O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

terça-feira, dezembro 12, 2023

Conselhos as mulheres de um misógino?

O que pensava um português erudito e culto sobre as mulheres no seculo passado e certamente nem conheceu muitas mulheres - o grande e magnifico poeta filosofo Fernando Pessoa


CONSELHOS ÀS MAL-CASADAS (193?)

(as mal-casadas são todas as mulheres casadas e algumas solteiras)

"Livrai-nos sobretudo de cultivar os sentimentos humanitários. O humanitarismo é uma grosseria. Escrevo a frio, raciocinadamente, pensando em vosso bem-estar, pobres mal-casadas.
A arte toda, toda a libertação, está em submeter o espírito o menos possível, deixando ao corpo, que se submeta à vontade.
Ser imoral não vale a pena, porque diminui, aos olhos dos outros, a vossa personalidade e a banaliza. Ser imoral dentro de si, cercada do máximo respeito alheio. Ser esposa e mãe corporeamente virginal e dedicada, e ter, porém contactos […] inexplicáveis com todos os homens da vizinhança, desde os merceeiros até (…) — eis o que maior sabor tem a quem realmente quer gozar e alargar a sua individualidade, sem descer ao método da criada de servir, que, por ser também delas é baixo, nem cair na honestidade rigorosa da mulher profundamente estúpida, que é decerto filha do interesse.

Segundo a vossa superioridade, almas femininas que me ledes, sabereis compreender o que escrevo. Todo o prazer é do cérebro, todos os crimes que se dão é só em sonhos que se cometem. (...)
Dou-vos estes conselhos desinteressadamente aplicando o meu método a um caso que me não interessa. Pessoalmente os meus sonhos são de império e glória; não são sensuais de modo algum. Mas quero ser-vos útil, ainda que mais não seja só para me arreliar porque detesto o útil. Sou altruísta a meu modo."

FERNANDO PESSOA - IN Livro do Desassossego


SÓ AS MULHERES SABEM DA MULHER, CASADA E SOLTEIRAS...

"Os ciclos da natureza são os ciclos da mulher. A feminidade biológica é uma sequência de retornos circulares, que começa e acaba no mesmo ponto. A centralidade da mulher confere-lhe uma identidade estável. Ela não tem que tornar-se, basta-lhe ser. A sua centralidade é um grande obstáculo para o homem, cuja busca de identidade é bloqueada pela mulher. Ele tem que se transformar num ser independente, isto é, libertar-se da mulher. Se o não fizer acabará simplesmente por cair em direcção a ela. A união com a mãe é o canto da sereia que assombra constantemente a nossa imaginação. Onde existiu inicialmente felicidade agora existe uma luta. As recordações da vida anterior à traumática separação do nascimento podem estar na origem das fantasias arcádicas acerca de uma idade de ouro perdida. A ideia ocidental da história como movimento propulsor em direcção ao futuro, um desígnio progressivo ou providencial que atinge o seu apogeu na revelação de um Segundo Advento, é uma formulação masculina. Não creio que alguma mulher pudesse ter concebido tal ideia, já que a mesma é uma estratégia de evasão em relação à própria natureza cíclica da mulher, na qual o homem teme ser aprisionado. A história evolutiva ou apocalíptica é uma espécie de lista de desejos masculinos que desemboca num final feliz, num fálico cume” 

CAMILA PAGLIA


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