O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

sábado, julho 31, 2004

Era meia-noite e na marginal a lua plena e azul sobre o mar...
Apetecia parar o carro e sentar-me na praia ou correr mar a dentro até chegar aquela Lua azul acima do horizonte e que tingia a noite do seu manto estelar...

Não queria vir para casa e ter de me fechar entre paredes...mas pernoitar sem medos naquela imensidão azul a pairar e apelar para forças imemoriais... dançar nua no rebentar branco nas ondas, orar à Grande Deusa e deixar-me levar...
Libertar-me das amarras de uma civilização que nos escraviza e faz esquecer a origem da vida e a beleza da natureza Mãe...



(...)
"A Lua Azul é regida pela Matriarca da 13º Lunação.

Ela é "aquela que se torna a visão", a guardiã de todos os ciclos de transformação, a mãe das mudanças. Essa matriarca nos ensina a importância de seguir nosso caminho sem nos deixar desviar por ilusões que possam vir a interferir em nossas visões. Cada vez que nos transformamos, realizando nossas visões, uma nova perspectiva e compreensão se abre, permitindo-nos alcançar outro nível na eterna espiral da evolução do espírito. A última visão a ser alcançada é a decisão de simplesmente SER. Sendo tudo e sendo nada, eliminamos os rótulos e definições que limitam nossa plenitude.

Para celebrar a Lua Azul, dê preferência a cores azuis nas roupas, flores, pedras, velas e utilize músicas com sons da natureza e permita que sua criatividade e intuição levem-no ao Reino das Fadas ou ao encontro das Deusas Lunares. Olhe fixamente para a Lua, eleve seus braços e puxe sua luz para a sua testa, seu coração e seu ventre. Conecte-se, em seguida, à Matriarca, pedindo-lhe orientação sobre as mudanças necessárias para alcançar uma real transformação. Permaneça depois, em silêncio e ouça as mensagens e respostas ecoando em sua mente ou alegrando seu coração."

(Texto enviado via internet pelo Maestro do Coral PAX Antonio Velozo )

quinta-feira, julho 29, 2004

"Todo o criador é a três quartos um "destruidor". Cria-se sempre "contra" alguém ou alguma coisa. Todo o criador é "perverso".
E.M.Cioran


Vão orgulho

Neste mundo vaidoso o amor é nada,
É um orgulho a mais outra vaidade
A coroa de louros desfolhada
Com que se espera a eternidade.

Ser Beatiz, Natércia. Irrealidade!
Mentira...Engano de alma desvairada...
Onde está desses braços a verdade,
Essa fogueira em cinzas apagada?...

Mentira! Não te quis..não me quiseste...
Efluvios subtis de um bem celeste?
Gestos, palavras sem nenhum condão...

Mentira, não fui tua não...Somente
Quis ser mais do que sou, mais do que gente,
No alto do orgulho de o ter sido em vão



In Reliquiea
Florbela Espanca
A ESCRITA E A SOLIDÃO

“Escrever é defender a solidão em que se está; é uma acção que brota somente de um isolamento afectivo, mas de um isolamento comunicável, em que, exactamente, pela distância de todas as coisas concretas, se torna possível um descobrimento de relações entre elas.
Mas é uma solidão que necessita de ser defendida, que é o mesmo que necessitar de justificação. O escritor defende a sua solidão, mostrando o que nela e unicamente nela, encontra.

Se há um falar, porquê o escrever?

Mas o imediato, o que brota da nossa espontaneidade, é algo pelo qual inteiramente não nos fazemos responsáveis, porque não brota da totalidade íntegra da nossa pessoa; é uma reacção sempre urgente, premente. Falamos porque algo nos compele e a ordem que nos é dada vem de fora, de uma armadilha em que as circunstâncias pretendem caçar-nos, e a palavra livra-nos dela. Pela palavra tornamo-nos livres, livres do momento, da circunstância assediante e instantânea. Mas a palavra não nos recolhe, nem, portanto, nos cria e, pelo contrário, o muito uso que dela fazemos produz sempre uma desagregação; vencemos pela palavra o momento e depois somos vencidos por ele, pela sucessão dos momentos que vão levando consigo o nosso ataque sem nos deixar responder. É uma contínua vitória que, por fim, se converte em derrota.

E dessa derrota, derrota íntima, humana, não de um homem particular, mas do ser humano, nasce a exigência de escrever.
Escreve-se para reconquistar a derrota sofrida sempre que falámos longamente.”


María Zambrano (1904-1991)
A Metáfora do Coração (e outros escritos)

"Entre o Aborrecimento e o Êxtase desenrola-se
toda a nossa experiência do tempo"


"Não sou um escritor, sou alguém que busca; conduzo um combate espiritual;
espero que o meu espírito se abra a uma luz qualquer que não tenha nome nos nossos idiomas."



e.m. cioran

quarta-feira, julho 28, 2004

GOSTO DOS LIVROS, SOBRETUDO... E GATOS!

MULHERES & DEUSAS

É sem dúvida muito estimulante de cada vez que nos deparamos com comentários e saber do interesse e apoio dos leitores; ainda que anónimos a maioria e desconhecidos, há uma espécie de nova amizade que circula entre os criadores destas páginas e que se visitam mais ou menos diariamente.

Há momentos ou dias em que até penso que este é um trabalho inútil pois estive já várias vezes para desistir, mas um inesperado comentário traz-me a consciência de como a comunicação do que verdadeiramente sentimos e acreditamos acaba a curto ou longo prazo por ter eco.

Não escrevo muito sobre mim, nem acrescento muito da minha lava, mas os textos, poemas e excertos escolhidos refletem o que sinto e acredito para além da forma e das palavras. Pugno por uma verdade de qualidade ao nível da alma e do coração embora resvale algumas vezes para as questões políticas e sociais algumas e raras vezes sobretudo no que concerne os direitos e deveres da Mulher que é sem sombra de dúvida o meu empenho máximo.

Escrevo para alertar a Mulher da Verdadeira Dimensão (ontológica) do seu ser e de uma consciência superior, CÓSMICA - UMA MENTE ALARGADA - assim como da urgência de um mundo justo e equalitário, de paridade, mas com a integração do Princípio Feminino e não a mulher aliada ao princípio masculino na política e na guerra ou na sociedade, contra a própria mulher e alheia da sua profunda identidade!

Por tudo isto aprecio quer os homens sensiveis que por aqui passam e me deixam um incentivo, como dou a maior relevância às mulheres que se sentem em sintonia com o meu trabalho.

Neste sentido gostaria mesmo que as mulheres que por acaso façam trabalho nesta área ou simpatizem com ela ou ainda conheçam grupos de mulheres ou mulheres isoladas neste País que pensam por si e querem unir-se nesta consciência premente do Feminino e da Grande-Mãe e DEUSA, me escrevessem.

