Palestra
Por Rosa Leonor Pedro
Casa do Fauno, 25/06/22 Parte 1 Viemos muito mais cedo do que era suposto, para visitar a Casa do Fauno, mas foi mesmo em cima da hora. E uma das amigas que me trouxe perguntou se eu estava nervosa. Não estou nervosa, estou um bocadinho tensa. E a tensão vem do coração. Vem de que este tema que eu abordo, e a maneira como eu o abordo, é de facto completamente, digamos, espontâneo e ad hoc. Tenho aqui o texto escrito, que o Alexandre publicou, e aqui algumas notas vagas, mas normalmente falo conforme as pessoas que estão, conforme as pessoas querem, desejam, conforme as pessoas estão abertas, conforme o eco que eu sentir. Não sou propriamente eu que falo. Não estou a canalizar nada. Mas, digamos assim, não é a minha ideia, não é o meu discurso, nem é a minha narrativa que me importa, importa-me aquilo que aconteceu com o livro, que é falar ao coração das mulheres e de alguns homens sensíveis, que estão abertos, não só ao seu feminino, mas sobretudo à magia da mulher.
E eu penso que é extremamente urgente ressuscitarmos e falarmos e defendermos o valor da mulher porque estamos a sofrer muitas ofensivas, contraofensivas daquilo que se ganhou, daquilo que se evoluiu, embora não tenha sido totalmente verdade, a libertação, a emancipação da mulher, pelo menos em certa medida eram, mas agora estamos a sofrer uma ofensiva terrível, perniciosa, insidiosa e muito sinistra, que é reduzir a mulher àquilo que eles agora andam aí a publicitar; já não somos mulheres, somos sis. Sis género, que é: uma mulher que, se por acaso, se identifica como ser mulher e com corpo da mulher…porque, se eu nascer mulher e me der na cabeça que não estou muito bem na minha pele e gostava de ser homem, então já não sou mulher. E nós estamos neste resvalar para uma coisa tão horrenda, tão estúpida, sem fundamento algum, portanto eu tenho, de facto, uma consciência de que chegámos aqui porque a verdadeira mulher, a mulher real, a mulher integral, como eu gosto de lhe chamar, não existe há muito tempo. E porque ela não existe há mais de duas, três, quatro décadas, quer dizer, o que existia da mulher original, em termos substanciais, seria, como está aqui destacado, companheira, amante ou deusa iniciadora, que era a mulher mítica, mas que era adorada pelos Cavaleiros, pelos Templários, pelos trovadores que cantavam a musa, pelos poetas, e que também o homem respeitava enquanto mulher, sua mulher, mãe dos filhos. Tudo isso, digamos, converteu-se numa outra coisa, que, através da dita luta pela emancipação e igualdade da mulher com o homem, sem uma consciência ontológica, sem uma profunda consciência do que é o feminino, essência do feminino, transformou realmente a mulher num homem de saias. E portanto é fácil apanhar essa mulher e agora impingir-lhe uma série de conceitos e de ideias que as leva finalmente a alienar dessa sua essência e essa alienação da sua essência – que permite de alguma maneira, e eu vi, porque publiquei uma coisa que me escandalizou, que foi ver justamente um trans, que teria sido mulher, claro, porque teria um útero e tinha tido uma criança e era uma imagem monstruosa de um ser… lamento, mas mais parecia um bicho do que um ser, e não estou a falar para estar a deformar ou a dizer mal do ser, que tem a sua problemática, estou a pensar no sofrimento do próprio ser, que deixa de ser mulher, não é homem, não é nada, e depois vai ter uma criança que vai amamentar, meio homem, meio mulher, uma mãe que amamenta de barbas. Quer dizer, isto fere completamente, não só os preconceitos que ainda possamos ter, eu não sou uma pessoa conservadora ou religiosa, de maneira nenhuma, mas, e sou uma pessoa muito aberta, tenho um percurso de vivências dentro do mais abrangente que possa ser na compreensão do ser humano e das suas vicissitudes humanas, inclusive, isto não tem nada a ver com preferências sexuais, o ser humano é livre de ser hétero, homo ou o que quiser, só não deve ser livre é para mutilar-se e desnaturar a sua própria natureza e a