O
TABU DO SEXO
(...)
"Reconhece-se a Mãe verdadeira porque dela brota a complacência visceral, o amor verdadeiro; Ela é reconhecida também pela força, paixão e vontade que desenvolve em satisfazer e saciar os nossos desejos.
O cristianismo primitivo e seus paradigmas divinos masculinos deixam de lado por completo os fluidos materiais da libido materna, sem utilizar a força física para contê-los. Para organizar a ordem social inconsciente, foi preciso por em marcha a operação da Virgem Maria, para ter a imagem do paradigma da submissão e da resignação da mulher.
Nessa ordem sexual o que também desapareceu foi a pulsão do desejo da criatura recém-nascida e da infância (onde está a sexualidade infantil que em teoria e desde Freud ninguém nega?)
A sexualidade
primária desapareceu do nosso mundo (pele com pele, dormir na cama da mãe,
lactancia a demanda) e crescemos sem amor primário. Existem línguas que ainda
conservam o conceito de amor primário, como a japonesa (amae, amaeru), que em
nossas línguas desapareceu. Nada melhor para aceitar e interiorizar a ordem
sexual existente do que o nascer e crescer nele sem ter nenhum indicio, nem na
imaginação nem no mundo material, de que a sexualidade pode ser algo muito
distinto, que os latidos e pulsões dos corpos têm outros muitos sentidos
encaminhados à autorregulação, à complacência, à fraternidade e ao bem estar.
A
ordem falocêntrica supõe considerar uma PARTE da nossa sexualidade como se
fosse o TODO; e essa parte faz desaparecer o resto. É uma redução brutal e uma distorção
das pulsões e da sexualidade humana, que afeta todos os seres humanos: porque
ainda que a princípio somente afete a mulher, traduz-se em cada geração através
de uma supressão da sexualidade materno primária, que afeta todas as criaturas,
de qualquer sexo, toda a infância e todos os homens.
Ainda
que o sistema aperte de um lado e encobre por outro lado, felizmente nas
práticas clínicas pediatras e na neurologia, abriu-se uma grande fissura,
porque apesar de trabalhar sem a noção de libido, detetaram um dano (um impacto
para toda a vida) no sistema neurológico e em outros, que se produz nas crianças
quando são separadas da mãe. E a pesar dos esforços de ocultação, cada vez
estão a surgir mais vozes para contestar esse estado das coisas e que afirmam
que as meninas e meninos devem permanecer juntos às suas mães desde que nascem,
e que devem dormir com os seus progenitores pelo menos até os cinco anos.
É lógico que isso esteja a acontecer, porque a criatura recém-nascida representa o que menos contaminado existe, e é um espetáculo verdadeiro da Humanidade desaparecida, suscetível de comover-nos com a sua inocência e de penetrar pelas fissuras e as brechas das couraças emocionais e mentais dos adultos. Por isso alguns e algumas pediatras estão a realizar uma tarefa muito valiosa e importante para restaurar o paradigma original da maternidade. A sua contribuição para salvar a humanidade do desastre pode ser crucial, porque estão a derrubar as mentiras e desculpas mais básicas inventadas, para justificar o desastre da eliminação moderna da mãe.
O transtorno da sexualidade cria necessariamente uma insatisfação sexual, que é parte omnipresente do mal-estar individual. Essa insatisfação não é remediada pelos gabinetes de sexólog@s que na sua maioria praticam o que Juan Merelo Barberá chamava tecno sexologia, termo com que ele se referia à tarefa de educar na ordem sexual vigente e de pautar práticas sexuais, à margem do desejo, para diferenciá-lo da sexologia científica. Por muita educação sexual, por muita técnica ensinada, ou por muita pornografia que se veja, não haverá sexualidade satisfatória. Não há nada que possa substituir o processo que faz nascer a pulsão do desejo, nem a emoção que acompanha o desejo, nem que possa traçar o caminho pelo qual o desejo há de levar-te. As pulsões, o desejo e as emoções são tão únicas como as impressões digitais ou a cara das pessoas.
A PESTE EMOCIONAL
A
corrupção do amor e a capacidade de amar em geral (que ocorre quando se desconectam
as emoções das pulsões, e quando a sexualidade é reduzida à genitalidade), o sujeição
da sexualidade ao serviço do ego, a desaparição da sexualidade feminina uterina
e a repressão do amor materno verdadeiro, são três aspetos unidos da repressão
da sexualidade, e constituem uma verdadeira castração para o ser humano; Reich
e outros o chamaram de peste emocional: uma devastação das qualidades básicas
do ser humano que afeta a todo o seu desenvolvimento, e em concreto converte o
homem num ser capaz das maiorias das atrocidades contra os seus semelhantes;
aparentemente não dizima as populações, mas é um genocídio qualitativo da
Humanidade.
No século passado abordou-se cientificamente a sexualidade humana e foram desveladas coisas tão importantes como a libido, a auto-repressão inconsciente, os processos de sublimação do desejo, e a existência do inconsciente mesmo. Também foram abordadas as consequências patológicas da repressão da sexualidade. Logo Deleuze e Guattari abundaram num aspeto muito importante da sublimação: e a chamaram edipização pelo conteúdo que a civilização patriarcal atribui ao desejo (o complexo de Édipo).
No capítulo 5 deste livro, tratarei de abordar as estratégias modernas de sublimação, que são apresentadas como uma ‘educação’ das emoções e uma ‘inteligência’ emocional. Da mesma forma que as estratégias clássicas de sublimação (das culturas orientais ou judeu-cristãs), o seu objetivo não é a descodificação e a libertação do desejo para um pleno desenvolvimento da capacidade orgástica do corpo humano, nem a reconexão da pulsatilidade corporal com o seus correspondentes emoções e sentimentos, senão a adaptação das emoções desenraizadas à ordem estabelecida para os corpos desvitalizados."
(...)
A REBELIÃO DE EDIPO p 92 - 95
Cacilda Rodrigañes Bustos
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