isto é obsceno!
- Agora, este Presidente da República levou o contrabando a outro patamar. Mora aqui contrafacção de emoções e, sobretudo, de sentimentos com vista à popularidade apenas. Finge-se que se ama, que se vive compaixão, há performance de empatia e de comunhão. Falsificado o beijo, fica a barbárie. Já tinha acontecido com Pedrógão, claro. Mas, agora, foi a reboque de um bebé perdido num Estado falhado. Agora vale tudo. Até arrancar olhos."
O QUE JUDAS BEIJOU
Beijar é humano. Mas não deve ser banal. Sobretudo certos beijos. E se ósculo é intimidade, civilização e cultura, tocar assim na barriga de uma mulher grávida é todo um programa. Os beijos têm um código social. O beijo na cara, o beija-mão, o beijo na testa, o beijo nos pés. Cumprimento, hierarquia, consolo, veneração. Beijos há muitos e as suas variantes são ainda mais. Mas quem beija o barrigão ou é pai ou irmão. Talvez avô ou avó. Mão na barriga, ainda vá que não vá; agora, boca é outra proximidade, é casa. Lar. Quando estamos grávidas há, de facto, nova apropriação do corpo da mulher, inspeccionado e revirado, afagado, avaliado. Muitas gestantes são então reduzidas a meras transportadoras de um passageiro e devem por isso tolerar coisas como a senhora do supermercado fazer-lhe festas na barriga ou os constantes comentários sobre o formato da bossa. Etc. Mas Marcelo levou esta espécie de nacionalização do corpo da grávida longe demais. Sobretudo, não sendo o Presidente da República o pai de todos (embora talvez gostasse), a banalização que imprimiu àquele encosto de lábios transformou um dos sinais sociais mais belos num gesto quase obsceno. Daí que muita gente tenha reagido à foto de Cotrim com incredulidade e mesmo repulsa. Algo estava errado naquele momento. Forçado, artificioso. E, de facto, está mesmo. Naquele acto, Marcelo vulgarizou o que deve ser singular, trivializou o privado e a cumplicidade feérica.
Já tivemos políticos a falsear a verdade, o bem, o bom e o belo. Já todos sabemos que mercadejam a ética... até se diz: “Rouba, mas faz.” Agora, este Presidente da República levou o contrabando a outro patamar. Mora aqui contrafacção de emoções e, sobretudo, de sentimentos com vista à popularidade apenas. Finge-se que se ama, que se vive compaixão, há performance de empatia e de comunhão. Falsificado o beijo, fica a barbárie. Já tinha acontecido com Pedrógão, claro. Mas, agora, foi a reboque de um bebé perdido num Estado falhado. Agora vale tudo. Até arrancar olhos."
Joana Amaral Dias
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