FICÇÃO E MITOLOGIA"Os homens amam a guerra" - era o nome do poema...e eu lia o poema e via que lá não entrava a mulher... Não a mulher não entrava nas guerras – ela ficava em casa com os filhos - ela ficava para trás, nas terras isoladas ou invadidas e onde eram violadas e mortas à frente dos filhos pequenos e dos velhos... eram assim as guerras.
Aquiles o grande Herói grego, distribui várias mulheres prisioneiras aos seus amigos na luta sangrenta em Troia ... As mulheres dividiam-se como prisioneiras e eram oferecidas aos soldados por merito depois da batalha...
Sim, Ajax e os Mirmidões, lendários soldados de Aquiles mereceram as ofertas vivas e de grande beleza, filhas de reis, enquanto do alto do Olimpo, do lado grego torciam pela vitória dos gregos Atena, Hefesto, Hera, Hermes, Tétis e Posídon… Do lado troiano lutaram: Páris, seu irmão Heitor, Cassandra, Príamo e as Amazonas. O apoio divino veio de Afrodite, Apolo, Ares, Ártemis e Zeus.
E hoje não sei bem, não, não sei que deuses e heróis, reis e rainhas comandam este jogo… nem que trofeus irão distribuir no fim desta guerra – eu só sei que hoje já não há deusas nem sacerdotisas nem hetairas, mas há mulheres prostitutas e mulheres soldados - mulheres também fardadas e de armas na mão a matar -... lá no país das barrigas de aluguer, onde as crianças são vendidas a casais estéreis ocidentais… “Pais” de crianças criadas nas barrigas como animais… sem amor nem afecto, crianças de mães máquinas de aluguer, sem responsabilidade e em que só o dinheiro conta e a carne é para canhão…soldados crianças, crianças massacradas… lá no país dos palhaços-heróis, trapezistas e malabaristas, que cantam e dançam nos palcos deste miseravel circo humano, enquanto os mortos se acumulam e onde tudo se vende no mercado das suas mentiras e vaidades… como em todas as guerras entre mortais, hoje sem deuses nenhuns nem deusas de nenhum lado...
rlp
Os homens amam a guerra.
Por isso se armam festivos em coro e cores para o dúbio esporte da morte.
Amam e não disfarçam.
Alardeiam esse amor nas praças, criam manuais e escolas,
alçando bandeiras e recolhendo caixões, entoando slogans e sepultando canções.
Os homens amam a guerra.
Mas não a amam só com a coragem do atleta e a empáfia militar, mas com a piedosa
voz do sacerdote, que antes do combate serve a hóstia da morte.
Foi assim na Criméia e Tróia, na Eritréia e Angola, na Mongólia e Argélia,
no Saara e agora.
Os homens amam a guerra
E mal suportam a paz.
Os homens amam a guerra, portanto, não há perigo de paz.
Os homens amam a guerra, profana ou santa, tanto faz.
Os homens têm a guerra como amante, embora esposem a paz.
E que arroubos, meu Deus! nesse encontro voraz!
que prazeres! que uivos! que ais!
que sublimes perversões urdidas na mortalha dos lençóis,
lambuzando a cama ou campo de batalha.
Durante séculos pensei que a guerra fosse o desvio e a paz a rota.
Enganei-me.
São paralelas margens de um mesmo rio, a mão e a luva, o pé e a bota.
Mais que gêmeas são xifópagas, par e ímpar, sorte e azar
são o ouroboro- cobra circular eternamente a nos devorar.
A guerra não é um entreato.
É parte do espetáculo. E não é tragédia apenas
é comédia, real ou popular, é algo melhor que circo:
-é onde o alegre trapezista vestido de kamikase salta sem rede e suporte,
quebram-se todos os pratos e o contorcionista se parte no kamasutra da morte.
A guerra não é o avesso da paz.
É seu berço e seio complementar.
E o horror não é o inverso do belo -é seu par.
Os homens amam o belo mas gostam do horror na arte.
O horror não é escuro, é a contraparte da luz.
Lúcifer é Lubel, brilha como Gabriel e o terror seduz.
Nada mais sedutor que Cristo morto na cruz.
Portanto, a guerra não é só missa que oficia o padre, ciência que alucina o sábio, esporte
que fascina o forte.
A guerra é arte.
E com o ardor dos vanguardistas frequentamos a bienal do horror
e inauguramos a Bauhaus da morte.
Por isso, em cima da carniça não há urubu, chacais, abutres, hienas.
Há lindas garças de alumínio, serenas, num eletrônico balé.
Talvez fosse a dança da morte, patética.
Não é .
É apenas outra lição de estética.
Daí que os soldados modernos são como médico e engenheiro e nenhum ministro da guerra usa roupa de açougueiro.
Guerra é guerra!
dizia o invasor violento
violentando a freira no convento
Guerra é guerra!
dizia a estátua do almirante
com a boca de cimento.
Guerra é guerra!
dizemos no radar
desgustando o inimigo
ao norte do paladar.
Não é preciso disfarçar
o amor à guerra, com história de amor à pátria e defesa do lar.
Amamos a guerra e a paz, em bigamia exemplar.
Eu, poeta moderno ou o eterno Baudelaire
eu e você, hypocrite lecteur, mon semblable, mon frère.
Queremos a batalha, aviões em chamas, navios afundando, o espetacular confronto.
De manhã abrimos vísceras de peixes com a ponta das baionetas
e ao som da culinária trombeta
enfiamos adagas em nossos porcos e requintamos de medalha
-os mortos sobre a mesa.
Se possível, a carne limpa, sem sangue.
Que o míssil silente lançado à distância não respingue em nossa roupa.
Mas se for preciso um banho de sangue
-como dizia Terêncio:-sou humano
e nada do que é humano me é estranho.
A morte e a guerra
não mais me pegam ao acaso.
Inscrevo sua dupla efígie na pedra como se o dado de minha sorte
já não rolasse ao azar,
como se passasse do branco ao preto e ao branco retornasse sem nunca me sombrear.
Que venha a guerra! Cruel. Total.O atômico clarim e a gênese do fim.
Cauto, como convém aos sábios,
primeiro bradarei contra esse fato.
Mas, voraz como convém à espécie,
ao ver que invadem meus quintais,
das folhas da bananeira inventarei
a ideológica bandeira e explodirei
o corpo do inimigo antes que ataque.
E se ele não atirar primeiro, aproveito
seu descuido de homem fraco, invado sua casa
realizando minha fome milenar de canibal
rugindo sob a máscara de homem.
-Terrível é o teu discurso, poeta!
Escuto alguém falar.
Terrível o foi elaborar.
Agora me sinto livre.
A morte e a guerra
já não podem me alarmar.
Como Édipo perplexo
decifrei-a em minhas vísceras
antes que a dúbia esfinge
pudesse me devorar.
Nem cínico nem triste. Animal
humano, vou em marcha, danças, preces
para o grande carnaval.
Soldado, penitente, poeta
-a paz e a guerra, a vida e a morte
me aguardam
- num atômico funeral.
-Acabará a espécie humana sobre a Terra?Não. Hão de sobrar um novo Adão e Eva
a refazer o amor, e dois irmão:
-Caim e Abel -a reinventar a guerra.
Affonso Romano de Sant'Anna