A QUESTÃO DA HETERO E DA HOMOSSEXUALIDADE COMO FACTORES SOCIAIS - resultantes das forças capitalistas, consumistas e tecnológicas que caraterizam a nossa sociedade atual.
A heterossexualidade é um terreno mais privilegiado do que a homossexualidade para estudar esta questão, por uma série de razões. Na sua forma atual, a heterossexualidade se fundamenta sobre as diferenças de géneros que tendem a funcionar como desigualdades de género; a heterossexualidade, por sua vez, organiza essas desigualdades em um sistema emocional que outorga o sucesso ou fracasso das relações à psique das pessoas, especialmente das mulheres. A liberdade permite que as desigualdades emocionais passem inadvertidas e fiquem sem ser atendidas. Tanto os homens como as mulheres - no entanto mais as mulheres - recorrem a sua psique para manejar a violência e as feridas simbólicas que derivam dessas desigualdades emocionais: “Porque ele está distante?”, “Será que pareço necessitada em demasia?”, “Que deveria fazer para conquistá-lo?”, “Quais erros cometi para que ele tenha me deixado?”. Todas essas perguntas, formuladas por mulheres e para mulheres indicam que as mulheres heterossexuais sentem-se culturalmente inseguras e em inferioridade...
Em contraste, a homossexualidade não traduz o género em diferencia nem a diferencia em desigualdade, nem está baseada na divisão entre o trabalho biológico e económico em função do género que caraterizou à família heterossexual. Daqui deduz-se que os efeitos da liberdade nas relações heterossexuais resultam mais urgentes como (texto indecifrável) … já que a interação da liberdade sexual na estrutura ainda omnipresente e poderosa da desigualdade entre géneros multiplica as contradições e as crises da heterossexualidade. Ainda mais, dada a estreita regulação e codificação da heterossexualidade segundo o sistema social do processo, que supostamente conduzia ao matrimonio, o desvio para a liberdade emocional e sexual permite que compreendamos com maior nitidez o impacto de liberdade nas práticas sexuais, assim como as contradições que pode ter criado esse tipo de liberdade com a instituição do matrimonio (ou do casal), entorno ao qual segue girando a heterossexualidade.
No entanto, a homossexualidade foi até faz pouco tempo uma forma social clandestina e oposta. Daí que se definiu, desde a origem, como uma prática de liberdade, e em contraste com a instituição doméstica do matrimonio como alienação das mulheres e atribuições das funções patriarcais ao homens. Em consequência, esse livro pode ver-se como uma etnografia da heterossexualidade.
A
homossexualidade moderna representa a conquista histórica da liberdade sexual e
a sua encarnação moral, porque em contraste com a homossexualidade grega, não
organiza nem naturaliza a desigualdade (não é um recurso que um homem utiliza
para exercer o seu poder sobre um homem mais jovem ou sobre um escravo).
DESAMOR
A sexualidade
contemporânea (ainda que também inclua alguma entrevista com pessoas
homossexuais) que como instituição social, lutou contra as pressões
simultaneamente emancipadoras e reacionárias, modernas e tradicionais,
subjetivas e reflexivas, resultantes das forças capitalistas, consumistas e
tecnológicas que caraterizam a nossa sociedade atual.
O meu
enfoque da liberdade emocional e sexual contrasta com diversas formas da
ideologia libertária que vem o prazer como cortina da experiência, e
interpretam a formidável expansão da sexualidade em todos os âmbitos da cultura
consumista como um auspicioso sinal de que - na mordaz enunciação de Camille
Paglia - a cultura popular (e o seu conteúdo sexual) são na verdade “uma erupção
do paganismo jamais derrotado em Ocidente”, 34
Os
libertários sexuais consideram que a sexualidade mediada pelo mercado de
consumo liberta o desejo, a criatividade e as energias sexuais, e fomenta o
feminismo (e, presumidamente a outros movimentos sociais) ao abrir-se à “arte e
ao sexo em todos os seus mistérios escuros e nada reconfortantes”. 35
Essa conceção é sedutora, porém baseia-se no ingénuo suposto segundo o qual as forças do mercado que subjaz à cultura popular canalizam realmente e acompanham energia criativa, em lugar de (por exemplo) difundir os interesses económicos das grandes corporações que promovem uma subjetividade baseada na satisfação das necessidades.
Não
encontro razões convincentes para qualificar as energias aproveitadas pelo
mercado como naturalmente “pagãs” em lugar de, por exemplo, reacionárias,
conformistas ou confusas.
Tal
como o enuncia um importante teórico (palavra incompreensível) Margaret
Thatcher e Ronald Reagan, defensores dos valores familiares, na verdade abriram
a porta à revolução sexual mais importante que se tenha sabido através de la
desregulação dos mercado que produziram as suas políticas liberais: 36
CAROL GILLIGAN