ESCREVAM-ME E DIGAM-ME A VOSSA SINCERA OPINIÃO.

segunda-feira, julho 26, 2004

Serei compreendido só em éfígie

"Penso às vezes, com um deleite triste, que se um dia, num futuro a que eu já não pertença, estas frases, que escrevo, durarem com louvor, eu terei enfim a gente que me «compreenda», os meus, a família verdadeira para nela nascer e ser amado. Mas, longe de eu nela ir nascer, eu terei já morrido há muito. Serei compreendido só em éfígie, quando a afeição já não compense a quem morreu a só desafeição que houve, quando vivo.

Um dia talvez compreendam que cumpri, como nenhum outro, o meu dever-nato de intérprete de uma parte do nosso século; e, quando o compreendam, hão-de escrever que na minha época fui incompreendido, que infelizmente vivi entre desafeições e friezas, e que é pena que tal me acontecesse. E o que escrever isto será, na época em que o escrever, incompreendedor, como os que me cercam, do meu análogo daquele tempo futuro. Porque os homens só aprendem para uso dos seus bisavós, que já morreram. Só aos mortos sabemos ensinar as verdadeiras regras de viver."


O Livro do Desassossego - Fernando Pessoa



O LIVRO TIBETANO
DA VIDA E DA MORTE


Planear o futuro é como ir à pesca num lago seco;
Nada funciona como pretendes e por isso desiste
dos teus planos e ambições.
Se queres, na verdade, pensar em qualquer coisa,
Pensa na incerteza da hora da tua morte...


"As nossas vidas parecem gastar-nos, parecem possuir um momentum próprio, arrastando-nos consigo. No fim descobrimos que não temos escolha ou domínio sobre elas. Claro que,por vezes, nos sentimos mal por causa disso, temos pesadelos e acordamos a suar, interrogando-nos: "Que ando aqui a fazer com a minha vida?" Todavia, os nossos receios duram apenas até ao pequeno-almoço. A seguir pegamos na mala...e volta tudo ao princípio."


Sogyal Rinpoche

PREFÁCIO - EDITORA

domingo, julho 25, 2004

MINHA ALMA ESTÁ CANSADA DA MINHA VIDA...


"Tanta inconsequência em querer bastar-me! Tanta consciência sarcástica das sensações supostas! Tanto enredo da alma com as sensações, dos pensamentos com o ar e o rio, para dizer que me dói a vida no olfacto e na consciência, para não saber dizer, como na frase simples e ampla do Livro de Job, «Minha alma está cansada de minha vida!"

LIVRO DO DESASSOSSEGO - Fernando Pessoa


OLHEM PARA MIM...

(...) Estava tão cansada de não atribuir culpas às pessoas, que já não sabia a quem essas culpas deveriam caber.
(...)
É claro que podia não acontecer. Uma coisa logo que conhecida, jamais poderá ser desconhecida. Apenas poderá ser esquecida. E, na medida em que domina o tempo enquanto puder ser lembraada, indicará o futuro. Compreendo agora que embora fique sentada no meu quarto, a envelhecer, sozinha, tenho de viver com esse conhecimento. O telefone pode tocar, esta noite, ou amanhã: já não importa. Alguém pode dedicar-me um pensamento, talvez...


In “olhem para mim” – de Anita Brookner

NOTA À MARGEM:

Uma pessoa que empreste um livro por si sublinhado dá-se sempre a conhecer intimamente a alguém que o lê inadvertidamente...
Senti esse receio quando acabei de emprestar um livro que tinha lido há muitos anos e de que já nem lembrava do que tratava...
Quando a pessoa me devolveu o livro, disse-me que tinha tomado a liberdade de sublinhar um pouco mais do que eu já fizera e disse-o com alguma cumplicidade, o que de facto gerou uma certa afinidade...
Justamente a propósito deste livro que li há mais de desasseis anos...OLHEM PARA MIM...

Sim, OU LEIAM-ME:

Todos queremos comunicar ou ser lidos, mesmo que digamos escrever só para nós como eu hoje li algures num Blogue...
Solitários ou vaidosos, convencidos ou simplesmente humanos, mais humildes e sem capas, ainda que invisíveis aos olhos de quem nos lê, tal como ao ler um livro, temos direito a um espaço, ainda que virtual, de nos expressarmos e sermos até mais sinceros ou íntimos DO QUE PESSOALMENTE O SOMOS COM OS CONHECIDOS e que por acaso pode até encontrar eco em alguém e criam-se assim laços invisíveis entre seres ocultos que somos todos uns para os outros através das palavras que deixamos aqui...
A questão é saber se na realidade somos mais próximos ou mais distantes uns dos outros do que invisíveis aos olhos dos demais neste espaço aqui só para nós onde em princípio ninguém sabe quem somos...



sexta-feira, julho 23, 2004

SILÊNCIO PORQUE JÁ NÃO SE TOCA GUITARRA...



Porque será que só se presta homenagem aos génios depois de mortos?
Cada dia que passa Portugal está mais pobre...e adoece...
Parece que as almas nobres se cansam de lutar e morrem de desgosto neste mundo virtual e de mentira...



O Livro do Desassossego

Composto por Bernardo Soares, ajudante de guarda-livros na cidade de Lisboa



"Desde o meio do século dezoito que uma doença terrível baixou progressivamente sobre a civilização. Dezassete séculos de aspiração cristã constantemente iludida, cinco séculos de aspiração pagã perenemente postergada – o catolicismo que falira como cristismo, a renascença que falira como paganismo, a reforma que falira como fenómeno universal. O desastre de tudo quanto se sonhara, a vergonha, de tudo quanto se conseguira, a miséria de viver sem vida digna que' os outros pudessem ter connosco, e sem vida dos outros que pudéssemos dignamente ter.

Isto caiu nas almas e envenenou-as. O horror à acção, por ter de ser vil numa sociedade vil, inundou os espíritos. A actividade superior da alma adoeceu; só a actividade inferior, porque mais vitalizada, não decaiu; inerte a outra, assumiu a regência do mundo."

A OPERETA

"O governo do mundo começa em nós mesmos. Não são os sinceros que governam o mundo, mas também não são os insinceros. São os que fabricam em si uma sinceridade real por meios artificiais e automáticos; essa sinceridade constitui a sua força, e é ela que irradia para a sinceridade menos falsa dos outros. Saber iludir-se bem é a primeira qualidade do estadista. Só aos poetas e aos filósofos compete a visão prática do mundo, porque só a esses é dado não ter ilusões. Ver claro é não agir."

(...)
Uma opinião é uma grosseria, mesmo quando não é sincera.

Toda a sinceridade é uma intolerância. Não há liberais sinceros. De resto, não há liberais.


"Que tragédia não acreditar na perfectibilidade humana!...

- E que tragédia acreditar nela!"


FERNANDO PESSOA

quinta-feira, julho 22, 2004



E eis que o meu mal me domina. Sou ainda a cruel rainha dos medas e dos persas e sou também uma lenta evolução que se lança como ponte levadiça a um futuro cujas névoas leitosas já respiro. Minha aura é de mistério de vida. Eu me ultrapasso abdicando de meu nome, e então sou o mundo. Sigo a voz do mundo com voz única.

