeria é de natureza Yang. Ora, deste ponto, a histeria manifesta-se na mulher e não provém do elemento Yin interno. Tal como, um homem que bebe muito, ele tenta buscar o yin para combater o excesso de yang dentro do corpo. Portanto, afirmar que a histeria é inteiramente uma condição feminina é indigesto, tal como afirmar que a bebida é, por séculos, parte do universo do homem… (Hoje, é impossível, e é tão generalizada em ambos). Carregar esta culpa, é um fardo esgotante para a mulher. Tudo o que é feminino, e fala não é sublime. O mecanismo da culpa foi algo muito bem estruturado nestes milhares de anos, e acima de tudo bem plantado no seio interno da mulher. Por isso a mulher carrega essa tão famosa palavra, «perdão!».


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Voltando, a Clarice, e por ser mulher, desvenda mais os núcleos femininos de uma forma mais dentro da terra, e estou tentando ler e perceber mais um pouco. Quando ela escreve, ’’renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento.’’ Isto atira-nos para o ar, sacode-nos. Render ao quê? A quem? Este pedir para não entender, é escandaloso. Isto remete para um entregar mesmo. Entregar, exactamente o quê de nós e a quem neste imenso Cosmos. Talvez seja aqui, onde o aspirar ao amor que ansiamos, fracassa. Pois pretendemos entender, porque dói, porque se sente o errado. Depois, aquela frase, ‘’ e perder-se também é caminho.’’ Mais uma pérola ‘’ e assim, como a primavera, deixei-me cortar para vir mais forte’’. Cortar o quê? O que em nós precisa ser cortado, para ser verdadeiramente Livre? Quantas primaveras são necessárias? Até onde devemos cortar? Cortar, é muito dispendioso para nós pensarmos/penarmos, quando não nos vemos. ‘’ Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro. ‘’, esta frase, outra de Clarice, remete ao quê de dentro de nós deve ruir. Ora, se um defeito, é aquilo que sustenta todo um edifício, tal é o perigo de queremos destruir tamanha sombra!?

‘’ Porque há o direito ao grito, então eu grito.’’, infelizmente não gritamos. Sufocamos. Não admira, como a psiquiatria – farmacêutica se tornou uma autentica mestra – cura de gritos. Ninguém quer saber da causa primeira, é preciso, sim acorrentar as línguas e coser os lábios.
Clarice é cheia de pérolas. Algo de sublime atravessou aquela densidade humana/terrena e concedeu-lhe a acutilância, sob a forma de sensibilidade, e de a esfregar nos nossos rostos as fragilidades e, esse ser grandioso que é o amor, fazemos dele apenas trapos à medida dos nossos medos. É aqui que nos deparamos com a vergonha dos nossos limites. O nosso Amor, parece ser ou depender do reflexo que recebemos de fora, e nem mesmo às vezes o que ele esparrama por dentro é real, e é apenas um truque da mente. Pois ele foge, tal como a água escorre dos dedos; ou, a areia que é mais densa, e ainda assim não se consegue agarrar.

(fico por aqui... poderia continuar infinitamente... voltarei, e fica tanto para dizer!! )
M.

6 comentários:

jozahfa disse...

Clarice é o maior (?) mistério em língua portuguesa?

M. Cambará N. disse...

Clarice é pérola das mais preciosas!

rosaleonor disse...

Quase F. Pessoa...em Mulher.
Melhor...para mim, subjectivamente claro.

abraço amigo

rleonor

rosaleonor disse...

Sim...uma pérola sem preço...e inigualável...
abraço

rl

Maruska disse...

ver os textos aqui, dá-me arrepios.

rosaleonor disse...

Espero que seja de satisfação...porque ficam muito bem!!!
abraço grande!
rosa leonor