da mulher. E portanto eu estou muito apreensiva e muito angustiada com o que se está a passar. E eu pergunto-me a mim mesma, mas porquê? Já tenho 75 anos, a caminho dos 76, vou cá estar pouco tempo, não vou ver nada de especial, mas porque é que eu teimo nisto? E eu teimo nisto porque a alma, como disse o Alexandre, a alma, é aquilo que se está a perder. É a mulher por excelência, é a anima. É a mulher que anima. É a mulher que é mãe. Eu espero que ninguém estivesse à espera que eu viesse falar de Alquimia, de alquimia o que vos posso dizer é esta frase fantástica de uma escritora, ela sim alquimista e também poeta, que diz: “A visão da mulher tem um papel importante na obra alquímica. A mulher que se vê companheira amante iniciadora é a projeção de um oposto a integrar nessa união superior a que se aspira. É a força transformadora, ela mesma transformada, em mineral, animal ou ainda um dos elementos, ou um astro, ou logo em divindade.” E, portanto, aquilo que é ênfase do meu discurso é de que é urgente e necessário que, tanto a mulher, como o homem defendam a sua identidade. Um homem é um homem, uma mulher é uma mulher, um homem nasce homem, uma mulher nasce mulher. Já basta os equívocos naturais da natureza, quando acontece haver algo dissonante, seja a nível hormonal, seja qualquer que seja, sabemos que há seres que nascem com os dois sexos ou sexo indefinido e tudo isso. A medicina opta normalmente pela vontade do pai, “Ai, eu quero menino”. Afinal, devia ser menina. Há tudo isso, como há o mito da Hermafrodita, o mito da Androgenia, realmente é uma coisa muito bonita porque seria a solução do conflito do casamento dos opostos, porque nós estamos a lidar com elementos opostos complementares, mas a maneira como nós vivemos em sociedade é sempre em oposição, não sabemos integrar os opostos.
Eu, ontem, vi um vídeo muito interessante de uma indiana que faz uma medicina integrativa e eu fui ver e curiosamente o que é que era, ela é de origem indiana, estuda os vedas e é Ayurvédaica e depois nasce em França, o país de Descarte, “Eu penso, logo existo” e juntou as duas coisas e então a medicina dela é baseada na alma e na integração de todos os opostos. Que é no fundo a alquimia, que é sempre o casamento dos opostos, rei e rainha.
Portanto, nada mais tenho a acrescentar em termos de alquimia, a não ser a força da energia, a vibração, o magnetismo, as forças cósmicas e telúricas que, na mulher, têm um exponente máximo e que está completamente calado e mudo e ocultado e foi esquecido. Para mim, nem que seja apenas uma pessoa aqui que acorde um pouco para a sua interioridade e, claro, seria melhor ler o livro, tem lá muita, muita informação e para mim foi uma dádiva muito grande ter podido realizar e concretizar este livro desta maneira e com a colaboração também da Zéfiro e do Alexandre, que é um homem muito especial, e assim espero que os homens que estejam aqui também sejam especiais, porque estão, porque não é muito comum, embora a alquimia seja mais comum ao homem do que à mulher interessar-se.
Portanto, o que é que eu vos queria dizer? É pôr a ênfase todo no feminino. As mulheres, e os homens no masculino. Porque a ideia de que um homem viril ou um homem másculo não tem feminilidade…Tem. Quanto mais feminino, mais viril, ao contrário destas nuances estúpidas que vêm justamente de não se conhecer o verdadeiro masculino, nem o verdadeiro feminino. Portanto a mulher foi masculinizada e agora estão a querer feminizar o homem. Por todas as vias e de todas as maneiras. A começar logo na criancinha. Portanto isto é assustador. E as pessoas dizem “Ah, mas não, que disparate!”. Mas a ofensiva é tão lacta, tão vasta, tão permanente e estão a atacar-nos de todo o lado, nas televisões, nos cartazes da rua, ao ponto de as escritoras, por exemplo, a escritora da saga “Harry Potter” está sempre a ser perseguida e condenada e todo o lobby gay a impedi-la de se manifestar e de se expressar, porque ela disse que é mulher. Simplesmente afirmou que era uma mulher.