Ouve-me, ouve o meu silêncio. O que falo nunca é o que falo e sim outra coisa. Quando digo “águas abundantes” estou falando da força do corpo nas águas do mundo. Capta essa outra coisa de que na verdade falo porque eu mesma não posso. Lê a energia que está no meu silêncio. Ah tenho medo de Deus e do seu silêncio.
(...)

Não sei sobre o que estou escrevendo: sou obscura para mim mesma. Se tive inicialmente uma visão lunar e lúcida, e então prendi para mim o instante antes que ele morresse e que perpetuamente morre. Não é um recado de ideias que te transmito e sim uma instintiva volúpia daquilo que está escondido na natureza que adivinho. (...)


in ÁGUA VIVA - Clarice Lispector

quarta-feira, julho 21, 2004

"FALAR É TER DEMASIADA CONSIDERAÇÃO PELOS OUTROS.
PELA BOCA MORRE O PEIXE E OSCAR WILDE."

Fernando Pessoa


" Eis que de repente vejo que há muito não estou entendendo. O gume da minha faca está ficando cego? Parece-me que o mais provável é que não entendo porque o que vejo agora é difícil: estou entrando sorrateiramente em contacto com uma realidade nova para mim que ainda não tem pensamentos correspondentes e muito menos ainda alguma palavra que a signifique: é uma sensação atrás do pensamento.
(...)

E eis que sinto que em breve nos separemos. Minha verdade espantada é que sempre estive só de ti e não sabia. Agora sei: sou só. Eu e minha liberdade que não sei usar. Grande responsabilidade da solidão. Que as vezes extasia como diante de fogos de artifício. Sou só e tenho que viver uma certa glória íntima que a solidão pode se tornar em dor. E a dor, silêncio. Guardo o seu nome em silêncio. Preciso de segredos para viver."


in ÁGUA VIVA - Clarice Lispector
A NOSSA HISTÓRIA NÃO CONTADA...
PARA QUE NÃO ESQUEÇAMOS NUNCA


HIPÁCIA DE ALEXANDRIA,
UMA DAS MAIS SÁBIAS MULHERES DO MUNDO


- "os monges cristãos cortaram barbaramente em pedaços, usando conchas de ostra, essa notável matemática, astrónoma e filósofa da escola de filosofia platónica de Alexandria que era Hipácia."
(...)
"E tão completa foi a destruição de todo o conhecimento existente, incluíndo a queima maciça de livros, que ela extravasou mesmo a Europa, chegando até onde quer que alcançasse a autoridade cristã.


Assim em 391 d.C., sob Teodósio I, os cristãos, agora completamente androcratizados, queimaram a grande biblioteca de Alexandria, um dos últimos repositórios da sabedoria e conhecimentos antigos. E, ajudados e abençoados por um homem que mais tarde seria canonizado como São Cirilo (o bispo cristão de Alexandria), os monges cristãos cortaram barbaramente em pedaços, usando conchas de ostra, essa notável matemática, astrónoma e filósofa da escola de filosofia platónica de Alexandria que era Hipácia. Pois esta mulher, então conhecida como uma das maiores eruditas de todos os tempos era, segundo Cirilo, uma mulher iníqua que chegara ao cúmulo de se atrever, contra os mandamentos divinos a ensinar homens”.

“Os escritos oficialmente sancionados, os dogmas paulistas reafirmavam autoritariamente serem as mulheres, e tudo quanto se rotula de feminino, inferiores e tão perigosas que deviam ser estritamente controladas.
(...)
No essencial, porém, o modelo para as relações humanas proposto por Jesus, no qual homens e mulheres, ricos e pobres, gentios e judeus, formam um todo, foi expurgado da ideologia assim como das práticas da Igreja Ortodoxa.”


LER O LIVRO: "O CÁLICE E A ESPADA" - de Riane Eisler

terça-feira, julho 20, 2004

REPUBLICANDO TEXTOS...


“NÃO HÁ CRIAÇÃO SEM DOR, PODE TER-SE MAIS OU MENOS CONSCIÊNCIA DISSO, DEPENDENDO DO TIPO DE PROFUNDIDADE QUE SE ATINJA OU PROCURE ATINGIR. O MEU TRABALHO TEM UMA DIMENSÃO METAFÍSICA E ESSA TEM DE SER NECESSÁRIAMENTE DOLOROSA”.


“Senti-me sempre profundamente mulher. A mulher é muito diferente do homem. O criador não tem sexo, porém a criatividade não tem nada a ver com isso: há, no entanto, um carácter específico da personalidade feminina. Nisso sou exemplo típico. As mulheres são mais audaciosas. Mesmo caladas, e se analisarmos bem a História, são audazes. A mulher é muitíssimo mais forte, e eu sou uma mulher muito forte, porque faço da minha fragilidade força”.

(...)
Talvez o seu corpo astral esteja ferido. E se chorar cair-lhe-á dos olhos uma lágrima invisível porque o corpo é o leito onde dormimos permanentemente até ao momento de sabermos que estamos sempre abertos para a cegueira irreal, a única verdadeira.
E se o deslumbramento cessa, cessa o canto."

(In SIGMA - 1965)

ANA HATHERLY

segunda-feira, julho 19, 2004

"Nós nunca nos realizamos.
Somos dois abismos – um poço fitando o Céu."


- Este espaço virtual onde raras (ou muitas) pessoas chegam, anónimas e indiferentes quase sempre, de passagem, por ócio ou vazio: abrem uma página rápida às vezes sem nada ler e que serve apenas para passar o tempo morto de solidão e talvez na expectativa inconsciente de um eco remoto, de uma palavra milagre...
Busca incessante de algo em nós por colmatar e que nunca se preenche no ecran...nem mesmo na mais bela prosa ou poesia...
Mas...

“Tudo isto é sonho e fantasmagoria, e pouco vale que o sonho seja lançamentos como prosa de bom porte. Que serve sonhar com princesas, mais que sonhar com a porta da entrada do escritório? Tudo que sabemos é uma impressão nossa, e tudo que somos é uma impressão alheia, melodrama de nós, que, sentindo-nos, nos constituímos nossos próprios espectadores activos, nossos deuses por licença da Câmara.”F.Pessoa.

Penso às vezes que nunca sairei da Rua dos Douradores. E isto escrito, então, parece-me a eternidade.

Não o prazer, não a glória, não o poder: a liberdade, unicamente a liberdade.

Passar dos fantasmas da fé para os espectros da razão é somente ser mudado de cela. A arte, se nos liberta dos manipansos* assentes e obsoletos, também nos liberta das ideias generosas e das preocupações sociais – manipansos também.

Encontrar a personalidade na perda dela – a mesma fé abona esse sentido de destino.


in O livro do Desassossego - Fernando Pessoa

*Manipansos =idolo africano. Qualquer boneco de mau aspecto. Gorducho.

domingo, julho 18, 2004



MILHÕES DE ALMAS SUBMISSAS...

