O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

domingo, junho 26, 2022

o beijo é humano, mas...

isto é obsceno! 

      • Agora, este Presidente da República levou o contrabando a outro patamar. Mora aqui contrafacção de emoções e, sobretudo, de sentimentos com vista à popularidade apenas. Finge-se que se ama, que se vive compaixão, há performance de empatia e de comunhão. Falsificado o beijo, fica a barbárie. Já tinha acontecido com Pedrógão, claro. Mas, agora, foi a reboque de um bebé perdido num Estado falhado. Agora vale tudo. Até arrancar olhos."
O QUE JUDAS BEIJOU 

De todos os gestos humanos, o mais íntimo é o beijo. Aliás, o beijo é humano. Quase exclusivamente humano (um beijinho aos chimpanzés, pronto). A sua relação com a evolução do Homo sapiens é profunda. Para o compreender, basta dizer que o beijo nasce da necessidade de os bebés humanos terem mais massa encefálica. Para chegarem ao mundo com grandes cabeças, nascem menos autónomos do que outros primatas superiores. Inclusive, já depois de deixarem de mamar, as crias sapiens continuavam a beijar os pais para se nutrirem - estes transferiam comida já mastigada à criança que, com dois anos, por exemplo, é menos emancipada do que um potro à nascença. Para compreender a intimidade do beijo, basta dizer que se tornou tão nervo da experiência da humanidade que transformou até a anatomia: os lábios humanos são mais grossos e são do avesso. Tudo para poder beijar. Ou seja, os gestos de alimentação/sobrevivência, ritualizados, passaram depois a gesto de afecto. Por isso, primeiro, a mãe passava a comida; agora, os amantes passam línguas e rebuçados.


Beijar é humano. Mas não deve ser banal. Sobretudo certos beijos. E se ósculo é intimidade, civilização e cultura, tocar assim na barriga de uma mulher grávida é todo um programa. Os beijos têm um código social. O beijo na cara, o beija-mão, o beijo na testa, o beijo nos pés. Cumprimento, hierarquia, consolo, veneração. Beijos há muitos e as suas variantes são ainda mais. Mas quem beija o barrigão ou é pai ou irmão. Talvez avô ou avó. Mão na barriga, ainda vá que não vá; agora, boca é outra proximidade, é casa. Lar. Quando estamos grávidas há, de facto, nova apropriação do corpo da mulher, inspeccionado e revirado, afagado, avaliado. Muitas gestantes são então reduzidas a meras transportadoras de um passageiro e devem por isso tolerar coisas como a senhora do supermercado fazer-lhe festas na barriga ou os constantes comentários sobre o formato da bossa. Etc. Mas Marcelo levou esta espécie de nacionalização do corpo da grávida longe demais. Sobretudo, não sendo o Presidente da República o pai de todos (embora talvez gostasse), a banalização que imprimiu àquele encosto de lábios transformou um dos sinais sociais mais belos num gesto quase obsceno. Daí que muita gente tenha reagido à foto de Cotrim com incredulidade e mesmo repulsa. Algo estava errado naquele momento. Forçado, artificioso. E, de facto, está mesmo. Naquele acto, Marcelo vulgarizou o que deve ser singular, trivializou o privado e a cumplicidade feérica.

Já tivemos políticos a falsear a verdade, o bem, o bom e o belo. Já todos sabemos que mercadejam a ética... até se diz: “Rouba, mas faz.” Agora, este Presidente da República levou o contrabando a outro patamar. Mora aqui contrafacção de emoções e, sobretudo, de sentimentos com vista à popularidade apenas. Finge-se que se ama, que se vive compaixão, há performance de empatia e de comunhão. Falsificado o beijo, fica a barbárie. Já tinha acontecido com Pedrógão, claro. Mas, agora, foi a reboque de um bebé perdido num Estado falhado. Agora vale tudo. Até arrancar olhos."

Joana Amaral Dias

LUTO NA ALMA

UM PAÍS DE MISERÁVEIS...um pais atrasado, corrupto de politicos mentirosos, farsantes e de gente pobre e deonte...muito  doentes! (E não é virus...é sementes!)

UM PAIS :
"Doente em larga escala.
Doente na cultura.
Doente na educação.
Doente no civismo.
Doente na justiça.
Doente, porque a palavra “equidade” desapareceu dos nossos discursos, dos nossos gestos, das nossas atitudes..."



José Reis
24 de junho às 09:35 ·

Jéssica, consegues ouvir-me?
Sou apenas um dos milhões de pais deste Portugalzeco que continua dilacerado com o choque.
Por muito que evite fazer juízos de valor, só há uma palavra para o que te fizeram: monstruosidade!
Olho para o teu rosto lindo iluminado pelo sorriso da pose para as fotografias e constato que sou um peão insignificante nesta tragédia grega.
Pertenço àquela classe de pessoas a quem a paternidade veio mudar por completo, porque aprendi a colocar o bem estar da minha filha como prioridade máxima.
Jéssica, consegues ouvir-me?
Diariamente, lido com dezenas de crianças mais velhas do que tu e tento não defraudá-las na sua lenta caminhada pela conquista de felicidade…
Não pretendo ser o porta-voz da consciência de um país.
Mas sinto que tenho de pedir-te desculpas.
Como pai e professor, como cidadão de um país que está gravemente enfermo. Doente em larga escala.
Doente na cultura.
Doente na educação.
Doente no civismo.
Doente na justiça.
Doente, porque a palavra “equidade” desapareceu dos nossos discursos, dos nossos gestos, das nossas atitudes.
Jéssica, consegues ouvir-me?
No plano superior onde o teu espírito vagueia neste momento, talvez não compreendas porque te peço perdão…
Faz parte da minha profissão transmitir que as bases de uma sociedade são a Educação e a Justiça.
E lentamente, assisto ao seu colapso, sentindo-me impotente por não lutar ativamente contra esse desmoronamento.
Como professor, sinto que trabalho para consolidação de estatísticas fictícias e construção de competências artificiais.
Como pai, sinto que transmito à minha filha valores anacrónicos, porque em Sociedade, já se torna irrelevante escolher corretamente entre Bem e Mal; Certo e Errado; Justo e Injusto.
Jéssica, consegues ouvir-me?
Não te deixaram concluir a tua Missão aqui na Terra.
Talvez estivesses destinada a espalhar Alegria, a mudar o Mundo com a luminosidade do teu sorriso.
Talvez estivesses destinada a ser uma aluna de Quadro de Excelência, a concluíres brilhantemente uma Licenciatura ou um Doutoramento.
Talvez tivesses o condão de contribuir para um Mundo melhor…
Mas sabes o que vejo agora?
Uma sociedade com cada vez mais licenciados e “Doutores” mas à qual lhe faltam tantos, mas tantos valores.
Valores esses que não deveriam depender da riqueza nem da sua ostentação.
Valores esses que antigamente eram ensinados nas casas dos mais humildes, sentados em redor de uma mesa onde por vezes fumegava meia tigela rachada de caldo aquecido com uma côdea de pão duro.
Pois esta é a doença mais profunda que estamos a atravessar: a da falta de valores.
Um país que tem como figura máxima um político que apela aos portugueses que evitem ficar doentes…
Um país com um governo eleito por clientelas de caciques que nos levam a uma taxa de inflação que não se vivia já há 29 anos…
Um país que tem de repensar as suas Comissões de Proteção de Crianças e Jovens, fazendo uma depuração profunda e eliminando os maus profissionais, os acomodados que pomposamente elaboram relatórios com taxas de sucesso elevadíssimas, esquecendo-se que, por detrás de uma estatística automatizada, está um ser que luta, com as armas que tem ao dispor, pelo direito elementar a ser Criança.
Jéssica, consegues ouvir-me?
Parece que nada aprendemos com o exemplo da Valentina, espancada na banheira às mãos de quem jurou protegê-la de todo o Mal.
Jéssica, perdoa-nos!...
…Por acharmos que sabemos o que fazemos…


sábado, junho 25, 2022

UM TEXTO QUE PODE CHOCAR...



“Quando se ousa afirmar que todas as relações entre homem e mulher, sejam eles quais forem (conjugais, filiais ou outras) são necessariamente relações incestuosas entre mãe e filho, estamos a provocar as críticas mais ásperas, e fazer-se passar por obcecado. No entanto...