Para além da questão do retrocesso nos quatro estados nos Estados Unidos em que já vai ser penalizado o aborto (não que eu seja a favor nem contra, porque é uma questão de consciência, é uma decisão que a mulher livre deve tomar em consciência) o problema não estava em abortar, estava em ter consciência. E há aqui uma coisa terrível, eu digo coisas terríveis, a ênfase que se pôs na sexualidade é tão excessiva foi uma manobra, e foi uma manobra de exploração da mulher, e a mulher caiu completamente nessa ratoeira, ela pensa-se um ser sexual. E hoje li uma coisa interessante: qual foi a forma ardilosa que o sistema teve, para converter a mulher, quando a mulher se começou a emancipar, com a sua liberdade, o que é que eles fizeram? Começaram a elogiar as mulheres libertinas, e então criou na mulher, na própria mulher, o sentimento que a mulher estava naquilo, aquilo que para as mães delas era abuso e violência, para elas, agora, era de livre vontade, já é liberdade, mas estão, na mesma, da mesma maneira, a corresponder apenas ao desejo do homem e à vontade social política e económica.
Toda a ênfase que nos possamos pôr no nosso feminino, na busca do nosso feminino, na compreensão da mulher, e tanto homens como mulheres é extremamente urgente. Se cada uma de nos hoje sair daqui com esta consciência que é nossa, que é vossa, que não sou eu que transmito porque ela está em nós, se eu puder acordar um pouco, ou estimular um pouco, o que for o caso.
Eu estava nesta angústia existencial nestes dias, não era por causa da palestra, mas foi engraçado que acordei a meio da noite e vi o telemóvel. E então tinha lá uma expressão de uma amiga brasileira, que respondeu a uma pergunta inconsciente e que teria a ver com esta palestra. E ela dizia: “O feminino não é um género. É uma dimensão.” É uma dimensão de consciência. E essa dimensão – se agora se fala tanto na 5ª dimensão, andamos todos a querer ascender, sem realizar sequer a terceira… fica tudo igual… os trabalhos dão trabalho…portanto, é essa dimensão do feminino que nós temos que alcançar. E ficamos todos a ganhar, não só as mulheres, como os homens também, porque os homens há muito tempo que estão desprovidos da companhia da verdadeira mulher. Em parte culpa deles, mas em parte também da mesma vitimização que as mulheres têm, da educação que se teve. Portanto, no meu livro eu falo de uma personagem absolutamente polémica, que é Lilith, e que, penso eu, por inspiração, nos ocorreu, me ocorreu, com a ajuda do Alexandre, na escolha do título “Lilith, a mulher primordial”. E há um momento em que eu pergunto: “E agora, como é que vais sair desta? O que é que te garante que ela é a mulher primordial? E como é que começamos a nossa busca?” Nós temos um ser, nós temos uma alma que constantemente nos está a apelar para a transcendência. O livro já foi publicado há dois anos. Felizmente, tem tido imenso sucesso. Tenho tido feedbacks fantásticos de mulheres comuns, não da área, não da área do feminino sagrado, são mulheres comuns, que vivenciaram na pele de alguma maneira esta divisão que a mulher sofre, está aqui uma mulher egípcia, e estávamos a falar um pouco nas mulheres no oriente e no ocidente… as diferenças serão assim tão abismais? Não serão, por assim dizer.
A questão fundamental do problema da mulher, todo o drama da mulher dentro do catolicismo, dentro das religiões patriarcais, que não é só o catolicismo, as religiões judaico-cristãs, muçulmana, árabe, etc., a hindu de alguma maneira, mas a hindu não tanto, porque a hindu não sofreu uma influência católica, mantém a mitologia hindu, mantém originalmente a história do mundo sem alteração, enquanto que as nossas mitologias, sobretudo a grega e a alemã foram totalmente adulteradas e escondidas e ocultadas pelos católicos, pela igreja, que destruiu centenas e centenas de bibliotecas e livros e livros apócrifos, que destruiu todo o património da humanidade em termos de conhecimento das nossas origens, de onde é que a gente veio, como é que tudo isto começou? Que é uma Mitologia. E de Adão e Eva. E para trás de Adão e Eva. Muito para trás. 40 Mil anos. Então é aqui que começa a mulher primordial. E realmente chegou-me às mãos recentemente, nem há um ano, um livro e um palestrante, um brasileiro, um homem sério, embora eu tenho sempre muita dificuldade com aqueles discursos de ascensão, mas ele veicula uma informação muito interessante e há um livro dele que se chama justamente “O Sorriso de Pandora”. E eis senão quando, ao ler o livro, e ao ouvir algumas palestras deste senhor, vim a descobrir que eu não sabia nada sobre o Mito de Pandora.