Escrevo, triste, no meu quarto quieto, sozinho como sempre tenho sido, sozinho como sempre serei. E penso se a minha voz, aparentemente tão pouca coisa, não encarna a substância de milhares de vozes, a fome de dizerem-se de milhares de vidas, a paciência de milhões de almas submissas como a minha ao destino quotidiano, ao sonho inútil, à esperança sem vestígios. Nestes momentos meu coração pulsa mais alto por minha consciência dele. Vivo mais porque vivo maior. Sinto na minha pessoa uma força religiosa, uma espécie de oração, uma semelhança de clamor. Mas a reacção contra mim desce-me da inteligência...

Vejo-me no quarto andar alto da Rua dos Douradores, assisto-me com sono; olho, sobre o papel meio escrito, a vida vã sem beleza e o cigarro barato que a expender estendo sobre o mata-borrão velho. Aqui eu, neste quarto andar, a interpelar a vida!, a dizer o que as almas sentem!, a fazer prosa como os génios e os célebres! Aqui, eu, assim!...


o livro do desassossego - fernando pessoa

sábado, julho 17, 2004

A NOSSA PÁTRIA ESTAVA DEMASIADO LONGE PARA ROSAS
F.PESSOA


... ERAM ROSAS SENHORA?
DA UTOPIA E DO SONHO À FARSA...
DO REAL AO VIRTUAL

(A realidade histórica portuguesa)

"O QUE É O HISTÓRICO? O QUE É QUE ATRAVÉS DA HISTÓRIA SE FAZ E DESFAZ, ACORDA E ADORMECE, APARECE PARA DESAPARECER? SERÁALGO SEMPRE OUTRO, OU ALGO SEMPRE O MESMO POR DETRAS DE QUALQUER ACONTECIMENTO?"
in O homem e o divimo – maria zambrano

LEIA A MINHA VEIA POLÍTICA EM ABERTO...
EM MELUSINE

"A longo prazo o tempo favorece as nações acorrentadas que, concentrando forças e ilusões, vivem no futuro, na esperança; mas que esperar ainda em liberdade? Ou no regime que a incarna, feito de dissipação, de tranquilidade e de amolecimento? Maravilha que nada tem a oferecer, a democracia é ao mesmo tempo o paraíso e a sepultura de um povo. A vida só através dela tem sentido; mas ela tem falta de vida...Felicidade imediata, desatre iminente – inconsitência de um regime ao qual não aderimos sem nos rasgarmos nos ferros de um dilema que atormenta."

in HISTÓRIA E UTOPIA de E.M. CIORAN

sexta-feira, julho 16, 2004

RETRATO DA ALMA...(enquanto espera...)

Barry Sharplin
A capacidade de desistência..

(...)
“A capacidade de desistência constitui o único critério do progresso espiritual: é só quando as coisas nos deixam, é só quando as deixamos que acedemos à nudez interior, a esses extremos em que paramos de nos prender a este mundo e a nós próprios, e onde a vitória significa demitir-nos, recusarmo-nos com serenidade, sem remorsos e sobretudo sem melancolia; porque a melancolia, por discreta e aéreas que as suas aparências sejam, continua ainda revelar ressentimento: é uma cisma com o zelo do azedume, o ciúme mascarado de desfalecimento, um rancor vaporoso.

Enquanto permanecemos sujeitos, em nada desistimos de nós, atolamo-nos no “eu”, sem contudo nos desprendermos dos outros, nos quais pensamos tanto mais quanto menos tivermos conseguido desapropriarmo-nos de nós próprios. No preciso momento em que nos prometermos vencer a vingança, sentimo-la impacientar-se como nunca no nosso íntimo, pronta a atacar. As ofensas “perdoadas” põem-se de súbito a clamar por reparação, invadem as nossas vigílias e, mais ainda, os nossos sonhos, convertem-se em pesadelos, mergulham tão fundo nos nossos abismos que acabam por formar a sua fibra. Se assim é, de que serve representarmos a farsa dos sentimentos nobres, apostar numa aventura metafísica, ou contar com um resgate?
(...)
Quanto mais nos ocupamos das nossas feridas, mais elas nos parecem inseparáveis da nossa condição de não-libertos. O máximo de desprendimento a que podemos aspirar é o de ficarmos numa posição equidistante da vingança e do perdão, no centro de um ressentimento e de uma generosidade em igual medida frouxos e vazios, porque destinados a neutralizarem-se entre si. Mas nunca conseguiremos despojar o homem velho, ainda que levássemos o horror por nós próprios ao ponto de renunciarmos para sempre a ocupar fosse que lugar fosse na hierarquia dos seres.


HISTÓRIA E UTOPIA
E.M.Cioran


NOTA À MARGEM:
Se eu fosse minimamente coerente com as notas que transcrevo, nunca mais abria ou escrevia nesta página....mas como já não vejo televisão e recuso-me a ler os jornais...





Rui...já consegui por as rosas...para si, obrigada!

 
A NOSSA PÁTRIA ESTAVA DEMASIADO LONGE PARA ROSAS 
 
Foi num mar interior que o rio da minha vida findou. À roda do meu solar sonhado todas as árvores estavam no outono. Esta paisagem circular é a coroa-de-espinhos da minha alma. Os momentos mais felizes da minha vida foram sonhos, e sonhos de tristeza, e eu via-me nos lagos deles como um Narciso cego, que gozasse a frescura próximo da água, sentindo-se debruçado nela, por uma visão anterior e nocturna, segredada às emoções abstractas, vivida nos recantos da imaginação com um cuidado materno em preferir-se.

Os teus colares de pérolas fingidas amaram comigo as minhas horas melhores. Eram cravos as flores preferidas, talvez porque não significavam requintes. Os teus lábios festejavam sobriamente a ironia do seu próprio sorriso. Compreendias bem o teu destino? Era por o conheceres sem que o compreendesses que o mistério escrito na tristeza dos teus olhos sombreara tanto os teus lábios desistidos. A nossa Pátria estava demasiado longe para rosas.
 
Nas cascatas dos nossos jardins a água era pelúcida de silêncios. Nas pequenas cavidades rugosas das pedras, por onde a água escolhia, havia segredos que tivéramos quando crianças, sonhos do tamanho parado dos nossos soldados de chumbo, que podiam ser postos nas pedras da cascata, na execução estática duma grande acção militar, sem que faltasse nada aos nossos sonhos, nem nada tardasse às nossas suposições.

Sei que falhei. Gozo a volúpia indeterminada da falência como quem dá um apreço exausto a uma febre que o enclausura.
Tive um certo talento para a amizade, mas nunca tive amigos, quer porque eles me faltassem, quer porque a amizade que eu concebera fora um erro dos meus sonhos. Vivi sempre isolado, e cada vez mais isolado, quanto mais dei por mim.


O LIVRO DO DESASSOSSEGO - Fernando Pessoa


quinta-feira, julho 15, 2004

PODE ALGUÉM SER O QUE NÃO É?