O homem é com efeito um ser incompleto, e ele apercebe-se disso. O seu medo e a sua atracção pela gruta obscura (o vazio de onde vem), o seu medo e a sua vertigem diante da morte(o vazio para onde ele irá), tornam-no um ser frágil que procura a qualquer preço uma segurança. Essa segurança é a mãe, tanto para o homem como para a mulher. (...)

O homem está pois biologicamente sujeito à mulher quer ele queira quer não. E toda a mulher é uma mãe, real ou potencial. Ele é o contido (contenu) enquanto que a mulher é quem contém (contenant): isso constitui um estado de inferioridade muito claro para o homem, que passa por isso o seu tempo a negar esta realidade para se provar a si próprio que é superior. É o que explica a acção masculina, o facto de que os homens sejam dotados para a acção, para a violência, para o combate. Esta acção é o único meio que lhes resta para tentarem se afirmar.
E se o homem é o contido, portanto um ser inferior, ele arroga-se ao direito de ser superior mostrando a todo o preço que a sua força activa é a única capaz de proteger a espécie. Ele soube mesmo convencer a mulher desta superioridade, simbolizada pelo reconhecimento do pénis do rapazinho ao nascer, pela sua mãe, ou por qualquer outra mulher que ajude no parto. O famoso grito: “é um rapaz!”, repetido por gerações, diz bastante do seu significado.

No entanto, a que contém (ou abarca), a mãe, digamos a mulher, é ela própria a realização do Paraíso. Ela o concretiza, esse Paraíso, sob os dois aspectos de uma só realidade: ela “contem” (engloba) a sua criança e o seu amante.”

in "La Femme Celte” de Jean Markale


NOTA PESSOAL ( À MARGEM...)

Podemos então ir um pouco mais longe a risco de provocações maiores, mas eu diria que por todas estas razões e outras, o homem não querendo aceitar essa “inferioridade”, não se querendo render à evidência nem se submeter ao poder da mulher-mãe, ele passa contestá-la e a desprezar a mulher em geral, ou vangloriando-se da sua "virilidade" querendo provar a sua força colecionando amantes e dizendo-se o seu possuidor, ou violando-as e matando-as, acto extremo, ou ainda fazendo a guerra ao seu vizinho para alastrar assim a sua impotência de macho que se vinga pela sua incapacidade de aceitar e amar a Mãe e a Mulher que o "contem". Cometendo ainda a grande aberração de violar ou agredir as crianças indefesas no seio da própria família, incluindo filhas e filhos ou das suas instituições que as "guardam", como é o caso da pedofilia e da Igreja...
A grande causadora desta “vingança” ancestral foi sem duvida a “madre igreja” que denegriu a mulher como culpada da queda e reprimiu a sua sexualidade, com padres vestidos de mulher a representar a vontade castradora do pai do céu, exclusivamente! Infelizmente todos os autocratas, ditadores e representantes da violência ou da repressão da vida instintiva-natural, seja ela instituída como “defesa” de território ou da “religião e moral” ou puramente marginal são iguais na falta de amor e de respeito pela vida e pela natureza representada antes pela Grande Deusa e encarnada na Mulher. A destruição do planeta terra é o ódio à Mãe...e a prova da “força” do Homem sobre a natureza!

rlp


quinta-feira, junho 23, 2022

UMA MANOBRA BRUTAL - CONTRA AS MULHERES

 


O QUE DÁ LUCRO: CONVERTER A LIBERTADE FICITICIA DA MULHER EM SEXO ACTIVO E SERVIR OS HOMENS POR VONTADE PRÓPRIA- de maneira a que elas não percebam a manipulação.


“Aqui está a reviravolta que surgiu. Algumas mulheres jovens queriam igualdade sexual com os homens: isso é uma reivindicação por poder igual. Elas não queriam ser meros objetos sexuais, elas queriam ser agentes sexuais ativos. Mas embora a verdadeira e total igualdade sexual entre homens e mulheres ainda seja demasiado ameaçadora, revelou-se, no entanto, lucrativo lisonjear as mulheres que a têm. Então os meios de comunicação começaram a destacar esta mensagem: é através do sexo e da exibição sexual que as mulheres realmente têm o poder de obter o que querem. E porque o verdadeiro caminho para o poder vem de ser um objeto de desejo, meninas e mulheres devem agora escolher ativamente - até mesmo celebrar e abraçar - ser objetos sexuais. Esta é a marca de uma rapariga verdadeiramente confiante e capaz: aquela cuja objectificação não é imposta de fora, mas vem de dentro. Tens de admitir, isto é uma inversão muito esperta. A melhor maneira de ganhar este tipo de poder é atender o que os homens querem. E não estás a concordar com os homens ou com os requisitos sexuais patriarcais: ao submeteres-te, estás no lugar do condutor! ”

Susan J. Douglas. “A ascensão do sexismo iluminado: como a cultura pop tirou do poder próprio a mulher para as indo enlouquecendo" (ou alienando de si mesmas?)

The Eternal Fire of a Pure Love





Não me recordo quando a Poesia fugiu de mim. Talvez nunca habituou estes lugares lúgubres de que sou feita. Estes cabelos, qual ninho de pássaros, cujos habitantes são Corvos. Nunca lhes deitaram a sorte aos meus nervos e lhe serviram a boa comida dos escolhidos. Deixei-me adormecer algures, sem prosas e poesias. As narrativas se perdem. Será Alzheimer jovem que adormece estes neurónios tão marcadamente juvenis e inspirados? Temo que me matei, sem saber que me matava. Debrucei os olhos e o coração na tua miragem e esqueci-me. Apenas me lembro daquele poço, do fundo dele, e como os seus braços longos e afiados me abraçaram e levaram-me!! Não, ninguém foi ao fundo e pegou o diabo que me levou, e curtiu a sua pele e me entregou nas mãos, libertando-me! Não!! Fiquei sim, mais morta. Morta de tão morta, impossível. Se algum dia passarem por lá, pelos poços, e se o acharem muito negro, recordem-se, sou eu a gritar num mergulho fundo de solidão. É a minha prisão, a minha perdição a chamar. É a minha mais profunda agonia humana, a minha mais profunda lágrima de dentro a olhar-vos. Não me recordo quando deixei de escrever a poesia. Ela adornava o meu coração com coroas de rosas e os espinhos eram apenas o sal vital que vitalizava a terra da minha alma. Deixei de ver aquele núcleo, uma neblina espessa envolveu-a... aquele movimento nebuloso a distanciar-me, a petrificar-me... grito, e é um grito de impotência... nem os poetas ancestrais me ouvem, e pior que isso, o meu próprio espírito, vira-me as costas!!! Que humilhação!!! ouço berrar. «Como ousas dizer isto? Com que direito tens de escrever tais coisas?» Quedo quieta, e digo, « quero voltar à vida?! » Vão-se abutres!!! Vão-se!!! Enxotem-se daqui!! Enxotem-se-se-se-se-se-se-se enxxxxoootem-SE!!! 

NãoSouEuéaOutra 
in O Nada com que a Vida se Fez


Ana Maria Fernandes 


quarta-feira, junho 22, 2022

O SILÊNCIO DAS MULHERES...






E A NECESSIDADE DE UMA ESCRITA DE MULHER.