A ideia que nós temos de Pandora já é desvirtuada, já é negativa, já é intencionalmente destrutiva da mulher, que é: Pandora traz uma caixa de todos os males para o mundo. E é a mulher. Portanto a mulher é uma peste, a mulher é um demónio, Lilith é um demónio. E Pandora. E quem é Pandora? Então, tenho andado a rever o Mito. Pandora era uma das Deusas, supostamente filha de Zeus, nem sei se irmã, porque eles são bio dermes, não são seres biológicos e não têm polaridade sexual e portanto não há homens e mulheres, também não copulam, mas não sei como é que é; deve ser por ovos, plasma, ou sei lá, mas vivem aqui ao lado, ao nosso lado, num universo paralelo, e onde fazem as suas maldades, continuam a fazer, porque não morrem, nós é que morremos, porque nascemos de uma criação imperfeita, e estamos aqui a pagar um preço qualquer por um erro desse suposto criador, (eu disse que dizia coisas terríveis).
Então, quem é Pandora? Pandora é uma filha dele, supostamente, que gostava muito de vir à Terra, e eles têm a capacidade de se metamorfosear e onde é que ela vinha? Isto é pura loucura, não ouçam, ela adorava ir aos laboratórios químicos de Prometeu e Pimeteu, que estavam a criar umas criaturas muito interessantes… não estão a adivinhar quem seriam essas criaturas…? Porque eles eram deuses, ou demiurgos, gigantes, não morrem e estiveram na Terra durante milhares de anos, mas foi tudo isto que a igreja apagou, tudo o que não obedece cegamente e não faz o que a gente quer, sobretudo as mulheres.
Então, parece que a Pandora achava muita piada àqueles seres que eles estavam, em laboratório, a tentar criar, à revelia de Zeus, que só queria seres impregnados do seu ADN, ou do seu genoma. Então, apercebeu-se, ele tinha um contencioso muito grande com o Prometeu e o Pimeteu, mas aquilo leva muitos anos lá do outro lado, leva milhares de anos para qualquer coisa, porque eles não têm tempo nem espaço, nós é que andamos aqui à pressa, desculpem eu estar a rir, mas eu estou a rir-me de mim, da minha vida e da nossa concepção da vida e da história do mundo. E então ela gostava muito de passear nesse jardim, que poderia ser o tal laboratório, como o era Éden, também era um laboratório muito interessante, e por aí adiante, e eles gostavam muito de brincar com estes animais que viviam na Terra e fazer as suas brincadeiras, as suas experiências, ao ponto de Zeus, que acaba por ser Jeová, ou Brama, aborreceu-se e castigou a Pandora de vir à Terra à revelia dele, e ainda por cima ir ter com os inimigos dele. Então, fez com que ela fosse castigada e todos os deuses do Olimpo tinham de lhe dar um dom mau, negativo, de forma quando ela viesse à Terra destruir sobretudo …– a Caixa de Pandora afinal seriam tubos de ensaio com vírus para destruir aquela espécie que os outros estavam a criar.
Ela vem com todos esses malditos dons, mas também tinha uma característica, ela tinha de ser a mulher mais bela, mais sedutora, mais perversa, mais…absolutamente tudo que se pudesse imaginar de mais terrível pelo próprio Zeus sobre as mulheres ao longo da história, sobre nós, em geral.
E então, ela veio à Terra, castigada, por Zeus, e acabou por se apaixonar efectivamente por aquela espécie e tomou a poção da árvore do Bem e do Mal, que ele diz ser plantas xamânicas, que a converteu, de facto, na primeira mulher com essas características todas de beleza, mas que lutou toda a sua vida, que são milhares de anos, pelo menos vinte mil anos, em que o poder feminino, através desta mulher, dominou na Terra e criou o mito alusivo às Amazonas. Eu tive primeiro esta intuição, quando li isto e pensei, se calhar é o que corresponde às Amazonas e mais tarde este indivíduo diz que corresponde realmente ao nosso mito, contra as quais foram lutar os heróis greco-romanos, para dominar. A questão é então que Deus, Javé, Jeová, Brama, muito chateado com o poder da mulher durante 20 mil anos (lamento muito dizer, mas é um homem que diz isso) a mulher atingiu o grau de homo sapiens, neste caso devia ser humano sapiens, e o homem ficou num estadio um bocadinho sem pensar. E isso foi muito grave, por isso as comunidades eram de mulheres. Mas esses 20 mil anos pairam no nosso inconsciente, pairam no nosso ADN, nosso e dos homens, evidentemente, é toda uma história a levantar, a tentar perceber, porque entre os mitos modernos, os mitos católicos e os mitos daqui e acolá, o que é mais mito, menos mito? Há alguma coisa verdadeira? Não há. Neste momento, então, acabou tudo. E querem acabar connosco também Que é a vingança total.