“Já não se pode com imagens fabricadas, com poses enfatuadas, com jogos de palavras a fazer de conta que se é o que se não é, que se pensa o que não se pensa ou que se vai fazer o que nunca se fez. Falta autenticidade, falta sinceridade, falta política com pessoas reais e sem maquilhagem, falta coerência, falta verdade.

Falta gente como Maria de Lurdes Pintasilgo.
Falta-nos ela, tanto.”


Joaquim Fidalgo -CRER PARA VER
In Público 2004-07-14



- EM PORTUGAL GRASSA - COMO UMA DOENÇA - A MENTIRA DESPUDORADA E A HIPOCRISIA INSTITUCIONAL. TEMOS UM GOVERNO DE FICÇÃO E UMA VIDA POLÍTICA DE SIMULACRO. O PODER FALOCRÁTICO NO SEU PIOR.
FALTAM AS MULHERES E A SUA PALAVRA DE AUTENTICIDADE, A SUA SINCERIDADE, QUANDO NÃO ESTÃO CONVERTIDAS E AO SERVIÇO DO PODER DOS HOMENS! .

AS MULHERES COMO DEUSAS

As mulheres devem estar conscientes da sua natureza sagrada de Deusas, o chamamento de glória inerente aos humanos. Somos filhas da História e Mães de um Novo Mundo. Não é altura de renunciarmos ao nosso poder. É tempo de o reivindicar, em nome do amor.

AS MULHERES NA POLÍTICA

A eleição de mulheres para cargos políticos não garante, por si só, a expressão de uma voz femionina no exterior. Quando acedem ao poder, as mulheres podem ser tentadas a conspirar com o sistema paternalista que lhes concedeu, de forma tão magnânima, um lugar à mesma mesa. Sentem-se compelidas a transformar-se em homens de poder no meio de homens de poder. Só quando as mulheres enfrentam o mundo para expressar uma genuína inteligência equilibrada em compaixão, representando não apenas as mulheres mas o esforço que todos os seres humanos fazem para recuperar os seus sentimentos perdidos, haverá uma verdadeira libertação da Deusa enclausurada

in O VALOR DE UMA MULHER de Marianne Williamson

quarta-feira, julho 14, 2004

A DIFERENÇA ENTRE SEXOS

“O género humano tornou-se homogéneo do ponto de vista da cidade e das funções sociais que a constituem, mas, no seu seio, a oposição feminino-masculino subsiste, reduzida doravante à diferença entre uma melhor maneira para os homens e uma menos boa maneira para a mulheres de realizar cada uma das tarefas comuns aos dois sexos. Do ponto de vista conceptual, a imagem da mulher não ganha nada senão a ver-se sistematicamente amesquinhada.”(...)

in A alma é um corpo de Mulher - Giula Sissa



A MISOGINIA CRESCENTE NA POLÍTICA
E NOS JORNAIS NACIONAIS


COMO as mulheres são tratadas quer pelos jornalistas e colegas de partidos...

Qualquer mulher que não tenha um discurso “masculinizado” (usando objectivamente sempre a cabeça e a razão....) e que não fale “o politicamente correcto” imposto tacitamente pelos partidos e as suas políticas de contenção verbal e hipocrisia ideológica e não sejam por isso cordatas e condicentes com os seus líderes e chefes, são invariavelmente renegadas ou arrasadas como o é o flagrante caso de Ana Gomes sempre que fala ou mesmo Odete Santos, e que exemplifico neste excerto de artigo de um tal João Miguel Tavares, no Diário de Notícias de ontem, intitulado:

“O pescoço de Sampaio”:

..."Quer a fuga de Ferro Rodrigues, quer as declarações de Ana Gomes, cada vez mais a Odete Santos do P.S. e da qual esperamos ansiosamente uma investida no teatro de revista..."

(...)
AS MULHERES DE HOJE já não são queimadas nas “Fogueira da Inquisição”, (e o Papa até já pediu perdão pelos crimes da mesma...) mas são-no no plano político e social... por estes mesmos políticos e jornalistas que assim as denigrem e se puderem contribuem para a sua “mudança” - como sugere este rapaz da Geração 70 - para a Revista (deve ser um rapaz paradoxalmente muito sensível de ouvidos...) e se pudessem, como sugeria também um nosso ministro (o das cotas para os homens em medicina) que as mulheres voltassem todas para as lides caseiras e a tomar contas das suas criancinhas a tempo inteiro e, como pensarão lá no íntimo, sempre lhes resta esta eventualidade do Parque Mayer... e o que se subentende daí!
(...)
Continue a ler o texto em MELUSINE
A OUTRA VERSÃO DA ORIGEM DA MULHER:
A DO MITO GREGO


Dilemas do Género

“Zeus zanga-se novamente. Decide desta feita dar aos homens, como forma de resposta, um mal: a mulher. Os deuses talham uma criatura artificial, que se encontra na origem do genos das mulheres, destinada a instalar-se e a habitar no meio dos homens para grande infelicidade destes. O género das mulheres traz aos homens a avidez do desejo, o fim do contentamento e da auto-suficiência. Uma outra variante desta mesma narrativa tornará ainda mais precisa a imagem e a ideia, dirá que a primeira mulher se chama “Pandora” que possui uma caixa fechada de onde deixará estupidamente escapar todos os males que pesam sobre os homens”. (...)

in A alma é um corpo de Mulher - Giula Sissa

terça-feira, julho 13, 2004

aleksandra nowak


O INSTINTO E A RAZÃO:
COMO A "MULHER SE OPÕE FATALMENTE AO HOMEM"...


“(...) O instinto que nós apelidamos de sexual, sensual e erótico, ler “baixos instintos”, não é senão a procura de um estado de beatitude interna a que alguns chamam felicidade. Esta felicidade é a finalidade em que nos fixamos. Como a não conseguimos atingir a acção acaba num efeito no resultado que é o prazer e não um fim em si nem um meio mas o acabar num acto incompleto ou num acto pelo qual todas as causas para o seu sucesso não estavam à partida reunidas. O prazer é de algum modo a forma imperfeita do que nós julgamos ser a felicidade, mas no mundo relativo que é o nosso será possível atingir essa felicidade?
Somos obrigados com isto a chegar a um outra constatação: o prazer é o que resta ao homem (ser humano?) de mais desejável quando ele quer satisfazer o seu instinto.

É este instinto que a “civilização” nos fez esquecer e que os diferentes sistemas de educação colocam deliberadamente sob repressão em detrimento da natureza humana e evidentemente simbolizado nas sociedades paternalistas pela Mulher. Se o instinto é oposto à produção, a Mulher que é Instinto, que é Sensibilidade, que é Intuição, opõe-se fatalmente ao Homem que é Razão, que é Lógica, que é o Construtor, que é o Produtor, que é Organizador. E depois, os antigos terrores face à Mulher ficam bem presentes: a Mulher é também o Amor, e o amor culpado.

