O TABU DO SEXO
E A REPRESSÃO DO FEMININO VISCERAL
(...)
A
Imaculada Conceição da Virgem Maria é um dogma da Igreja Católica.
5. A
Igreja reconhece explicitamente que a
Virgem é a escrava do Senhor e além disso enfatiza acrescentando Faça-se
em mim segundo a tua palavra.
6. De
todas as formas, a Virgem cumpre o rito da purificação, para limpar o corpo do
mal da maternidade e da oxitocina.(Oxitocina é conhecida como a hormona do amor, promove a empatia e as relações sociais)
7.
Finalmente ela assiste resignada à tortura e morte do seu filho, em sacrifício
do Pai, para quem oferece o seu próprio sacrifício.
8. As
imagens da Virgem são feitas com um coração desenhado no peito, do qual algumas
vezes desprendem-se uns raios que representam o ‘amor’, querendo copiar o
estilo das representações neolíticas, porém trocando o seu conteúdo: porque, neste caso, trata-se de um tipo de amor cuja qualidade vem definida do lugar de onde sai
e onde se sente: da cintura para acima e por isso essa imagem não representa o fluido do
amor verdadeiro, que sai do ventre, desde a pulsação das chamadas zonas e
órgãos erógenos, e o que acontece é uma sublimação que as emoções sofrem quando ficam
desconectadas da pulsão visceral que as origina e que permanecem perdidas produzindo ansiedade, até que sejam requalificadas e ‘recolocadas’ de acordo com a visão dogmatica da Igreja. Essa
sublimação é o ‘amor’ espiritual que querem fazê-lo localizar-se no coração, que não é um órgão
que produz prazer nem impulsiona nem dá satisfação. Trata-se de uma compensação
imaginária, como diria Jesús Ibánez, do verdadeiro fluido amoroso que nasce da maternidade. No corpo que está auto regulado (pela maternidade) à nascença a emoção não está focalizada no peito, mas no ventre porque se sente em tudo o
corpo e além disso, a mulher sente-se unida ao prazer e à emoção que nasce no ventre,
onde se sente verdadeiramente o amor, com toda a sua força, e de onde se expande em todas as direções até alcançar toda a nossa carne viva que por isso toda ela é pulsátil. E quando se pretende desenhar-se o amor a sair diretamente do coração, está-se a
ocultar a sua condição natural, a sua força, a sua origem e a sua verdade. Essa mudança tem um
impacto simbólico muito importante, porque desvirtua o amor; é uma fixação na
corrupção do amor verdadeiro para manter a validade e a implementação moderna
do Tabu do Sexo; a corrupção e a diminuição que falávamos da capacidade de
amar.
A
diferença entre o amor verdadeiro e o ‘amor’ espiritual, é que o primeiro é visceralmente prazeiroso; é um derramamento em que o prazer e a satisfação se tornam e são, uma mesma coisa.
As
mulheres neolíticas representavam o amor materno com serpentes enroscadas no
ventre, que logo subiam e se enroscavam nos peitos: duas imagens e duas
simbologias muito distintas, de antes e depois do Tabu do Sexo, de antes e
depois da consolidação do patriarcado.
Também
algumas vezes são flechas e punhais que atravessam ao coração da Virgem, para
expressar a dor pela morte do seu filho: a imagem do tradicional destino de sofredoras
das mulheres.
ESSA VIRGEM ASCENDIDA É A IMAGEM ASSEPTICA DA MULHER SEM PRAZER E QUE PISA A SERPENTE A SEUS PÉS...9. A
história do culto à Virgem Maria começa após os primeiros séculos de
evangelização na Europa, quando a Igreja percebeu que havia a necessidade de criar uma representação da mulher e de uma mãe
sexualmente asséptica. Por isso no começo, a maior parte das suas imagens ainda tinham o menino Jesus no colo, até nalgumas, entre as mais antigas, aparece a
Virgem dando-lhe o peito. Mas a pouco e pouco vão desaparecendo essas imagens do aleitamento, e a imagem da
Virgem apresenta-se já sem o menino. Isso deve-se a que o papel inicial da imagem
da Virgem Maria foi manipulada para haver a conversão do desejo materno, que ainda as
mulheres sentiam ou percepcionavam, e desviadas para um "amor’ racional, espiritual e de submissão, compatível
com o exercício da repressão sobre as criaturas, alegadamente feito ‘pelo seu próprio bem’ para
educá-las para a escravidão, a resignação, e o ‘sucesso social’ do fratricídio.