"Enquanto as mulheres permanecerem em silêncio, estarão excluídas do processo histórico. Mas, se começarem a falar e a escreverem como os homens, entrarão na história subjugadas e alienadas; trata-se de uma história que, logicamente falando, o seu discurso deveria desintegrar
Aquilo de que nós precisamos, tal como propôs Mary Jacobus, é uma escrita de mulher que funcione dentro do discurso "masculino", mas que trabalhe "ininterruptamente para o desconstruir: para escrever o que não pode ser escrito"; e, de acordo com Soshana Felman, " o desafio com o qual a mulher é hoje confrontada é nada menos do que o de "reinventar" a linguagem...o de falar, não só contra, como também fora da estrutura falocêntrica especular, o de estabelecer um discurso cujo estatuto não seja definido pela falácia do significado masculino" *



A MULHER UM SER COM INDIVIDUALIDADE

A Chave que se perdeu é a mulher. A mulher que foi apagada da história dos homens como ser individual e senhora da sua vontade…
Durante milénios a mulher esteve submetida e incapaz de se erguer na sua natureza obedecendo aos padrões e leis do mundo apolíneo estritamente masculino na sua negação do ctnónico e do princípio feminino.
A mulher que durante milénios cumpriu o pesado fardo de servir exclusivamente a humanidade homem na negação da sua individualidade ao serviço da espécie como mãe, mas em total sujeição ao homem. Cumpriu séculos de sujeição ao pai e ao filho. Agora é tempo de a mulher retomar as rédeas e voltar a servir a Terra e ser fiel à Deusa Mãe e a Natureza.
Por isso é urgente que a mulher acorde para si mesma, que desperte para uma nova consciência do seu SER , um ser em plenitude das suas faculdades, e para isso tem de se resgatar do fundo de si mesma e sair do caos em que os homens a projectaram a si e à terra.
A Mulher tem de recuperar a sua memória celular, recuperar a sua identidade esquecida, a identidade que perdeu ao ceder ao homem o seu poder de cura e amor, o seu poder de amar e ser livre…o seu dom de visão e profecia, a sua alegria a mais genuína.
É inconcebível que a mulher só por ser mulher seja ainda castigada e estropiada, violada e morta nas guerras pelos homens em todo o mundo.
E fosse o que fosse que tivesse sido acordado pelas esferas superiores em relação à Mulher, nos céus ou na terra, pelos mitos ou nas histórias do mundo, nos eons, na roda das civilizações, ou nos ciclos da evolução da Humanidade, é tempo de a mulher ser respeitada por si mesma como ser individual e não colectivo e realizar o Matrimónio sagrado com a Deusa Mãe e consigo mesma, unindo-se à outra mulher-metade de si e da qual foi separada há milénios…
É tempo da mãe e da filha se unirem em vez de competirem entre si e lutar pelo homem. É tempo de a mulher se libertar das algemas do património e da escravidão do sexo e até da maternidade.
É tempo de a mulher olhar para dentro de si mesma e descobrir o seu tesouro escondido, o seu tesouro sem fim, o “manancial fechado” que ela se tornou e abrir essa Caixa de Pandora, que ao contrário dos mitos que a anunciam como desgraças maiores causada pela Mulher – não pode haver maior desgraça do que a que os homens semearam na Terra – e que mais não fazem do que reflectir a misoginia e medo ancestral da mulher, da sua força sensual e sexual, da seu poder magnético como fêmea, tal como o medo à força indomável da Natureza e que tanto assusta ainda os homens. Foi por esse medo e desejo de controlar o mundo ctónico que os homens reprimiram e condenaram a mulher, e a fecharam nessa Caixa de Pandora sob a ameaça de perigos medonhos...
E assim, quer na religião quer o mito, fizeram pesar sobre a mulher a culpa do erro ou do pecado e dos males da humanidade, para a manter encerrada em si e calada, para a manter agrilhoada e incapaz de se defender ou agir por si mesma.


in Lilith, a mulher primordial livro da Rosa Leonor Pedro


*in "GÉNERO, IDENTIDADE E DESEJO"
*Antologia Crítica do Feminismo Contemporâneo
Organização de ANA GABRIELA MACEDO

Emil Cioran morreu em Paris há 27 anos.



A ARROGÂNCIA DA ORAÇÃO


Quando você chega ao limite do monólogo, à beira da solidão, você inventa - na falta de outros interlocutores - Deus, o pretexto supremo para o diálogo. Desde que o nomees, a tua demência está bem disfarçada e... tudo é permitido a você. O verdadeiro crente mal se distingue do louco: mas a sua loucura é legal, é aceitável; se as suas aberrações fossem desprovidas de qualquer fé ele acabaria num hospital psiquiátrico. Mas Deus os cobre, ele os torna legítimos. O orgulho de um conquistador pálida diante da ostentação de um devoto que recorre ao Criador. Como pode queimar tanto? E como é possível que a modéstia seja uma virtude dos templos, quando uma velha decrépita, que acredita no Infinito ao seu alcance, sobe com oração a níveis de audácia que nenhum tirano alguma vez ousou aspirar?
Sacrificaria o império do mundo por um único momento quando as minhas mãos unidas implorariam o grande responsável pelas nossas inimizades e trivialidades. No entanto, este momento constitui a qualidade comum - e uma espécie de tempo oficial de qualquer crente. Aqueles que são verdadeiramente modestos continuam se repetindo:
Humilde demais para rezar, inerte demais para passar pela porta de uma igreja, resigno à minha escuridão, e não quero uma capitulação de Deus diante das minhas orações.
E para aqueles que lhe oferecem a imortalidade, ele responde:
Meu orgulho não é inesgotável, seus recursos são limitados. Você acha que vence, em nome da fé, de si mesmo; na verdade, deseja perpetuá-la na eternidade, porque essa duração não é suficiente para você. O seu esplendor excede o refinamento de todas as ambições do século. Que sonho de glória, comparado com o seu, não revela engano e fumo? A sua fé é apenas ilusão de grandeza tolerada pela comunidade porque se cruzam; mas você está obcecado apenas pelo seu próprio pó: ganancioso do tempo, perseguindo o tempo que o dispersa. Só a vida após a morte dá espaço suficiente para os teus desejos; a terra e os seus momentos parecem demasiado efêmeros para ti. A megalomania das convenções ultrapassa tudo o que eles alguma vez poderiam imaginar as ilusões luxuosas dos edifícios. Quem não aceita o seu próprio vazio é doente mental. E o crente é o menos disposto de todos a aceitá-lo. A vontade de aguentar, empurrada até este ponto, me assusta. Eu sucumbo à sedução pouco saudável de um eu indefinido. Quero chafurdar na minha mortalidade. Eu quero ficar normal.

(Senhor, conceda-me a capacidade de nunca orar, poupe-me a insanidade de qualquer adoração, afasta de mim essa tentação de amor que me entregaria para sempre a ti. Que o intervalo entre o meu coração e o céu! Não espero de todo que os meus desertos sejam povoados pela tua presença, as minhas noites digitadas pela tua luz, a minha Sibéria derretida sob o teu sol. Mais sozinho do que tu, quero que as minhas mãos sejam puras, ao contrário das tuas que estão sempre a bater na terra e a intrometer-se nas coisas do mundo. À sua insolente omnipotência, não peço nada além de respeito pela minha solidão e tormento. Não sei o que fazer com as tuas palavras; e temo a insensatez que me faria ouvi-las. Dispense-me a coleção milagrosa que precedeu o primeiro instante, a paz que não podia tolerar e que o levou a fazer uma brecha no nada para abrir esta feira de tempos, e a condenar-me assim ao universo - à humilhação e para a vergonha de sendo).

Do Resumo da Decomposição. Pintura de Caesar Iron (1900).


domingo, junho 19, 2022

PORQUE É O CÉU MELHOR DO QUE A TERRA?





- (...) Em todas as descrições da criação do mundo, há um pressuposto bem instalado que consiste a fazer notar que os homens, o masculino, se apoderou do céu e das águas de cima contra as águas de baixo, que seriam femininas. Porque não? O que me aborrece, é que eles acabaram por convencer todo o mundo desde há milhares de anos que o céu, é melhor que a terra.
Portanto puxei um pouco as coisas na direcção da empatia dizendo que vivemos... num mundo em que se valorizou de tal forma o Espírito, o masculino, o intelecto, e que isso foi feito em detrimento da alma, do sensível e que por isso estamos todos a caminhar para o abismo. Quando defendo a minha Deusa selvagem, eu defendo portanto muito simplesmente um feminino primitivo, autêntico, fecundo, vivo.
(...)

-Yung dizia:

“É preciso que o homem velho se torne maternal”.

É bonito e é verdade. Porque seriamos nós eternamente seres cortados em dois, que não teriam o direito de ter ao mesmo tempo uma alma e um espírito, uma sensibilidade e uma violência feminina e masculina? As deusas divertem-se imenso por esta razão, em particular Ishtar, que é simultaneamente deusa do amor e guerreira. Isto fere a tradição masculina, ao ponto de existir quem conteste que possa existir uma deusa encarnando em simultâneo a violência guerreira e a paixão amorosa. Mas enfim, as mulheres são todas assim! Porque obscura razão só os homens teriam o direito de serem selvagens? – eu entendo selvagem no sentido da Natureza e da Floresta e não da barbárie. Dito isto, penso que a androginia é um estado no qual não se deve ficar. Passemos por lá, mas no fim do processo, restemos homem ou mulher. Não há nada de mais horrível do que uma mulher inteiramente viril que esqueceu a sua parte de ternura.* (…)


N.C. – Não houve já no feminino uma tentativa imatura de utilizar a máscara de Kali?

