O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

segunda-feira, setembro 25, 2023

A MÃE VERDADEIRA

 

 

O TABU DO SEXO

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"Reconhece-se a Mãe verdadeira porque dela brota a complacência visceral, o amor verdadeiro; Ela é reconhecida também pela força, paixão e vontade que desenvolve em satisfazer e saciar os nossos desejos.

O cristianismo primitivo e seus paradigmas divinos masculinos deixam de lado por completo os fluidos materiais da libido materna, sem utilizar a força física para contê-los. Para organizar a ordem social inconsciente, foi preciso por em marcha a operação da Virgem Maria, para ter a imagem do paradigma da submissão e da resignação da mulher.

 O Tabu do Sexo segue operativo no mundo atual porque a sexualidade liberalizou-se somente na aparência. Depois de suprimir a manifestação espontânea do desejo e da sexualidade, desde a mais tenra infância, depois de erradicar a verdadeira sexualidade feminina, então logo a seguir  permite-se praticar sexo quando e como marca a lei, a partir dos corpos já inevitavelmente blindados. No fundo, a liberalização da sexualidade é uma liberalização de uma genitalidade falocrática e neurótica, como não poderia ser de outro modo, alimentadora dos egos, compatível com a ordem patriarcal estabelecida de facto, onde subjaz o matricídio, o facto mais transcendental da nossa história. A falta de sexualidade espontânea produz inevitavelmente a atrofia da capacidade orgástica, a desaparição da sexualidade não falocêntrica da mulher e da sexualidade infantil, o desequilíbrio de toda a sexualidade humana. A liberdade sexual de nossa sociedade é como a liberdade da economia capitalista: é uma ‘liberdade’ dentro do estabelecido com uma margem de escapatória escassa e controlada.

Nessa ordem sexual o que também desapareceu foi a pulsão do desejo da criatura recém-nascida e da infância (onde está a sexualidade infantil que em teoria e desde Freud ninguém nega?)

A sexualidade primária desapareceu do nosso mundo (pele com pele, dormir na cama da mãe, lactancia a demanda) e crescemos sem amor primário. Existem línguas que ainda conservam o conceito de amor primário, como a japonesa (amae, amaeru), que em nossas línguas desapareceu. Nada melhor para aceitar e interiorizar a ordem sexual existente do que o nascer e crescer nele sem ter nenhum indicio, nem na imaginação nem no mundo material, de que a sexualidade pode ser algo muito distinto, que os latidos e pulsões dos corpos têm outros muitos sentidos encaminhados à autorregulação, à complacência, à fraternidade e ao bem estar.

A ordem falocêntrica supõe considerar uma PARTE da nossa sexualidade como se fosse o TODO; e essa parte faz desaparecer  o resto. É uma redução brutal e uma distorção das pulsões e da sexualidade humana, que afeta todos os seres humanos: porque ainda que a princípio somente afete a mulher, traduz-se em cada geração através de uma supressão da sexualidade materno primária, que afeta todas as criaturas, de qualquer sexo, toda a infância e todos os homens.

Ainda que o sistema aperte de um lado e encobre por outro lado, felizmente nas práticas clínicas pediatras e na neurologia, abriu-se uma grande fissura, porque apesar de trabalhar sem a noção de libido, detetaram um dano (um impacto para toda a vida) no sistema neurológico e em outros, que se produz nas crianças quando são separadas da mãe. E a pesar dos esforços de ocultação, cada vez estão a surgir mais vozes para contestar esse estado das coisas e que afirmam que as meninas e meninos devem permanecer juntos às suas mães desde que nascem, e que devem dormir com os seus progenitores pelo menos até os cinco anos.

É lógico que isso esteja a acontecer, porque a criatura recém-nascida representa o que menos contaminado existe, e é um espetáculo verdadeiro da Humanidade desaparecida, suscetível de comover-nos com a sua inocência e de penetrar pelas fissuras e as brechas das couraças emocionais e mentais dos adultos. Por isso alguns e algumas pediatras estão a realizar uma tarefa muito valiosa e importante para restaurar o paradigma original da maternidade. A sua contribuição para salvar a humanidade do desastre pode ser crucial, porque estão a derrubar as mentiras e desculpas mais básicas inventadas, para justificar o desastre da eliminação moderna da mãe.

O transtorno da sexualidade cria necessariamente uma insatisfação sexual, que é parte omnipresente do mal-estar individual. Essa insatisfação não é remediada pelos gabinetes de sexólog@s que na sua maioria praticam o que Juan Merelo Barberá  chamava tecno sexologia, termo com que ele se referia à tarefa de educar na ordem sexual vigente e de pautar práticas sexuais, à margem do desejo, para diferenciá-lo da sexologia científica. Por muita educação sexual, por muita técnica ensinada, ou por muita pornografia que se veja, não haverá sexualidade satisfatória. Não há nada que possa substituir o processo que faz nascer a pulsão do desejo, nem a emoção que acompanha o desejo, nem que possa traçar o caminho pelo qual o desejo há de levar-te. As pulsões, o desejo e as emoções são tão únicas como as impressões digitais ou a cara das pessoas.

 A sexualidade satisfatória, o prazer, a bem-aventurança são próprias da autorregulação, e o que as técnicas e pautas fazem é sabotar os processos genuínos. Como me disse um dia o poeta José Bergamín, a educação sexual é uma prova da barbárie à que chegamos (quando ele me fez essaafirmação eu não o percebi, porque nessa altura nem eu sabia o que era a sexualidade).

A PESTE EMOCIONAL

A corrupção do amor e a capacidade de amar em geral (que ocorre quando se desconectam as emoções das pulsões, e quando a sexualidade é reduzida à genitalidade), o sujeição da sexualidade ao serviço do ego, a desaparição da sexualidade feminina uterina e a repressão do amor materno verdadeiro, são três aspetos unidos da repressão da sexualidade, e constituem uma verdadeira castração para o ser humano; Reich e outros o chamaram de peste emocional: uma devastação das qualidades básicas do ser humano que afeta a todo o seu desenvolvimento, e em concreto converte o homem num ser capaz das maiorias das atrocidades contra os seus semelhantes; aparentemente não dizima as populações, mas é um genocídio qualitativo da Humanidade.

No século passado abordou-se cientificamente a sexualidade humana e foram desveladas coisas tão importantes como a libido, a auto-repressão inconsciente, os processos de sublimação do desejo, e a existência do inconsciente mesmo. Também foram abordadas as consequências patológicas da repressão da sexualidade. Logo Deleuze e Guattari abundaram num aspeto muito importante da sublimação: e a chamaram edipização pelo conteúdo que a civilização patriarcal atribui ao desejo (o complexo de Édipo).

No capítulo 5 deste livro, tratarei de abordar as estratégias modernas de sublimação, que são apresentadas como uma ‘educação’ das emoções e uma ‘inteligência’ emocional. Da mesma forma que as estratégias clássicas de sublimação (das culturas orientais ou judeu-cristãs), o seu objetivo não é a descodificação e a libertação do desejo para um pleno desenvolvimento da capacidade orgástica do corpo humano, nem a reconexão da pulsatilidade corporal com o seus correspondentes emoções e sentimentos, senão a adaptação das emoções desenraizadas à ordem estabelecida para os corpos desvitalizados." 

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A REBELIÃO DE EDIPO  p 92 - 95

Cacilda Rodrigañes Bustos 

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