JEAN MARKALE in femme celte
(repubicando)

segunda-feira, julho 12, 2004

"CONHECES ALGUMA PROFISSÃO HUMANA ONDE O GÉNERO MASCULINO NÃO PREVALEÇA EM TODOS OS ASPECTOS SOBRE O GÉNERO FEMININO?(...)"Não percamos o nosso tempo a falar de tecelagem ou de confecção de bolos e de guisados, trabalhoa para os quais as mulheres parecem ter algum talento e onde seria completamente ridículo que fossem vencidas" (Sócrates)



O DESEjO E A INVEJA...

A palavra francesa para desejo ENVIE é a meu ver a que melhor exemplifica a duplicidade do sentimento inveja-desejo porque na língua francesa temos a mesma raíz enquanto que em português a dividimos em dois conceitos distintos e separados criando a ilusão de serem diferentes os sentimentos e só em parte o são ou na aparência dos factos porque a censura moral nos impede de desejar o que não podemos possuir e assim achamos que o desejo é legitimado pela permissão social o objecto do nosso desejo - um outro possível - mas repudiamos a ideia da inveja como de um pecado quando os dois conceitos estão interligados e nascem ou fazem parte de uma só emoção inicial:

Ver o outro de dentro e confundi-lo connosco mesmos, o que acontece geralmente no desejo “amoroso” (desejo de posse e de onde deriva ainda o ciúme - medo de perder o que se julga possuir e também uma forma de inveja natural como se de nós mesmos...)
Exemplo: “Envie” _ j’ai envie de toi...je t’envie tes seins...) (desejar-invejar) ; invidere (ver dentro) (invejar: desejar o outro que se vê dentro?)


A VISÃO DO SEMELHANTE

“Ver-se a viver noutro, sentir o outro dentro de si mesmo sem o poder afastar. O invejoso, que parece viver fora de si, é um ensimesmado; invidere já diz pela sua composição, o dentro que há nesse olhar o outro. Olhar e ver o outro não fora, não ali onde o outro realmente está, mas sim num dentro abismal, num dentro alucinatório onde não se encontra o segredo que faz com que cada um se sinta a si próprio, em confundível solidão.
Ver-se a viver noutro ensimesmadamente. O ver viver outro no espaço externo, fora não provoca inveja. Ver objectivamente, isto é, ver cada coisa e cada ser no espaço que lhe for adequado, é próprio daquele que já não pode invejar.Porque só o semelhante pode invejar.
(...)
Ver um semelhante é ver viver alguém que vive como eu, que está na vida à minha maneira. Só ele pode ser sentido nesta implicação da inveja, porque só ele pode estar implicado na minha vida. É que ao ver o semelhante não o vejo objectivamente no espaço físico, sinto a sua vida na minha vida. Ver adequadamente o semelhante é a prova suprema da visão.

(...)
MARIA ZAMBRANO - Filósofa espanhola

domingo, julho 11, 2004

ENTRE O AMOR E A RAIVA, BUSCO ENTRE OS POETAS
A NOSTALGIA DE UMA QUIMERA OU DE UM PAÍS PERDIDO...




Nostalgia

Nesse País de lenda, que me encanta,
Ficaram meus brocados, que despi,
E as jóias que plas aias reparti
Como outras rosas de Rainha Santa!

Tanta opala que eu tinha! Tanta, tanta!
Foi por lá que as semeei e que as perdi...
Mostrem-se esse País onde eu nasci!
Mostrem-me o Reino de que eu sou Infanta!

Ó meu País de sonho e de ansiedade,
Nao sei se esta quimera que me assombra,
É feita de mentira ou de verdade!

Quero voltar! Não sei por onde vim...
Ah! Não ser mais que a sombra duma sombra
Por entre tanta sombra igual a mim!


Florbela Espanca

IN TORRE DE MENAGEM
LEMBRAR JORGE DE SENA
Lembrar o poeta exilado e já morto
quando a vontade é também partir para longe...


A PORTUGAL

(...)
Torpe dejecto de romano império;
babugem de invasões; salsugem porca
de esgoto atlântico: irrisória face
de lama, de cobiça, e de vileza,
de mesquinhez, de fátua ignorância;
terra de escravos, cu pro ar ouvindo
ranger no nevoeiro a nau do Encoberto;
terra de funcionários e de prostitutas,
devotos do milagre, castos
na hora vaga da doença oculta:
terra de herois a peso de ouro e sangue,
e santos com balcão de secos e molhados
no fundo da virtude; terra triste,
à luz do sol caiada, arrebicada, pulha,
cheia de afáveis para os estrangeiros
que deixam moedas e transportam pulgas...
(...)

Jorge de Sena
in QUARENTA ANOS DE SERVIDÃO

sábado, julho 10, 2004

PORTUGAL ESTÁ DE LUTO
E CADA VEZ MAIS POBRE DE ALMAS NOBRES...




Em Portugal e no mundo impera a mentira e a economia através da guerra. Não aqui de armas e bombas mas de palavras como de setas envenenadas. Morre-se de tristeza e de desgosto, morre-se cada dia nesta asfixia doentia de enredos e porfias daqueles que nos governam e nos projectam na indigência. Não a pobreza do povo, que já não passa fome e tem telemóvel, mas a alienação humana do sentido real da vida. A nossa alma sente-se tolhida pela falta de verdade. Respira-se mal nesta poluição mental que reina no Pais inteiro, hipócrita e medroso entregue a “uma maioria” “umbiguista” que só pensa no poder e no dinheiro.

Morrem aqueles que sentem e pensam Portugal diferentemente e o sabem acima destas contingências; mas dói ver ficarem os crápulas em palco, impunes e sorridentes a cantar de alto. Radiantes na sua vanglória de presidentes e ministros, traidores da alma humana e de um desígnio superior de ser português na essência e na palavra e que nem de longe sonham o que seja!
POR ISSO ELES MATAM OS NOSSOS SONHOS E A NOSSA ESPERANÇA e assim morrem as almas mais nobres...

Maria de Lurdes Pintassilgo, escreveu um pequeno texto, dedicado a Sophia de M.B. a poetisa e musa de poetas que morreu uns dias antes, para o Suplemento Literário do Público e que saiu hoje, dia da sua morte, jornal que ela já não leu, pois partiu esta madrugada...
Nestes dias atribulados, o seu coração não resistiu a tanta mentira e demagogia dos homens ...
Ela foi a primeira mulher e única 1ª Ministra em Portugal.

Evoquemos pois “a poetisa e a política” numa só voz:
(versos que ela mesma escolheu para homenagear a autora)


Com fúria e raiva acuso o demagogo
E o seu capitalismo das palavras.
(...)

Com fúria e raiva acuso o demagogo
Que se promove à sombra da palavra
E da palavra faz poder e jogo
E transforma a palavra em moedas
Como se fez com o trigo e com a terra.


Sophia de Mello Breyner


“Em Portugal há diplomacia e hipocrisia a mais e sentido de Estado a menos”
Vicente Jorge Silva
Um dia quebrarei todas as pontes
Que ligam o meu ser, vivo e total,
À agitação do mundo do irreal,
E calma subirei até às fontes.