- Kali (deusa indiana da morte e da vida) não tem nada a ver com o feminismo! Com a sua grande roda, esta espécie de lagar de sangue, simboliza simultaneamente a morte e a vida. No feminismo, há um combate que visa a excluir o homem pela raiva e pelo ódio. A minha posição é tudo menos de ódio. Eu vejo com humor as suas reivindicações de um céu supostamente melhor que a terra e eu reivindico a... terra porque ela é concreta e porque ela dá frutos; mas em caso algum eu me sinto em guerra contra o homem. Melhor ainda: eu defendo a androginia que se manifesta através da deusa mãe, a serpente, os gémeos ímpares e criadores do mundo.
O que eu reivindico, é o direito para a mulher, de exprimir o desejo que ela tem mais vivo em si e sem hipocrisias, eventualmente o seu desejo o mais selvagem, sexual ou maternal, sem essa espécie de rendilhados ridículos com a qual a enfeitam e a mistificam. Da mesma maneira que reivindico o direito do homem assegurar a sua parte feminina, a sua anima. O mundo tem tendência aliás para uma espécie de androginia. É o que pode salvar o mundo. A Androginia é com efeito uma forma de eliminar o medo do outro. A partir do momento em que começamos a ver o que o outro sente, como e porque o sente e a ter essa experiência, então aí as barreiras caiem. O que faz medo, é a diferença – o mais elementar dos racismos.*


Entrevista a Joelle de Gravelaine


Este livro é poderoso!


LEITORAS DE LILITH A MULHER PRIMORDIAL

Isto é a minha Alma a falar:
Ainda assim, o homem adoptou a serpente como símbolo nos seus colégios da arte que é a Medicina, como um símbolo de cura, transformação e transcendência. Eles sabem do nosso poder e temem-no. Por isso, o reprimem nas mulheres e neles próprios, pois que perderam a metade do Sagrado Feminino que existe em Tudo e Todos.
Este livro é poderoso! 

A.T.R.
Livro: Lilith A Mulher Primordial de Rosa Leonor Pedro



QUANDO A DEUSA SE DESPE DE VEUS...



QUANDO A DEUSA SE DESPE DE VEUS...
e nos deixa ver o invisível e se torna Presente ela mesma...


O FOGO SAGRADO DA DEUSA

Ontem caminhei com o meu bastão invisível na procissão das mulheres e homens que no fim da Conferência da Deusa percorreram um pequeno caminho no coração de Sintra…e com os pés batendo na terra faziam ouvir os tambores como um só coração, fazendo ecoar em mim memórias de velhos cantos e que em coro, agradeciam à Deusa o esplendor do dia e todas as dádivas terrenas de que somos prodigalizados, nós mulheres e homens, apesar da fome e das guerras e da miséria humana... e sentir esperança na Humanidade.
E tudo isto foi possível pelo esforço e entrega de algumas dezenas de mulheres que quero homenagear, porque fez eclodir no meu peito uma epifania, sentir o milagre da unidade, no corpo e na alma, ao ver a face da Deusa reflectida em cada mulher abençoada pela sua dádiva.
Eu vi mulheres brotando e florescendo como nascidas do ventre da Terra cantando cheias de reconhecimento e generoso afecto que prodigalizavam ao seu redor, honrando a dádiva da Deusa… e vi-me eu mesma, mais uma vez nascida do seu ventre e de todas as mulheres em osmose como parteiras que ampararam dores e choros e elevaram a minha alma em êxtase sereno com os seus sorrisos e manhas …
E vi no seu canto, o olho da pequena coruja, inteligente e atenta todo o tempo ...ela via tudo em silêncio …e escondia-se sagaz… e vi ainda uma sereia alada… e uma naga escondida na floresta…e vi também um trolle e uma fada…Vi um gnomo delicioso e uma donzela assustada e vi a bruxa rabugenta sempre a praguejar palavras entre dentes… Vi jovens e velhas e mulheres maduras serem transformadas e vi nos ares entre todas as deusas, a encantadora de serpentes… Lilith, que sibilando, atravessava todos os espaços e se insinuava entre as mulheres erguendo-as na vertical ao encontro de si mesmas, mediadoras do ceu e da terra, unindo os elementos…
Quero agradecer a todas as mulheres que vieram até mim e me abraçaram e agradeceram aquilo que eu escrevo, mas que vem delas para mim porque é nelas que me inspiro e é delas que vem o que sinto e sei, por osmose e empatia feminina… como sendo minhas irmãs e mães e filhas que não tive…e porque sei que todas somos filhas da Deusa.
Quero agradecer à mulher doce e genuína, com o seu véu vermelho, que nos seus sublimes passos mágicos de dança em circulo e com gestos de eternidade, me fez lembrar que todas somos a vida o renascimento e a morte ...e também no final, a todas as mulheres empoderadas, vestidas de dourado, que em apoteose, nos espelharam nos seus espelhos de miríades de cores, a lembrar que somos Ela, e belas... culminando assim este encontro de deusas e mulheres e de alguns homens especiais que também abracei…
Quero agradecer a todas as mulheres presentes, lamentando sinceramente as ausentes, às Sacerdotisas e as Melissas todo o seu cuidado e serviço à Deusa…e em especial à Luiza Frazão a sua fé, a sua persistência e a audácia de acreditar e trazer para esta realidade tangível o que era apenas um sonho meu de menina e adolescente…
Gratidão eterna a toda as mulheres que ecoaram o meu coração!

Rosa Leonor Pedro - 14 de Maio de 2022
Foto de Sara Miguéns


O AMOR DO AMOR...

 



Dá-me os teus olhos, oh meu amor, que neste mar infinito eu me quero aventurar.

Enche-me de astros o Silêncio deste Mar, oh minha Lira-Mãe das esferas que rolam, dos Sóis de manto doirado e dos olhos que te rasgam na imensa face do firmamento!

 Fecha agora os teus olhos oh meu Amor, e deixa-me ver o teu Nascimento…

 Adormeceram as águas, fizeram silêncio as almas, e, sobre as ondas do grande Mar do silêncio, caminha para nós a serena Aparição da tua figura.(…)

E, como sobre uma multidão que espera a manhã para transpor o rio que os há-de salvar do inimigo, flutua de asas abertas o seu próprio sonho de resgate, assim, sobre o mundo e as almas, o grande lenço branco da despedida se fez asa, protecção, carinho, sonho, êxtase, e é o manto que te cobre, e às almas, oh minha virgem, minha Senhora da Aparecida!(…)

Oh amor do meu Exílio, meu estranho amor, de onde vens tu meteoro das almas, que elas, à tua passagem, reacendem-se em lembranças e são mais puras, mais brandas, mais líquidas e dadivosas, espraiadas duma humildade sem fim?

(…)

LEONARDO COIMBRA

domingo, junho 12, 2022

UMA NOTA BIOGRÁFICA...

POR SUJESTÃO DE UMA AMIGA PUBLICO AQUI O SEU COMENTÁRIO E A MINHA RESPOSTA AO MESMO NO FACEBOOK - este post tem já alguns anos, 3 ou 4… 

 "Posso não ressoar, mas respeito e aprecio 'de onde vem' o seu último comentário que me dirigiu e, no que me toca, agradeço as suas palavras. Mas indo ao conteúdo sobre si e sobre o que a move, aprecio o suficiente para sugerir que publique esse texto num post. Compreenda e não leve a mal: é que aqui senti muito mais a Rosa no seu Ser profundo do que tantos outros textos em posts seus mais polarizados... outra energia, vamos dizer assim. Sugiro isto porque o que escreveu é harmónico em si, quer eu ressoe com essa atitude/missão ou não - lá está, Mapas/pessoas diferentes - e ao ser harmónico é potencialmente curador de tudo o que separa. Quanto ao seu livro, terei todo o gosto em lê-lo e desejo Bom Tudo para si e para ele Abraço."