Conclusão: lá Zeus conseguiu umas tribos que iam restando por aí, que existiam em certos sítios, ele foi buscar uma espécie qualquer, dentro do genoma que ele queria implantar e lá formou o Adão e Eva. Portanto, Lilith nem sequer é a primeira mulher de Adão. Ou melhor, vem muito antes de Adão e escolhe um primeiro par humano para procriar.
A partir desse momento, a procriação deixou de ser em ovos, em pormenor eu não sei, e a partir daí começou a haver esse equilíbrio entre a Mulher e o Homem com a finalidade de fazer evoluir o homem também, em relação àquilo que a mulher tinha descoberto, despertado, em termos de consciência individual humana, que estragou o propósito todo do dito Javé - Zeus é que nós humanos agora temos condições especiais para superá-los em Amor e em Bondade, que é aquilo que eles não têm de todo.
Se nós lermos a Bíblia, espero que não haja aqui ninguém cristão, lamento, mas não posso deixar de dizer isso, eu constatei isso ao longo de 30 anos, ou 40 ou 50, tudo o que eles dizem é contra a mulher, é mau demais, é feio demais, é destrutivo demais. E eu percebi isto. Deus não ama a mulher? O que é isto? “Porei a inimizade entre ti e a serpente, tu pisas-lhe a cabeça e ela morde-te o calcanhar. Dar-te-ei dores de morte para parir. Obedece ao homem”. Há uma passagem na Bíblia que é: Chega um homem, vizinho ou amigo do dono da casa, que está a ser perseguido por bandidos, ou o que for. E ele não faz mais nada: entra, entra; e manda as filhas entreter os homens. Claro que as filhas são violadas e mortas e acabou-se a história. Está tudo bem. E as pessoas leem a Bíblia com isto. E não se indignam.
Portanto, depois de toda esta ficção científica moderna, depois disto tudo, poderia concretamente falar-vos daquilo que é para mim o problema mais grave que a mulher sofre nesta atualidade sem qualquer tipo de informações, a nível nenhum, que é aquilo que eu chamo a cisão da mulher. Uma cisão que, à partida, divide a mulher em dois estereótipos, em dois arquétipos, digamos, e andamos aqui do caco para o caquinho, há anos e anos e décadas que andamos de um lado para o outro, ou seja, ou somos as santas do lar, os somos as prostitutas da rua, do bordel.
Isto vai evoluindo e depois, por fases, para nós há uma fase ascendente da New Age, que trouxe toda uma série de conceitos absurdos, estapafúrdios, que foi uma forma, para mim, armadilhada de apanhar a mulher novamente no culto de Deus, do mestre e sem passar pela integração da consciência de si e das duas mulheres divididas.
Esta cisão agora como é que ela se reverte? Vocês podem olhar e ver bem o que é que se passa. As nossas mães eram senhoras bem-comportadas, sofriam à brava e calavam, e calavam tudo, ou praguejavam. Nós começámos a falar. A minha geração rebelou-se. Eu andei a fugir à PIDE, para as mulheres votarem. Mas eram poucas mulheres. Pouquíssimas. E dizia poemas, e depois tive mesmo de fugir para Paris, para não me prenderem e para a minha mãe não ficar perdida, coitada. Mas fiz esse percurso todo e evoluí num certo sentido, ou o que fosse, e agora vejo que as mulheres mais novas, de 40 ou 50 anos, que eu pensava que já seriam as filhas da minha mãe, eu aos 50 anos ….digamos assim, as mulheres de 50 anos já deviam não ter passado por tudo o que eu passei, mas passaram, e as filhas, agora, estão do outro lado, ou seja, já não são as santas do lar, nem as esposas fiéis, nem as meninas bem-comportadas, e, se vocês olharem, eu digo isto, a maneira de vestir, não estou a reprovar, não é conceito, estou só a dar um exemplo de como a cultura, a tradição, como se invertem e não se transforma, nem muda nada.