As
imagens de mulher do paleolítico e neolítico, ou seja da época de antes do Tabu
do Sexo, que a arqueologia foi encontrando, geraram um problema, tanto pela sua
quantidade tão abundante -sobretudo em comparação com as imagens dos homens -
como pela sua corporeidade explícita. Logicamente essas imagens refletem a
imagem de mulheres de uma sexualidade plena, não devastadas, corpos de mulheres abundantes e cheias.
A
deificação das imagens de mulheres neolíticas é também uma estratégia para que
tais imagens não possam chegar a constituir um paradigma que provoque e
propicie la reconexão de nossa mente com as nossas entranhas. A edição em
castelhano do livro de Henri Desporte, onde se faz uma recompilação das imagens
de mulheres paleolíticas, com critério quase exclusivamente geográfico e
cronológico, sem qualquer interpretação deificante, tem um prólogo de Gómez
Tabernera que adverte que o livro pode ser utilizado por ‘feministas
fanáticas´; deixando assim a descoberto o temor que tais imagens por si mesmas
podem efetivamente evocar e, ao mesmo tempo, as verdadeiras razões para
promover a deificação da mulher paleolítica e neolítica.
Assim
chegamos à apresentação da Virgem Maria, Mãe de Deus, como a continuação das
Deusas Mães neolíticas, para revalidar o modelo patriarcal de mulher
libidinalmente asséptica e emocionalmente resignada (mulher escrava e mãe que
sacrifica o filho ao pai) de uma humanidade como o desejo materno suprimido,
compatível com a sublimação e desvirtualização do amor, e com a repressão gera
da sexualidade. Trata-se de eliminar à mãe (Odent) e que a humanidade esteja
órfã de mãe verdadeira (Sau). E trata-se de criar uma noção do ‘amor’ e da
capacidade de amar desligados das pulsões carnais e da capacidade orgástica;
até já quase não saber que dar o peito com desejo também produz orgasmos.
Para
fazer o amor compativel com a repressão e a dominação, há que corrompê-lo,
desnaturalizá-lo, sublimá-lo. Porque o amor que em verdade sai das entranhas, é aquele que gera a satisfação incondicional o que é o contrário do que acontece com a dominação patriarcal. A dominação requer
corpos desvitalizados, com a capacidade orgástica atrofiada, sem capacidade de prazer nem de amor verdadeiro.
No
que refere-se à ordem simbólica, a Virgem Maria não somente é o símbolo da mãe
impostora como também da impostura em si que Sau fala, da ocultação da
matrofagia* à prole, e da desnaturalização do amor.
As
vezes nas correntes eco-feministas e outras, reivindica-se a Ordem Simbólica da
Mãe, sem especificar a que ‘mãe’ se está a referir, o que produz uma
ambiguidade muito perigosa, fortemente aproveitada pelos que elaboraram os
discursos compatíveis com o Tabu do Sexo e a falocracia. De facto a mãe
patriarcal atual, a impostora, tem uma importante representação na Ordem
Simbólica do Pai; uma representação muito consolidada e profundamente
introduzida no imaginário coletivo das mulheres, e é a mãe de Deus, sofredora
por excelência, cheia de dor e de angustia, etc. (A Nossa Senhora das
Angustias, das Dores, etc.). E a nós mulheres nos dão a batismo com os nomes
dessa mãe que representa a Lei do Pai: Imaculada, Dores, Purificação,
Solidão, Angustias… para que nos embebamos bastante da sua Lei e das Sua Ordem
Simbólica e chegue bem fundo até a medula. A apresentação da Virgem Maria
como uma continuidade das ‘deusas’ neolíticas é sem dúvida, uma mentira
tecida com um objetivo preciso: manter e reforçar a ordem simbólica da
impostora, do cansaço, da matrofagia (aleitamento), ou como bem quisemos chamar à mãe
patriarcal.
AMAR A MÃE VERDADEIRA
O
mesmo ocorre com a proposta de ‘amar a mãe’ como prática política de Luisa
Muraro. Já em A repressão do desejo materno se falava que para amar a mãe real, haveria que se separar e distinguir o que houvesse nela de mãe verdadeira, e do que
houvesse de mãe patriarcal que reprimiu e esmagou os nossos desejos de amor. Porque
amar aquela imagem que nos reprime é perpetuar o que já dura há muito tempo. Victoria Sau
vai mais longe, e assegura que para amar a mãe verdadeira há que odiar a mãe
patriarcal que nos esmagou, que ignorou os nossos desejos vitais, e as nossos
anseios profundos e genuínos de amor e de liberdade."
*La
matrofagia es una forma de canibalismo embrionario que ocurre en animales donde los embriones comen el tejido de la madre. As Mães em certas espécies servem de alimento aos filhos após o nascimento.
DO LIVRO a rebelião de edipo - de Cacilda Rodrigánez pág.: 88-91