... queria só dizer-lhe, que entendo respeito e admiro a sua postura e a si como mulher. Mas temos destinos e Mapas diferentes - e se tão bem sabe isso - e se eu tenho Marte e Venus na mesma casa… masculino e feminino não estão em luta em mim, nem dentro nem fora, ambos foram integrados ao longo de muito trabalho de consciência e meditação - nasci de algum modo já com essa propensão ou com esse trabalho quase feito. Não me sinto vitima nem culpada nem culpo ninguém. Apenas vejo e denuncio uma realidade que tende a ser escamoteada e branqueada. Portanto eu não antagonizo os homens nem faço a apologia das mulheres. Não sou feminista nem arrivista. Apenas enfrento uma realidade que é das mulheres todas do mundo e vou as causas profundas, causas nunca objectivadas porque as mulheres não sabem pensar...sim a grande maioria, pensa pelos homens e não é fiel ao seu próprio psiquismo. Eu não vivi drama nenhum na minha vida, senão o existencial, claro, mas podia seguir o caminho que me aponta e de que fala, mas o sofrimento atroz das mulheres - bem para lá de vitima carrasco ou salvador - vi-o em todo o lado, em todos os níveis sociais e económicos e ele não mudou nada em 70 anos da minha vida. Por isso Não me posso desvincular dessa consciência que é social e psicológica e ontológica e a minha batalha é pelas mulheres, por uma consciência do Feminino essencial em que creio residir o maior salto quântico para a os homens se as mulheres conseguirem acordar para ELAS MESMAS enquanto portadoras não só de vida mas enquanto iniciadoras do amor, e para isso elas tem de aceder ao seu poder interno que é magnético e curador...e a outra Consciência que vem da fonte, essa centelha divina e humana que reside em todos e todas nós e dá a possibilidade ao ser humano de per se ascender a ela, eu tenho-a… profundamente ancorada. Vivo em plenitude interior e paz, e sinto um imenso amor por tudo (amo os homens e as mulheres pelas sua essência) e tudo o que escrevo nada tem a ver com o mal ou negativo a não ser o relevar da Sombra e o seu papel face a emergência da Luz. Os pratos da balança oscilam sempre mas o meu lugar é ao centro...junto do fiel da balança, como Maat. Enfim, a minha escolha de vida foi fazer este trabalho com as mulheres. Se quando o meu livro "Lilith - e a Mulher integral" sair (em breve espero*) e o quiser ler talvez me compreenda melhor, mas sei que não vai estar de acordo comigo…

Um abraço profundo e grata pela sua observação.

rlp

ADENDA

O livro Lilith a Mulher Primordial foi editado em 2020



«A humanidade não atingira ainda a idade adulta.





Alice Sampaio (escritora)
16 de abril ·

«A humanidade não atingira ainda a idade adulta. Só assim podemos explicar que seguindo pela rádio, jornais e televisão o desenrolar dos acontecimentos, mesmo assim se mantivessem numa expectativa inerte e muda, mais curiosos que conscientes do perigo que corria a espécie e toda a civilização criada já. Cada qual partia do princípio apriorístico e absurdo de que sempre haveria sobreviventes e que um deles seria o “eu”, o “eu” único existente de cada ser pensante. Os relatos de horríveis massacres deixavam-nos indiferentes: o “eu” estava fora da questão; as hecatombes caíam e continuariam a cair em casa alheia: cada qual se julgava subtraído a todos os perigos. Depois as bombas não caíam já só na China e nas Arábias, mas nas Américas e pacatas cidadezinhas da Europa e então os homens comuns, que até aí tinham escondido a face como a avestruz o bico, compreenderam que passara o tempo do devaneio — e quiseram unir-se e clamar contra tais despropósitos que não compreendiam — eles cidadãos nunca tinham matado nem roubado! Ah, os governos, as elites tinham endoidecido por certo, deixavam de os defender e proteger, eles os pacatos que se limitavam a ver e ouvir e calar. As emissoras rugiam ameaças em todas as línguas, liquidavam-se em massa os escravos de todas as cores e credos, todos cantavam a vitória própria e a derrota alheia, mas os homens, cavadores, operários ou intelectuais, morriam como formigas bombardeadas com poderoso inseticida. Onde os deuses de papelão todo-poderosos? Onde as carantonhas dos senhores do mundo? Invisíveis e intocáveis nos seus tabernáculos subterrâneos, os futuros donos da Terra e dos seus aleijões humanos, possessos, continuavam a ordenar que fossem lançadas mais bombas, mais cidades “inimigas” destroçadas. E que os cientistas escravos pesassem, medissem, produzissem engenhos mais poderosos e mortíferos. A humanidade, criança, que vivera desligada da interpretação filosófica e metafísica das próprias descobertas, morria de desleixo pela realidade e ódio feroz ao próximo. Felizmente...»


Excerto de inédito de Alice Sampaio, “Galáxia 2070 - Há Fantasmas na Lua e Rosas em Marte”, décadas de 50/60
a história, contada às crianças do futuro, da Guerra Atómica


sábado, junho 11, 2022

a realidade histórica

 



“Tu não raciocinas como um ser biologicamente feminino. A tua razão biológica está desnaturada pela mulher que os homens fizeram de ti. Um espelho da sua glória. Tudo isso está gasto. O homem percorreu-se em todas as direcções do seu génio e o máximo que conseguiu extrair dos miolos foi a fórmula de auto-destruição." - in A MADONA de NATÁLIA CORREIA


PRINCIPIO FEMININO E MASCULINO

"Qualquer homem que tenha tido um vislumbre consciente do Princípio Feminino e tenha conectado com a Teia de Vida no seu esplendor, não poderá nunca mais olhar à sua volta sem questionar o que está a fazer com a sua Vida, com os seus dons, com as suas valências e ferramentas. E a sua contribuição para o planeta Terra.
Qualquer mulher que tenha conhecido o Poder do Princípio Masculino e se tenha desconectado do Princípio Feminino tornar-se-á mais um instrumento ao serviço do Patriarcado. Há o trabalho de uma artista que gosto muito “Ana Suromai” de Amanda Sage, onde ela pintou uma “mulher-deusa” desconectada e a parir guerra e exércitos. " - Amala Oliveira


A REALIDADE HISTÓRICA

“Onde quer que o fanatismo antivital do princípio espiritual masculino seja dominante, o Feminino adquire uma feição negativa e perversa, precisamente em seu aspecto criador, mantenedor e intensificador de vida”.

Isto significa que a vida – e o Grande Feminino é o seu arquétipo – fascina e prende, seduz e encanta. Os impulsos e instintos naturais subjugam os seres humanos e o princípio masculino da luz e da consciência usa para isso a trama da vida, o véu de Maya, a ilusão “encantatória” da vida neste mundo.
Por essa razão, O Grande Feminino, que deseja a permanência e não a mudança, a eternidade e não a transformação, a lei e não a espontaneidade criadora, é descriminado e visto para seu descrédito como demoníaco por um tal princípio masculino da consciência.
"Assim procedendo, contudo, o princípio masculino consciente deprecia inteiramente o aspecto interior espiritual do princípio feminino, que exalta o homem mundano pela transformação espiritual e glorifica, ao conduzi-lo ao seu mais elevado significado.
(...) Entre os tibetanos, o demônio da Roda do Mundo é considerado igualmente feminino e interpretado como a Feiticeira Srinmo. Isso é em parte devido à tendência misógina do budismo que considera a mulher o principal obstáculo à salvação, pelo facto de ela gerar continuamente novas vidas, e de ser o instrumento da paixão sob o jugo da qual padece o mundo.”

CATHERINE DESPEUX
in TAOISMO Y ALQUIMIA FEMININA

um testemunho - hoje...

 



Estou em choque

 EVORA - Está manhã sai de casa eram 8h da manhã e na praça do Giraldo estava uma ambulância e polícias...Uma rapariga foi violada...por 5 animais

 Neste país e neste aspecto....creio que há tudo por fazer....

 Eu própria fui vítima de violência doméstica dentro de 4 paredes: fui  violada e estrangulada, e para terminar em beleza levei com um bastão de metal na cabeça o que me deixou sequelas para o resto da minha vida....Nunca mais vou ficar bem....

Comigo estarão milhares de mulheres neste momento a sofrer....Não sei o que vai ser de mim. Isto foi há dois anos....Ainda tenho pesadelos como se fosse ontem....

Não contei isto a ninguém… só as bastonadas... E quando cheguei a esquadra já o bofia gozava comigo e dizia me que tinha uns lindos olhos verdes....nem me mandaram sentar....e eu escorria sangue de toda a minha cabeça....

 Na casa abrigo onde estive nem triagem médica fazem....nem exames ginecológicos nada.....mas elas já estão com uma queixa crime em tribunal.

Este país não é de facto para mulheres...

