O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

quarta-feira, julho 27, 2022

CONSCIÊNCIA E FERIDA DA MÃE




A FERIDA DA MÃE
 
"Uma das experiências mais duras que uma filha pode ter numa relação mãe/filha é perceber que a sua mãe investiu, de forma inconsciente, na sua pequenez. Para as mulheres nesta situação, é de partir o coração aperceberem-se que a pessoa que as deu á luz, de forma inconsciente, encara o seu empoderamento como uma perda para si própria. Em ultima análise, não é pessoal mas uma tragédia muito real da nossa cultura patriarcal que diz às mulheres que elas são “menos do que”. Todas desejamos ser reais, ser vistas de forma precisa, ser reconhecidas, e ser amadas pelo que realmente somos, na nossa completa e inteira autenticidade. Isto é uma necessidade humana. A verdade é que o processo de nos acedermos ao nossa nosso verdadeiro Ser envolve sermos desarrumadas, grandes, intensas, assertivas e complexas; tudo aquilo que o patriarcado retrata como sendo pouco atrativo na mulher.Historicamente, pois a nossa cultura tem sido hostil para com a ideia das mulheres como indivíduos de verdade. O patriarcado retrata a mulher atraente como a mulher que gosta de agradar, que procura aprovação, que cuida emocionalmente, que evita conflitos e é tolerante aos maus tratos. Até determinado ponto as mães passam esta mensagem às suas de filhas, de forma inconsciente, levando as filhas a criarem um falso Ser, geralmente sob a máscara da rebelde, da solitária ou, da boa rapariga. A mensagem principal é “tens de te manter pequena, de forma a seres amada”. Contudo, cada nova geração de mulheres vem com a fome de ser real. Poderemos dizer que a cada nova geração, o patriarcado está a enfraquecer e que a fome de ser Real está a fortalecer-se nas mulheres, e está de facto a começar a assumir uma certa urgência.
O anseio por ser Real e a ânsia de mãe. Isto representa um dilema para filhas criadas no patriarcado. O anseio para viver a sua verdadeira essência e o anseio de ser nutrida pela mãe tornam-se necessidades em competição; há um sentir que tem de se escolher entre elas. Isto acontece porque o teu empoderamento fica limitado ao nível que as crenças patriarcais foram interiorizadas pela tua própria mãe e ela espera que lhes correspondas. A pressão por parte da tua mãe para que te mantenhas pequena vem de duas fontes principais: 1) o grau a que ela interiorizou as crenças limitativas patriarcais da sua própria mãe, e 2) o nível da sua própria perda que resulta dela estar dissociada do seu verdadeiro Ser. Estas duas coisas estropiam a capacidade de uma mãe em iniciar a sua filha na sua própria vida. O preço de te tornares no teu verdadeiro Ser envolve, com frequência, algum nível de “ruptura” com a linha maternal. Quando isto acontece, estás a quebrar com as teias patriarcais internas da tua linha materna, o que é essencial para uma vida adulta saudável e empoderada. Isto normalmente manifesta-se em alguma forma de dor, ou conflito com a tua mãe. Rupturas com linha materna tomar várias formas: desde conflito e desentendimento até ao distanciamento e afastamento. É uma viagem pessoal e é diferente para cada mulher. Em última análise a ruptura está ao serviço da transformação e da cura. Faz parte do impulso evolucionário do acordar feminino estar mais conscientemente empoderada. É o nascimento da “mãe não patriarcal” e o início da verdadeira liberdade e individualização. Num dos extremos, para relacionamentos mãe/filha mais saudáveis, a ruptura pode causar conflito mas, serve de facto para fortalecer o laço e torná-lo mais autêntico. No outro extremo, para relações mãe/filha abusivas ou menos saudáveis, a ruptura pode despoletar feridas não sanadas na mãe, levando-a a atacar ou renegar completamente a sua filha. E em alguns casos, infelizmente, uma filha não verá outra hipótese a não ser manter a distância indefinidamente, para preservar o seu bem estar emocional. Aqui a mãe pode encarar a separação/ruptura como uma ameaça, não o resultado do teu desejo de crescimento, mas como uma afronta, um ataque pessoal e rejeição daquilo que ela É. Nesta situação, pode ser doloroso ver como o teu desejo de empoderamento, ou crescimento pessoal, pode levar a tua mãe encare-te como uma inimiga mortal. Nestes casos podemos ver de forma exacta o custo brutal que o patriarcado exerce no relacionamento mãe/filha. “Eu não posso ser feliz se a minha mãe for infeliz.” Já alguma vez te sentiste assim? Geralmente esta crença vem dor de ver a tua mãe sofrer das suas próprias privações interiores e da