Então a mulher achou que podia despir-se, é a marcha das vadias, ou as Femmen, vão para a rua nuas, e para os sítios e para as coisas, vão fazer mais do mesmo que têm feito delas, por vontade própria. Contra não sei o quê. Portanto, a rapariga moderna de hoje em dia está convencidíssima que é livre, e vai buscar o arquétipo oposto, e pela maneira de vestir nós verificarmos o qual é o retrato, digamos assim. Numa fase intermédia de idades, a minha mãe dizia: “Mas tu vais assim para a rua, que horror, e tu vais com essa roupa vestida!” Não, agora as adolescentes vão para a rua com calcões curtíssimos e as mães estão ao lado e os pais e anda toda a gente a passear e está tudo bem, como se não fosse nada.
Dizer isto parece o quê? Retrógrado? Conservador? Mas o instinto sexual e humano e do homem não muda. Ela olha e … E a mulher supostamente evoluiu, pensou que se tinha emancipado, mas o homem não se preocupou com isso, ele não precisou de se emancipar, ele manteve-se na mesma, e a visão que ele tem da mulher é a mesma que o pai tinha!
Agora, onde é que o homem sofre? Eu gosto muito de fazer este parêntese. Onde é que o homem sente esta cisão da mulher, a mulher sofre esta cisão diretamente na sua vida e no seu coração, em termos de: se for muito sensual, muito bonita, muto provocante, ai que horror, eu sou uma…como e que eu faço… é mais forte do que eu… e depois, se é casada… toda esta luta, e vice-versa …quantas prostitutas não desejariam ser donas-de-casa, madames. E passam a madames do bordel. Eu estou-me aa rir porque isto é quase caricato, a nossa vida, e nós levamos tudo isto a sério e continuamos a romantizar coisas tão absurdas.
Mas voltando a esta questão da cisão, todas as mulheres sofrem horrores, da sua adolescência…
Nós não medimos o sofrimento que nos é causado deste conflito interior, ao longo…até desde meninas, olhem para aquelas meninas lindas, que são depois mutiladas e mortas como esta criança foi, por miséria humana, vemos meninas lindíssimas, super sensuais, crianças, e, se olharem para essas meninas, no âmbito familiar, vocês vão ver o incómodo, a perturbação. Eu tenho uma amiga que se zangou comigo por causa do meu discurso, porque já tem 40 anos e ainda está fixa com o que ela sofreu, de menina… era ousada, atrevida, lindíssima, com uns cabelos fantásticos… e sofreu repressões do pai, do tio, … toda a gente a tratá-la mal, “Não vás assim…”
Ir contra a natureza selvagem e indómita da mulher, ir contra aquilo que a mulher tem no mais íntimo de si, que é o instintivo e o selvagem, é uma parte da natureza. Claro que é preciso ser educada, claro que é preciso ser protegida, mas não castrada. E tenho a certeza que não há aqui ninguém, nenhuma de nós, que não tenha sido ferida, tantas vezes, e algumas de morte por ser aquilo que os pais não querem, por ser aquilo que a sociedade não quer e de qualquer maneira não arranjou lugar nenhum, só se se vender ou submeter ao sistema, só se se sujeitar à ordem vigente em tudo, tudo, tudo, ou então disfarçar muito bem.
Algumas mulheres perguntam-me: “Então e depois de eu ter uma certa consciência de mim como mulher e conseguir conviver com essa mulher livre dentro de mim, que tem vontade de se expressar, como é que eu faço no emprego?”
Não atires à cara de ninguém, faz como as serpentes. Sê astuta. Não temos que…
Agora tenho outra amiga foi maltratada pela mãe, uma mulher cheia de fogo e de loucura, há muitos casos destes, até pela educação. Foi maltratada pelo marido, que terá sido preso e enfim…e vai fazer e vai-se vingar… Vai-se meter mais no mesmo. Ninguém ajuda nestes casos. A mulher está sozinha. E então, o que é que acontece? Fruto desta divisão, que foi uma divisão inteligentíssima, letal, dividiu-se a humanidade mulher em duas espécies de mulher que lutam uma contra a outra. Não há uma mulher que seja empática com a outra, estão sempre (entenda-se, a remorder/ criticar).