(…)

 Um abraço grande. Tenho lido o que escreve e tem me ajudado muito. É uma grade mulher

 

Filipa Silveira

o medo da mulher e



O ÓDIO AO QUE HÁ DE MAIS FEMININO...

 
“As mulheres encarnam o desejo sem limites, e os homens temem não poder satisfazê-las. Aos olhos deles, o feminino das mulheres surge como uma reprovação potencial, desencadeia um processo de castração contra o qual os homens se rebelam. Eles não toleram as mulheres senão quando já mataram o que há de feminino nelas e as reduziram a seu status de esposa e mãe.
Nesses dois estados, a sexualidade feminina deixa de ser perigosa: confinadas à casa, pertencentes a um macho, reduzidas a assegurar a educação das crianças no lar, com uma jornada dupla de trabalho, elas não têm mais tempo ou oportunidade de ter desejo imperioso. São essas angústias de castração sublimadas que geram a codificação religiosa. E o monoteísmo é insuperável no ódio ao que há de feminino na mulher e na celebração da virgem ou da esposa que gera filhos”

 
de - Michel Onfray, um popular filósofo francês, vê nas religiões monoteístas um entrave à ciência, à ética e à política -


A SERPENTE VITAL



" Kundalini-a serpente vital, a mãe do mundo é uma força eletromagnética. O sopro ardente do dragão é um poder real que, quando despertado em ação, pode facilmente destruir como pode criar. O que é verdadeiro de qualquer potência natural, fogo, água, vento, também é verdade do poder espiritual: grande energia também é grande perigo. Com a deusa, tudo é real. O Espírito e a matéria são forças igualmente poderosas, e a sua acção de entrelaçamento é constantemente mágica, constantemente real.

Ao separar o espírito e a matéria, a ideologia patriarcal reduziu a existência física a um mero mecanismo observável, chamada " realidade prática enquanto a existência espiritual é descartada ou abstrato em " a imaginação " ou " o ideal Ou, como nos cultos solares apolonianos - e nas tendências teológicas do Budismo, Judaísmo, islamismo e cristianismo - espírito torna - se ' puro ser ' ou ' pura existência na eternidade ' ou ' bem absoluto ' ou alguma outra abstração intelectual totalmente unrooted Em processo cósmico. Totalmente extraído da vida, como um dente sublime.

O Espírito, na religião matriarcal, não nega a sua ligação com a mãe. É gerada fora do processo de vida no tempo e no espaço: Ela cria, dissolve e transforma-se como ela vai. O Espírito e a matéria em espiral são ambos iguais e igualmente reais. E esta é a realidade espiritual da evolução, em que a matéria se cria na consciência, uma vez que a consciência espiritual se criou em matéria."

"O primeiro objecto de amor para mulheres e homens é a mãe; mas no patriarcado, o filho tem de rejeitar a mãe para ser capaz de dominar a esposa como "um homem ...de verdade" - e a filha deve traí-la para se "submeter a um homem". Na sociedade matriarcal, esse duplo fardo de traição biológica e espiritual não ocorre. Tanto para as mulheres quanto para os homens, existe uma estreita identificação com o grupo coletivo de mães, com a Mãe Terra e com a Mãe Cósmica. E, como os psicanalistas continuam a repetir, essa identificação é propícia à bissexualidade em ambos os sexos. Mas a homossexualidade em homens tribais ou pagãos não se baseava na rejeição da Mãe, ou da mulher, como na cultura patriarcal; era baseada no amor de irmão, irmão-afinidade, como filhos da mãe. E o lesbianismo entre as mulheres não se baseava no medo e rejeição dos homens, mas no desejo da filha de restabelecer a união com a Mãe e com sua própria feminilidade. O coletivo de mães, identificado por filhas e filhos, era formado por mulheres fortes, criativas, produtoras, sexualmente livres e visionárias. E assim o ideal da feminilidade, para ambos os sexos, não era a submissão forçada e estúpida dos oprimidos, como na cultura patriarcal."
Do livro A Grande Mãe Cósmica de Mónica Sjoo e Bárbara Moor


terça-feira, junho 07, 2022

A DIFERENÇA ENTRE O PENSAMENTO LOGICO E A POESIA...


ELA DIZ QUE SÃO TUDO ALDRABICES...


O 3º SEXO, livro recente de Joumana Haddad - o livro e autora que mais me decepcionou em muitos anos de leituras... talvez porque a minha expectativa da mulher que escreveu O Retour de Lilith - a poesia mais genial e bela que li sobre Lilith  - e que agora escreve - entre verdades e mentiras e muitas idealizações sobre o humanus - coisas que não me fazem sentido, sobretudo no que toca  a situação da mulher  real e do homem comum e mais a mais sendo uma mulher árabe - ainda que de educação católica e ocidentalizada -, dizer acerca das relações sexuais, para além da dicotomia do bem e do mal - que:

 "O importante não é nem nunca foi, derrotá-lo a ele ou a ela: importante é que ambos se conquistem um ao outro. E é possivel conquistá-lo/a. Bem, talvez nem sempre: há muitos imbecis e cabras pelo mundo fora, mas esses seres não deviam fazer-te perder a fé nos bons, nos decentes, nos aliados amigos e cúmplices. Encontrarás teu ele ou ela sem precisares de procurar. Ou encontrarás muitas versões diferentes dele/dela ao longo da tua vida. E caso não encontres, adivinha: ter-te-as sempre a ti"
Joumana haddad



Eu não digo que devemos lutar contra o homem, mas negar este velho cisma histórico e mundial, o da condição subalterna da mulher,  transversal a todas as sociedades e culturas é negar uma gritante realidade. Leiam primeiro o trecho da foto...

rlp

O QUE EU PENSO DE LILITH...

UMA LEITORA: 

"Este livro é uma dádiva, tenho-me obrigado a alargar os meus horizontes e (pre)conceitos com que nos castram desde que nascemos."

segunda-feira, junho 06, 2022

A POESIA E O CRITICO...

QUE LILITH LEEM AS MULHERES E HOMENS?
Erotica, debochada, perversa, demoniaca, devassa, transgressora?...

Quase 900 anos a dar com a língua nos dentes e o português é ainda um idioma bastante púdico, envergonhado, com dificuldade em deixar os rodeios e passar ao que interessa.



DIOGO VAZ PINTO 28/08/2017 15:17

O erro é comum e, nem por isso, se paga menos caro a infantil noção de que o sexo é uma coisa muito natural. Por mais que investidos dos instintos, e mesmo se a fome ataca e tantas vezes parece atravessar os nervos de uma vertigem ancestral, como esse “relâmpago íngreme”, para chegar ao que interessa, ainda é preciso dar a volta a si mesmo, “praticar-se como contínua abertura, o mais atento que custe”, e desembaraçar-se tantas vezes de uma série do preceituário social, mitos infames, uma praga de receios e complexos que nos atam os pulsos das tentações à imaginação, fantasias e o resto. E ainda que a biologia dê o empurrão, até para cair é preciso uma certa graça, alguma convicção, para não fechar os olhos, não acabar sempre do lado da presa. Como para levantar-se depois, e sentir a vontade de buscar alturas mais desafiantes, cair de mais alto, escangalhar-se como um raio e deixar o fogo nos ramos aflitos das árvores como um fruto que, de rachar-se, comova o que tiver de volta com um talento incendiário.

A poesia – de acordo com o verso de que também já se fez uma récita – ensina a cair. Mas hoje quem lê poesia? E a que se lê ainda ensina alguma coisa? Vai-se a ver e, a este nível como a outros, só cumula os enlevos de uma “gente estilística”, sem particular desordem na música ou nos sentidos. Da selvajaria toda de que se ouve falar, fica uma horta, para consumo sexual de subsitência: uns vegetais muito aguados, que tão cedo engordam e são colhidos com o mesmo fastio, alimento para lânguidas aproximações, impulsos ou demasiado tolhidos, tímidos ou quase automáticos, com os nervos rombos, os gestos tacteando, afagando cotos, o que ficou da mutilação dos membros.

Depois há algumas clareiras, raras. A célebre piada de Woody Allen já aponta pelo menos na direcção certa: “Perguntaram-me se o sexo é porco. Respondi: só se for bem feito.” Mas depois, vem o bom gosto, os catálogos da etiqueta, os bonzos da adequação, servindo esse romantismo dócil e bem comportado, que quando fica sem ideias vai buscar brinquedos, chicote, as máscaras de quem às vezes nem a gramática tem atenta ao corpo, de modo a que a boca saiba dizer tudo entre não sentir nada até chegar àquilo que lhe dói.