Em todos so jardins hei-de florir,
Em todos beberei a lua cheia,
Quando enfim no meu fim eu possuir
Todas as praias onde o mar ondeia.

Um dia serei eu o mar e a areia,
A tudo o que existe me hei-de unir,
E o meu sangue arrasta em cada veia
Esse abraço que um dia se há-de abrir.


Sophia de Mello Breyner
(excertos de poemas)
“COMO A MULHER NUNCA ADORADA
SE TRANSFORMA EM PARCA QUE CORTA A VIDA DOS HOMENS”


O amor quando não é aceite, transforma-se em nemésis, em justiça, é necessidade implacável a que não é possível escapar. Como a mulher nunca adorada se transforma em parca que corta a vida dos homens. E assim é a retirada do divino, sob a forma do amor humano, que nos mantém condenados, encerrados neste cárcere da fatalidade histórica, de uma história transformada em pesadelo do eterno retorno.

A ausência do amor não consiste, efectivamente, no facto de não aparecer em episódios, em paixões, mas no seu confinamento nesses limites estritos da paixão individual desqualificada em facto, acontecimento raro. E então acontece que até a paixão individual - pessoal - fica também confinada a uma forma trágica, porque submetida à justiça.

O amor vive e respira, mas submetido a processo perante uma justiça que é fatalidade implacável, ausência de liberdade; o amor está a ser julgado por uma consciência em que não há lugar para ele, perante uma razão que se lhe negou. E assim fica como que enterrado vivo, com vida, mas ineficaz, sem força criadora.

(...)
Maria Zambrano
Para uma História do Amor

sexta-feira, julho 09, 2004

"O AMOR TRANSCENDE SEMPRE,
É O AGENTE DE TODA A TRANSCENDÊNCIA NO SER"
M.Z.


A ALMA E O AMOR

Alma e amor medem as distâncias do universo, transitam entre as diferentes espécies da realidade, alojam-se nelas e ligam-nas. Mas convém recordar que a alma e o amor existiram antes de ter havido “coisas”, antes de ter havido seres; são anteriores ao mundo dos ser. Ser Humano, adquirir existência humana, consiste na entrada da alma no ser, e com ela do amor. E esta entrada é padecer: padecer da alma que entra no recinto que parece hermético. Padece o ser também, porque nele entram às vezes várias almas em discórdia. Quem, ainda hoje, não sentiu a tortura de ter várias almas? Ou uma só que não entende?

(onde se lia homem transcrevi SER - a alma da escritora que me desculpe lá do céu onde me lê...)
In O HOMEM E O DIVINO – Maria Zambrano


" A nossa dor está na complexidade da nossa alma, e a complexidade da nossa alma está em estar ligada à matéria, e às múltiplas emoções que provém da diversidade da matéria. Livre da matéria, a alma absolutamente simples, torna-se feliz. "
F.P.

Como é por dentro outra pessoa?

Como é por dentro outra pessoa
Quem é que o saberá sonhar?
A alma de outrem é outro universo
Com que não há comunicação possível,
Com que não há verdadeiro entendimento.

Nada sabemos da alma
Senão da nossa;
As dos outros são olhares,
São gestos, são palavras,
Com a suposição de qualquer semelhança
No fundo.

fernando pessoa

quinta-feira, julho 08, 2004



A AVIDEZ DO OUTRO

“A avidez do “outro” podia ser a forma mais benévola de mencionar a inveja. E chama mais a atenção o termo “outro” do que avidez, que é o substantivo, o sujeito. O que aqui se destaca adquirindo uma especial substantividade, é a referência ao “outro”.
(...)
A avidez pelo outro podia ser igualmente a definição do amor. Sem que possa ser nota distintiva o tormento produzido pela inveja, porque o amor, segundo as queixas dos que padecem, é tormento em sumo grau e, como a inveja, tormento que se alimenta a si próprio. Amor e inveja são processos da alma humana em padecer não produz qualquer atenuação; o padecer é o seu alimento.
A mesma definição, “avidez do outro”, parece adequar-se a este par de contrários que são inveja e o amor. A ambivalência do mundo do sagrado torna-se manifesta como sempre. E esta ambivalência é que precisa ser interpretada.
A avidez é própria de algo que precisa de crescer, crescer ou transformar-se, deixar de ser o que é; algo que se encontra num grau transitório, algo que é esboço do ser. Não sente avidez aquilo que tem entidade e repouso. A avidez é o chamamento no que ainda não atingiu o ser, e tende de alguma forma a adquiri-lo.
(...)
Avidez do “outro”, comunidade de amor e inveja, pelo menos num primeiro sentido, pois muito cedo no amor “o outro” se transforma em um. A inveja, em contrapartida, mantém obstinadamente a alteridade, sem permitir-lhe que toque na pureza do um.
E ao manter o outro, cresce a avidez que chega ao frenesim. O possuído pela inveja não pode renunciar a esse outro. Não há dúvida que no mais íntimo da sua vida, algo acontece que o mantém ligado a esse outro, estranho e mais eu que o seu próprio eu. Não se verá o invejoso a si mesmo a viver nele?
(...)
Mas a diferença entre a inveja e o amor parece estar na visão: o amor vê o outro como um; a inveja, como a que poderia ser tanto um como outro.”


In O HOMEM E O DIVINO - Maria Zambrano

quarta-feira, julho 07, 2004



EU QUERIA POISAR COMO UMA ROSA
SOBRE O MAR O MEU AMOR NESTE SILÊNCIO


SOPHIA de Mello Breyner




DIANTE DO MAR, ainda...

Vulgaridade, vulgaridade que me acossa.
Ah, compraram-me a cidade e o homem.
Faz-me ter a tua cólera sem nome:
já me cansa esta missão de rosa.

Vês o vulgar? Esse vulgar faz-me pena,
falta-me o ar e onde falta fico.
Quem me dera não compreender, mas não posso:
é a vulgaridade que me envenena.

E a minha alma é como o mar, é isso,
ah, a cidade apodrece-a engana-a;
pequena vida que dor provoca,
quem me dera libertar-me do seu peso!


EXCERTOS DO POEMA de Alfonsina Storni

terça-feira, julho 06, 2004


Diante do mar


Oh, mar, enorme mar, coração feroz
de ritmo desigual, coração mau,
eu sou mais tenra que esse pobre pau
que, prisioneiro, apodrece nas tuas vagas.

Oh, mar, dá-me a tua cólera tremenda,
eu passei a vida a perdoar,
porque entendia, mar, eu me fui dando:
"Piedade, piedade para o que mais ofenda".

Vulgaridade, vulgaridade que me acossa.
Ah, compraram-me a cidade e o homem.
Faz-me ter a tua cólera sem nome:
já me cansa esta missão de rosa.

Vês o vulgar? Esse vulgar faz-me pena,
falta-me o ar e onde falta fico.
Quem me dera não compreender, mas não posso:
é a vulgaridade que me envenena.