compaixão pela sua luta, sob o peso das demandas patriarcais. Contudo, quando sacrificamos a nossa própria felicidade pela da nossa mãe, estamos de facto a impedir a cura necessária que vem fazer o luto à ferida na nossa linha materna. Isso só irá manter a ambas, mãe e filha, aprisionadas. Não podemos curar as nossas mães e não podemos fazer com que nos vejam com exactidão, não importa o quão arduamente tentemos. O que traz a cura é o fazer o luto. Temos de chorar por nós próprias e pela nossa linha materna. Este pranto traz uma incrível liberdade. Com cada vaga de tristeza nós reconectamos-nos com as nossas partes que tivemos de renegar, por forma a sermos aceites pelas nossas famílias. Sistemas pouco saudáveis têm de ser rompidos por forma a encontrar um novo equilíbrio, mais saudável e de mais alto nível. É um paradoxo que curemos, de facto, a nossa linha materna quando cortamos com os padrões patriarcais na linha materna, não quando permanecemos cúmplices como forma de manter uma paz superficial. É necessário garra e coragem para nos recusarmos a compactuar com os padrões patriarcais que se mantêm há gerações nas nossas famílias. Permitirmos que as nossas mães sejam indivíduos liberta-nos a nós (como filhas) para sermos indivíduos. As crenças patriarcais alimentam uma diluição inconsciente, entre as mães e as filhas na qual só uma delas pode ser poderosa; é uma dinâmica de ou/ou baseada na escassez que as deixa a ambas desempoderadas. Para as mães que tenham sido particularmente privadas do seu próprio poder as filhas podem tornar-se “alimento” para a sua identidade atrofiada e um “saco” de despejo dos seus próprios problemas. Temos de deixar as nossas mães fazerem as suas próprias viagens e de deixarmos de nos sacrificar por elas. Estamos a ser chamadas a ser verdadeiros indivíduos, mulheres que se individuam das crenças do patriarcado e assumimos o nosso valor, sem vergonha. Paradoxalmente é a nossa individualidade plenamente assumida que vai contribuir para uma sociedade unificada, saudável e integra. Tradicionalmente as mulheres são ensinadas que é nobre carregar com o sofrimento dos outros; que o cuidar emocionalmente é um dever nosso e que devemos sentir-nos culpadas se nos desviamos desta função.
Neste contexto, a culpa não está relacionada com consciência mas com controle. Esta culpa mantém-nos diluídas nas nossas mães, esvaídas e ignorantes do nosso poder. Temos de perceber que não há uma causa real para a culpa. Este papel de cuidadoras emocionais nunca foi o nosso verdadeiro papel. É somente uma parte do nosso legado de opressão. Visto desta forma podemos parar de permitir que a culpa nos controle. Abster-se de cuidar emocionalmente e deixar que as pessoas vivenciem as suas próprias lições é uma forma de respeito pelo Eu e pelo Outro. O nosso excesso de funcionamento contribui para o desequilibro na nossa sociedade e desempodera activamente os outros, mantendo-os afastados da sua própria transformação. Temos de parar de carregar o peso dos outros. Fazemo-lo assumindo que é a mais pura futilidade. E temos de recusar-nos a ser guardiãs emocionais e depósitos de lixo daqueles que se recusam a fazer o trabalho necessário para a sua própria transformação. Contrariamente ao que nos foi ensinado, não temos de curar a nossa família inteira. Nós só temos de nos curar a nós próprios. Ao invés de te sentires culpada por não seres capaz de curar a tua mãe e os membros da tua família, dá a ti própria permissão para seres inocente. Fazendo isto estás a retomar a tua pessoalidade e a deixar de dar poder á ferida da mãe. Em consequência estás a devolver aos membros da tua família o próprio poder de vivenciarem a sua própria jornada. Esta é uma grande mudança energética que advém de conhecermos o nosso próprio valor, demonstrando-o na forma como nos mantemos no nosso poder, apesar dos apelos para o entregarmos a outros. O preço de nos tornarmos verdadeiras nunca é tão elevado como o preço de nos mantermos no falso Ser É possível que tenhamos reações da nossa mãe (e da nossa família) quando nos tornamos mais verdadeiras. Poderemos enfrentar mau humor, hostilidade, afastamento, ou difamação. As ondas de choque podem espalhar-se a todo o sistema familiar. E pode abanar-nos ver o quão rápido podemos ser rejeitadas, ou abandonadas quando deixamos de ser o motor de tudo e todos e incorporamos o nosso verdadeiro Ser. Contudo, esta verdade tem de ser vista e a dor suportada se queremos tornar-nos realmente verdadeiras. Por este motivo é essencial ter ajuda. No artigo “Mindfulness and