Há um pavor inocente de ir além, de ferir o pacto, descer um degrau a mais e da provocação encantatória ir dar a uma depravação sinistra, ou, simplesmente, ser pindérico. Não há pecado maior, ao que parece. Mais vale desligar a luz, assim, do que enfrentar o resplendor dessa fronteira tão incerta: os lugares do corpo onde, dentro e fora, se reserva uma intimidante que trafica sentidos entre beleza e susto. “[E] ele disse: não deixes fechar-se a ferida/ – beleza? nada/ que num dia abrupto seja mamífero, magnífico,/ deixa apenas correr o sangue, à frente ou/ atrás da camisa/ ou na zona animal da cabeça ou na uretra em vez de esperma/ ou/ na boca com o frescor do idioma,/ enquanto a parte mais escura do mundo aumenta/ em cada reduto,/ e corra pelos rasgões mostrando o mais oculto”.

Este e outros, vários momentos poderosíssimos, estão entre as linhas de “A Faca Não Corta o Fogo”, de Herberto Helder, o longo poema publicado em 2008 e de que ainda ninguém se refez. Há muito que esta língua não partilhava um assombro destes, perante um homem que exaltava até às últimas consequências o milagre escabroso da beleza, e lembrava como esta perdeu a aura, e como “já se sabia pelo menos desde o Velho Testamento” o quanto ela pode e sabe ser terrível, avançando como um exército, ao ponto de subjugar um homem, então de 77 anos – “setenta e sete vezes êrro” – de tal modo que perdesse toda a vergonha e assumisse o desespero diante de uma mulher só “aparecida”: “catorzinha”, “floral, toda aberta e externa”.

E quanto ao que pudessem vir então dizer – é, de resto, um milagre que a filarmónica do politicamente correcto não tenha ainda vindo tocar-se para estas bandas –, sobre a pedofilia, ele tinha a dizer que sim, que se aceitou ser este um “crime gravíssimo”, mas que, afinal, vistas as coisas da altura menos viciada na estupidez, na organização proibitiva e punitiva: mas como crime, pedofilia, se a beleza, essa, desencontrada/ nas contas, é que é abusiva?/ e se me é defêsa, e terrível como um exército que avança, eu,/ setenta e sete de morte e teoria:/ o acesso à música, o rude júbilo, o poema destrtutivo, amo-te/ com assombro,/ eu que nunca te falei da falta de sentido,/ porque o único sentido, digo-to agora, é a beleza mesmo,/ a tua, proibida, entrar por mim adentro/ e fazer uma grande luz agreste, de corpo e encontro, de ver a Deus se houvesse, luz terrestre, em mim, bicho vil e vicioso”.

Com esta excepção de tal modo admirável que, na verdade, vale por mil, é um facto que a literatura que se escreve entre nós tem deixado escapar à língua portuguesa esse dom nascido do sufoco, essa exaltação e fervor, um gozo pornográfico que ligue os signos ao corpo, porque, como notou Herberto, ainda que tal doesse nas práticas da graça de uma língua analfabeta, plena, seria sempre impossível fazer-se um inferno que nos obrigasse a falar nessa língua. E então, o grande sabor não chega a ser percebido, pois não pode ser dito. Não se perde a fala quotidiana, não se acede a esses lugares com o peso sôfrego, esbaforido da expressão, onde a língua se fere na boca com os nomes e ânsia, contra a armação dos próprios dentes.


Veja-se isto: “e eu reluzo no fundo de um universo que desconheço/ e sou um nome apenas,/ Constelação do Lobo,/ mas saindo desse nome remoto entro logo na mais extraordinária autoria,/ e caçam-me através de velhas florestas côr de púrpura,/ e cortam-me a língua para eu não uivar de um monte a outro o louvor da Loba,/ mas que me importa?/ suba-te pelo dorso, com mão ou sôpro, uma labareda maior do que tu própria,/ farejo-te, lambo-te côna e bôca,/ mordo-te as coxas e o pescoço até ficar bêbado,/ e com sangue na bôca entro em ti e dentro de ti faço um nó enquanto me semeio”.

Mesmo do erotismo não se pode dizer que tenhamos impregnado o idioma de algo que diga respeito às fantasias próprias deste tempo. E se há alguns poetas que sabem fazê-lo, ficam ainda nessa reserva onde tão poucos os ouvem. Não é certamente a poesia de Maria Teresa Horta ou das congéneres mais novas que criam um furioso propósito, a tal ponto que sintamos o gosto tão abundante que “magoe a boca/ e tudo quanto nela se apoie: soluço, respiração, idioma,/ e abele os modos nada cuidadosos do corpo”. Ainda são púdicos esses arrebatamentos. E ao ler a poesia que, feminilmente, tenta ainda reclamar esse outro corpo, sente-se como cora, como, no melhor dos casos, infantilmente correm após uma provocação. E quase tudo são atrevimentos de quem toca mas sempre cativada pela reacção, e que gosta dar-se à semelhança com a ousadia, sem dar esse passo onde se perde a vergonha; e antes do fascínio, a transgressão passará rente a uma criminosa incitação.

E se são tão raros os exemplos desses ecos de ouro que tantas vezes não se sentem ao sol, “à tinta do sol alto ou traiçoeiro”, mas só de joelhos, colhendo “o hálito do ar terrestre”, então, mais importante é fazer notar quando algo assim surge, marcando uma dissonância feroz e, mais do que isso, não perdendo tempo com seduções, ou garantindo que todas as susceptibilidades são postas de sobreaviso.

“Caim/Lilith”, de Sandra Andrade, é um livro assim. Publicado com o selo da Douda Correria, ali mesmo se perde entre arroubos banais, atrevimentos e provocação tão na ordem do dia, o que é uma pena. E, no entanto, também se deve notar que este catálogo que se quer tão aberto e plural enquanto vai gizando um “labirinto de afectos”, tem conseguido fazer o mais difícil, e precisamente aquilo que tem faltado à maioria dos selos independentes que vão segurando a edição de poesia: serem imprevisíveis, deixarem os leitores em suspenso, admitindo que possa haver verdadeiras surpresas.





Sandra Andrade é uma poeta estranha aos círculos regulares da poesia portuguesa. Com uma vida ligada à performance e ao teatro, em 2014 estreou-se na & etc de forma tão discreta quanto segura, e agora dá a facada onde outras poetas só tinham dado unhadas.

É apenas o terceiro livro de Sandra Andrade, que se estreou pela mão de Vitor Silva Tavares, em 2014, com “Para Acabar de Vez com a Retórica”. O editor, que morreria no ano seguinte, gabou-se (pelo menos uma vez) de que estava a editar alguém em quem nunca tinha posto os olhos em cima, de quem pouco ou nada sabia, e com quem apenas tinha trocado umas poucas cartas, logo se dando conta de que tinha feito uma dessas descobertas nas quais, décadas antes, fora tão pródigo. Aquele era já um livro em que se viu levantar os pássaros e que, por isso, atirava à esperança uma bela ameaça.

Depois de “doppelgänger” (ed. Debout Sur l’Oeuf, 2016), um livro que não desapontava mas ainda não justificava inteiramente um certo arrepio, é com este diálogo de loucos que nos entrega finalmente às feras.

Caim, já sabemos, está entre as mais intratáveis figuras bíblicas. Um dos primeiros homens nascidos na terra, e fruto de cópula, é o filho primogénito de Adão e Eva. Um tipo que não estava para ficar em segundo fosse no que fosse, e que armou uma cilada ao irmão, Abel, enciumado depois de Deus ter mostrado uma predilecção por este. Embora se tivesse já cruzado a fronteira paradisíaca com a perda da inocência, é com Caim, segundo algumas das primeiras interpretações do Génesis, que o mal começou a trilhar o seu caminho na terra, a semear a discórdia, não recusando ao homem esses reflexos que ele vê de si no espelho da violência e da ganância.