Como é que os homens sofrem, indiretamente, esta cisão das mulheres, entre casar com a menina séria, mas feia e chata, que o pai quer, ou casar com aquela gaja giríssima que ele viu ali na esquina. Também é um conflito, também é um problema, ele pode estar apaixonado por uma mulher proibitiva e vai ter de casar, como na Índia, como em todo o lado, com aquilo que foi uma encomenda, e vai ter que casar com a mulher séria, boa para o lar, que cuide dos filhos, que cuide da casa. Eu espero que os senhores não estejam muito incomodados com o meu discurso, porque o facto como os homens acabam por sofrer isto também é dramática, porque eles também sofrem ao longo da vida, e sofrem ainda muito mais, e é toda uma psicologia, uma psicose, toda uma neurose existencial coletiva, que é: os filhos da mãe e da puta. Não há pior ofensa, nem mágoa, para um homem do que ser chamado… porquê?
Essa cisão da mulher, em duas, que divide a mulher em duas espécies de mulheres, afeta o homem, indiretamente, porque ele ama a mãe, pelo menos a mãe, ele ama, à partida. E depois? Se a mãe não é realmente uma senhora? E é horrível. Eu conheço muita gente traumatizada, muita gente ferida, e aqui começam situações e cenas que a gente lê aqui e outros exemplos.
Basicamente, eu estou só a aflorar alguns aspetos, do meu discurso habitual, mas, sinceramente, eu não sou nada boa vendedora da cobra… da serpente… mas, sinceramente, aconselho o meu livro, porque este livro me ultrapassa e de facto tenho recebido sobretudo feedback de mulheres normais, digamos assim. Porque as inspiradas e mesmo as mulheres que se dizem do Sagrado e coisas assim… embora eu esteja de coração e alma com elas, porque na verdade até fui uma das pioneiras do começo, há vinte e tal anos, comecei com esta coisa do Sagrado Feminino, em Portugal não havia quase ninguém. Mas depois há toda uma consciência que se alrga...
Isto é, a Deusa não nos salva. Fia-te na virgem e não corras. Não é ninguém que nos salva. Somos cada um, homens e mulheres, que se salvam a si próprios. Portanto, a questão desta palestra ser a alma e a alquimia, é realmente aquilo que se está a perder. E queria saber o que se perdeu com o afastamento da mulher das profundezas, com essa mulher magnífica, magnânima, que era a mulher dos princípios, e eu pensava que a não conseguia localizar, e finalmente esta história da Pandora, da Caixa da Pandora, que eu vou investigar mais, a não ser que ela tenha mais alguma coisa para me dizer, para o próximo livro, é realmente a mulher primordial. E digo-vos, eu não sabia. Foi um risco poético, um título poético, a mulher primordial, que responde a todas estas dúvidas que eu vos suscitei. Não sou investigadora nem estudiosa, eu sou uma visionária da alma humana, devo ser uma alma muito velha e que teve este carma de vir falar para as mulheres acerca do feminino, porque as mulheres não falam delas.
Nesta Conferência da Deusa de 2022, percebi algo que me deixou muito triste… há 2 anos eram cerca de 200 mulheres, este ano foram cerca 60? E porquê? Porque cada uma delas que se julgou já com ”diploma” fez a sua própria “capelinha” (Espaços) onde são elas as mestras e, portanto, as mulheres nunca se juntam e continuam a dividir por coisas de nada e isso é lamentável.
(…)
Voltando, para terminar, à questão da anima, a mulher é anima, é a nossa alma, é a alma que anima o homem, não quer dizer que o homem não tenha alma, tem, Jung disse que era o animus, mas depois inverteu aqui os factores, baseado certamente na questão das polaridades a integrar e disse que o homem era a anima e que a mulher representava o animus, porque ele não sabia desta cisão, não sabia da mulher, tal como Freud não sabia da mulher, nem nada, ele próprio diz: “Ao fim de 30 anos, eu não sei o que é que a mulher quer”.
A história tem muito para nos ensinar.
A EXCELENTE TRANSCRIÇÃO DE AUDIO PARA ESCRITA FOI FEITA POR
FATIMA REMÉDIOS a quem agrdeço a disponibilidade e a fidelidade ao discurso...