the Mother Wound” (Consciência e a Ferida da Mãe) Philipp Moffitt descreve as quarto funções de uma mãe. Nutridora, Protectora, Empoderadora e Iniciadora. Moffitt afirma que o papel de Iniciadora “é o mais altruísta de todos os aspectos, porque está a encorajar uma separação que a vai deixar desprovida (de filha).”Esta função é profunda, mesmo para uma mãe que tenha sido completamente honrada e apoiada na sua própria vida, mas quase impossível para mães que tenham passado por grandes tormentos e não tenham curado suficientemente as suas próprias feridas. O patriarcado limita severamente a mãe na sua capacidade de iniciar a filha na sua própria pessoalidade, porque no patriarcado, a mãe foi privada de si própria. Configura a sua filha para a auto-sabotagem , o seu filho para a misoginia e o desrespeito pelo solo sagrado do qual viemos, a própria terra. É precisamente esta função como mãe que “proporciona a iniciação” que lança a filha para a sua própria e incomparável vida, mas este papel só é possível na medida em que a mãe tenha experienciado, ou encontrado a sua própria iniciação. Mas o processo de separação saudável entre mãe e filha é grandemente frustrado numa cultura patriarcal.
O problema reside no facto de maior parte das mulheres viverem uma vida inteira á espera que as suas mães as iniciem na sua própria vida, quando as suas mães são incapazes de lhes providenciar isto. É muito comum assistirmos ao adiamento do luto da ferida materna, com as mulheres a voltarem constantemente à “fonte seca” das suas mães, em busca da permissão e do amor que as suas mães absolutamente não têm a capacidade de lhes dar. Ao invés de fazer o luto completo, as mulheres tendem a culpar-se, o que as mantém aprisionadas. Temos de carpir a incapacidade das nossas mães de nos iniciarem e embarcar de forma consciente na nossa própria iniciação.
A ruptura é de facto sinal de um impulso evolucionário para nos distanciarmos dos enredos patriarcais da nossa linha materna, quebrar com a nossa inconsciente diluição nas nossas mães, fomentada pelo patriarcado e tornarmo-nos iniciadas na nossa própria vida.
Em última instância este luto cede lugar à compaixão e gratidão genuínas para com a nossa mãe e as mães que as antecederam.
É importante percebermos que não estamos a rejeitar as nossas mães quando rejeitamos as suas crenças patriarcais que dizem nos devemos manter pequenas para sermos aceites.
O que estamos de facto a fazer é reclamar a nossa força vital aos padrões impessoais e limitativos que mantiveram as mulheres reféns durante séculos.
Cria um espaço seguro para a necessidade de mãe. Apesar de sermos mulheres adultas ainda temos necessidade de mãe. O que pode ser devastador é sentir esta necessidade de mãe e saber que a tua própria mãe não consegue preencher esta necessidade, apesar de ter tentado o seu melhor. É importante encarar este facto e fazer o luto. A tua necessidade é sagrada e deve ser honrada. Permitir abrir espaço para este luto é uma parte importante do processo de seres uma boa mãe para ti própria. Se não carpirmos a nossa necessidade de cuidados maternais directamente, ela vai infiltrar-se inconscientemente nos nossos relacionamentos, causando dor e conflitos.
O processo de cura da ferida materna consiste em encontrar a tua própria iniciação para dentro do poder e propósito da tua própria vida. Isto não é um trabalho de auto empoderamento de pouca importância. Curar a ferida de mãe é essencial e fundamental; é um trabalho de qualidade em profundidade, que te vai transformar ao nível mais profundo e te vai libertar, como mulher, dos grilhões centenários que herdaste da tua própria linha materna. Temos de nos desintoxicar dos fios patriarcais na nossa linha materna, por forma a podermos assumir na nossa própria mestria.
Do papel da “Mãe como iniciadora”, o Moffitt diz:

 “Este poder de iniciar está associado com o Shaman, a Deusa, o Mago e a Mulher Medicina”. Á medida que mais e mais mulheres curam a ferida materna e consequentemente assumem firmemente o seu poder, encontramos finalmente a iniciação que procurávamos. Tornamo-nos capazes de iniciar, não só as nossas filhas, mas também a nossa cultura como um todo que está a passar por uma transformação massiva. Estamos a ser chamadas a procurar nas nossas entranhas aquilo que não recebemos. À medida que reclamamos a nossa própria iniciação por forma a curar a ferida materna, juntas como um todo, encarnamos progressivamente a Deusa que deu à luz um mundo novo."

Bethany Welsster



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