Quanto a Lilith, está é uma personagem bastante mais esquiva. Na Bíblia aparece uma só vez, mas talvez seja menos uma referência clara a sua do que à sua reputação. Porque Lilith vagueia segundo lhe apetece, indo e vindo para satisfazer caprichos algo insondáveis desde há quatro mil anos, confundindo-se com a própria noite e as suas criaturas, num entrançado de visões míticas que a associam a um imaginário demónico, como uma presença inquietante e que foi migrando entre as mais diversas e antigas tradições – aparecida na Antiga Mesopotâmia, assombrou os Sumérios e o Império Acádio, antes de fazer aparições na Assíria e na Babilónia, contagiando os Egípcios, passando pelos Gregos e deixando severas marcas na mitologia Judaica. É no folclore destes últimos que se sugere a hipótese de Lilith ter sido criada a partir da mesma terra que Adão. Esta teria sido a sua primeira mulher, mas uma mulher que, ao contrário de Eva, que viria depois, se recusou a subjugar-se à sua vontade.

Criada a partir da costela de Adão, Eva não seria a primeira mulher, mas apenas a primeira a ter a sua vontade agrilhoada. E Sandra Andrade sabe retirar consequências ousadas desta hipótese de ruptura. “Lilith: sou primeira. tive o primeiro homem. nasci da terra, não da costela. trair o primeiro homem, misógino, com um anjo caído. e percorrer os séculos com a esperança de um último. um que atravesse a escuridão sem medo. que devore os demónios que o perseguem. um que ilumine o portão de entrada. que salte a sebe branca por onde trepam também as flores. que transporte a origem de qualquer coisa, insubmisso.”

É, assim, como ervas que legam o seu sabor a brisas que passam nas lacunas bíblicas que, uma vez mais, a ficção vai desatar um aroma das confissões entre um par que, com a sua progénie, consiga desafiar aquela linhagem que tem perpetuado uma submissão pavorosa, e que continua hoje a usar o corpo, e particularmente o da mulher, como território ou mapa onde se divisa a autoridade desse tipo de santificadas bestas que se dizem investidas da autoridade divina, ou que, pelo menos, assumem ser os intérpretes da sua vontade.

Logo depois de Lilith começar a despir-se, é Caim quem lhe arranca as vestes que, não só a ocultam, como fazem dela e de toda a mulher desinteressada do seu papel secundário, cumpridor e servil, um demónio que persegue as grávidas e rapta crianças recém-nascidas. “Caim: depois de ela partir o pobre homem adormeceu. veio deus e retirou-lhe uma costela. fez uma segunda mulher à sua imagem. submissa. regressou Lilith e empanturraram-se de maçãs. Adão disse simplesmente sua puta. Eva baixou os olhos e rastejou para toda a eternidade. eis a vossa estúpida árvore genealógica.”

Se não se pode dizer que, até aqui, Sandra Andrade tenha feito mais do que ir beber em inspiradas e provocantes distorções da narrativa fundadora do Ocidente, o que este recuo lhe permite é rasgar de forma inequívoca todos esses valores mediadores que, tantas vezes, são usados de forma traiçoeira para ir buscar lá atrás um fio supostamente inofensivo que, na sua música, possa embalar os sentidos e enlear subtilmente os braços e pernas de qualquer ímpeto transgressor.

Fique claro que isto é apenas o modo de ritualizar um corte inevitável, e que é a partir daí que o fulgor pornográfico vai conduzir-nos pela mão, desinteressado de qualquer exposição dialética, desembaraçando-se de uma lógica corrupta, que não pode senão agarrar-se a uma tradição que se fez de constantes emboscadas ao livre exercício das flutuações e humores próprias da paixão, trocando-a por esse amor romântico das donas de casa e das aplicadas criaditas, com o seu caderno de estrelas por bom comportamento. A Caim já o tesão limitado dessas fadas não o comove, e por isso avisa: “as escravas do lar interessam-me a ponta de um corno.”

O corpo é, neste livro, um tumulo profanado. Resgatado da sua simbologia enquanto altar para celebrar uma religião de morte, Lilith goza, vem pela sua reputação abaixo, notando que fodeu este e aquele, se interessou pelas odes e pinturas que ao longo dos séculos a sua visão inspirou, assume caprichos, provoca, usa as partes do corpo nas partes que, em publico, nunca... E se umas vezes só consegue ser banalmente provocante – “tal como Marylin guardo a lingerie no congelador dos dias tórridos” –, tem outros momentos em que arranca à língua a volúpia, e, com bem doseados recursos poéticos, faz a lascívia largar o talher e atacar com as mãos – “com um ramo de cerejeira, chegará a primavera. verte-se leite na pequena jarra. coloca-se a primeira rosa. há ainda uma borboleta na rede, molhada e quente, que bate as asas. incendeia-se. no quarto iluminado lambe-se a cinza”.

“[E]u perfumo os vossos cemitérios lazarentos com galas e tesão”, diz Lilith, que muitas vezes não segura a ânsia transgressora, e fode tudo o que se move –
"ao barqueiro de Caronte, fodo-o. extemporaneamente. uma alma penada que assim atravessa a morte eternamente também merece morrer de vez em quando”. Mas se às vezes o risco elabora sem se soltar de alguns clichés, sem que a língua portuguesa chegue a magoar-se nos dentes da boca espantada por um súbito gosto, há outros momentos em que o leitor entrega todos os pontos, e sente ele ciúmes de Caim: “quando encostas a tua boca ao meu ouvido para te vires nesse orgasmo de gueisha ancestral. um vynil em rotação no canto do quarto. respira ainda no meu pescoço essa pequena morte da música.”

UMA Nova Escravatura da Mulher: A Nova Era




EXCERTOS DE TEXTOS JÁ PUBLICADOS

A Nova Escravatura da Mulher: A Nova Era

A Nova Era, aparece num momento cultural em que as mulheres estavam a tentar sair da confusão do legado religioso patriarcal, e a tentar sair do controlo dos homens a todos os níveis. Balançando entre as lutas feministas e a busca do Principio Feminino, e o Feminino Sagrado, ela foi apanhada na armadilha da nova religião... de inclusão e em que o feminino e o masculino se uniam pelo yin e  yang, reduzindo a questão fundamental da busca da essência da mulher, da sua verdadeira identidade e o seu resgate, com a questão do seu masculino ou do par amoroso como complemento, ou deus...como resposta ao seu vazio existencial...
Essa armadilha da falsa transcendência e do falso universo espiritual "new age" (toda essa parafernália de conceitos e ideias e mundos inatingíveis que afastam a mulher de si mesma e dessa consciência) foi criada e muito bem orquestrada para nos afastar uma vez mais, sobretudo a nós mulheres, do caminho da Mulher Integral. E mais uma vez impedir-nos o acesso à nossa grandeza intrínseca como mulheres enraizadas na Terra; Ela foi criada para nos impedir de descobrir a Força da Vida em nós (de iniciadoras do amor, geradoras de vida, senhoras dos oráculos) pela nossa ligação à Terra Mãe e à Natureza! Ela foi programada para nos impedir de aceder à nossa própria espiritualidade que é soberana e está ainda por redescobrir dentro de nós.


Nós esquecemos que somos mediadoras das forças cósmico telúricas, e que são as mulheres que fazem a união entre a Terra e o Ceu, mas perdemos o nosso poder de mediadoras e sacerdotisas divididas nos estereotipos da Virgem santa ou de Maria Madalena a pecadora...e assim, fomos afastadas da nossa fonte de sabedoria interna - fomos quase destruídas...criada essa cisão interna na mulher fomos divididas e usadas e anuladas na nossa essência primeira durante milhares de anos e AGORA temos de conquistar esse poder que é nosso, não o de competir e conquistar o mundo do Homem, mas de unir os seres à Mãe e a Filha, e de Unir o Mundo através do nosso núcleo central e só quando formos nos próprias unas em nós poderemos então de forma segura nos aventurar em caminhos escarpadas e armadilhados na conquista da terra sagrada e semear novos ventos, novos oráculos...

Rosa Leonor Pedro

PORQUE A MULHER É EM SI TUDO

"A mulher potencialmente está ligada ao conhecimento e à sabedoria que são duas forças complementares na grelha de base. A mulher realizada domina a dualidade e ajuda o homem a transcendê-la. Enquanto o homem tem acesso ao conhecimento que está no início de tudo e além disso tem a vontade.
(...)
A mulher já é portadora do mundo transcendental - a Virgem Maria, Ísis, as Virgens negras. O homem, em contacto com a mulher, teria acesso ao germe da iluminação. E o casal alquímico exteriorizaria isso."*1

*1 In O HOMEM ENTRE O CÉU E A TERRA
De Étienne Guillé