Empobreci porque entender aflige,
empobreci porque entender sufoca,
abençoada seja a força da rocha!
Eu tenho o coração como a espuma.

Mar, eu sonhava ser como tu és,
além nas tardes em que a minha vida
sob as horas cálidas se abria...
Ah, eu sonhava ser como tu és.

Olha para mim, aqui, pequena, miserável,
com toda a dor que me vence, com o sonho todos;
mar, dá-me, dá-me o inefável empenho
de tornar-me soberba, inacessível.

Dá-me o teu sal, o teu iodo, a tua ferocidade,
Ar do mar!... Oh, tempestade! Oh, enfado!
Pobre de mim, sou um recife
E morro, mar, sucumbo na minha pobreza.

E a minha alma é como o mar, é isso,
ah, a cidade apodrece-a engana-a;
pequena vida que dor provoca,
quem me dera libertar-me do seu peso!

Que voe o meu empenho, que voe a minha esperança...
A minha vida deve ter sido horrível,
deve ter sido uma artéria incontível
e é apenas cicatriz que sempre dói.


Alfonsina Storni

segunda-feira, julho 05, 2004

OS MISTÉRIOS ELEUSIANOS
A HEURESIS - O ENCONTRO DA MÃE E DA FILHA


"Somente em um momento posterior, nos Mistérios Eleusianos, de Ísis e outros, é que os mistérios se voltam também para a questão da consciência na mulher e de sua autoconsciência; de acordo com uma característica essencialmente inerente à psicologia feminina, os primeiros mistérios ocorrem no nível da experiência directa, porém inconsciente. A mulher passa por uma experiência interior ao configurar uma porção da realidade, como “vida simbólica”, na qual não há a necessidade de se tornar consciente de qualquer um desses factores. Somente a intensidade e o teor emocional acentuado de sua conduta e, frequentemente, a confidencialidade da qual se vê revestida denunciam seu carácter de mistério.
O feminino, cuja essência procuramos discernir à luz das funções e dos símbolos do carácter elementar e de transformação, se torna criativo nos mistérios primordiais e assim actua como um factor determinante no inicio da cultura humana.
Enquanto os mistérios ligados ao instinto, envolvem os pontos centrais da vida feminina – nascimento, menstruação, concepção, gravidez, climatérico e morte -, os mistérios primordiais projectam um simbolismo no mundo real e assim transformam-no.

Os mistérios femininos podem ser divididos nos mistérios referentes à preservação; à formação, à alimentação e à transformação.
(...)
O grande motivo essencial dos Mistérios de Elêusis e, portanto de todos os mistérios matriarcais é a heuresis, a redescoberta de Core por Deméter, a reunião da mãe e da filha.
Esse reencontro significa, sob o ponto de vista psicológico, anular o assédio e o rapto masculinos e reconstruir a unidade matriarcal da filha e da mãe, depois do casamento. Isto significa que a hegemonia do grupo matriarcal _ legitimada pela relação da filha com a mãe -, que havia sido colocada em risco pela incursão do homem no mundo das mulheres e pela reacção destas àquele, é renovada e segurada nos Mistérios". (...)
In “A GRANDE MÃE” de Erich Neuman


NOTA Á MARGEM:

O que daqui se conclui, grosso modo, é que com o decorrer dos tempos, as mulheres perderam a ligação às mães pelo domínio exclusivo dos homens, pais, maridos, chefes e irmãos e, portanto, perderam a chave dos mistérios e a consciência que lhes dava a dimensão do seu ser total e a liberdade do seu ser também, passando a serem apenas utilizadas e exploradas nas sociedades patriarcais como reprodutoras e objectos de prazer. Circunstância essa que se mantém nos nossos dias apesar das tentativas da mulher para se libertar ou julgar que é já livre! A emancipação verdadeira da mulher só se poderá consumar na consciência do seu ser total e completo e, portanto, quando a filha e a mãe se voltarem a unir no Conhecimento inato de si próprias e em defesa da Natureza Mãe e da Deusa! Afinal a Deusa era a detentora desse conhecimento da Natureza e da Terra com a qual estava em harmonia. É essa ligação que falta ao mundo para poder haver harmonia e Paz. Sem a consciência das mulheres os homens nunca conseguirão restabelecer a paz no mundo, pois foram eles ao dividir a humanidade em duas partes explorando uma através da espada que destruiram a civilização do Cálice. Por isso é urgente a demanda do Graal ou do Feminino por excelência!
É URGENTE QUE A MULHER ACORDE PARA SI PRÓPRIA!


a mulher como oráculo

“As mulheres por vezes ficam histéricas e fazem e dizem as coisas mais estranhas. Mas esta observação vai dar a volta e morder a própria cauda: talvez a verdade da vida e do viver resida nas estranhas coisas que as mulheres fazem e dizem quando estão histéricas”

in “ As Duas Vozes”- de William Golding

O QUE A MULHER PRECISA DE SE LEMBRAR:
AS TRÊS ETAPAS DA SUA VIDA


(…)
"Nas culturas celtas, a jovem donzela era vista como a flor; a mãe, o fruto, e a mulher mais velha, a semente. A semente é a parte que contém o conhecimento e o potencial de todas as outras partes de si. O papel da mulher pós-menopáusica é voltar a semear toda a comunidade com a sua semente concentrada de verdade e sabedoria. Em algumas culturas nativas, considerava-se que as mulheres na menopausa retinham o “sangue da sabedoria”, em vez de o expelir ciclicamente, e eram portanto consoderadas mais poderosas que as mulheres que menstruavam. Nessas culturas, uma mulher não podia ser “xamã” até ter ultrapassado a menopausa.

A “menopausa”, observa Slayton, “quando compreendida e apoiada, fornece às mulheres o nível seguinte de iniciação ao poder pessoal. Como parte do tabu menstrual que ainda perdura na nossa cultura, a voz da mulher menopáusica é temida e negada. Foi tornada invisível ou encorajada a permanecer jovem para sempre através da terapia de substituição hormonal, ou outra intervenção médica. Esta alienação cultural de um rito de passagem vital faz com que as mulheres mais velhas se sintam inúteis, isoladas e impotentes”

(...)
Quando uma mulher compreende que o verdadeiro significado da menopausa foi invertido e degradado, como muitos outros processos do corpo da mulher, consegue fazer o seu caminho durante o resto da vida, fortificada com objectivos e discernimento.



In “CORPO DE MULHER SABEDORIA DE MULHER” de Christiane Northrup

domingo, julho 04, 2004

"Um poeta sem sentimento de morte não é um grande poeta."

"Curiosamente, há muitas pessoas que não conhecem o sentimento da morte, não querem ou não podem pensar nela. Os que compreendem o que significa a morte são uma minoria. Aos demais falta valor e mesmo os filósofos evitam o problema.

Em Baudelaire existe a morte, em Sartre não. Os filósofos têm se esquivado da morte fazendo dela uma questão, ao invés de experimentá-la como algo existente. Não a consideram como algo absoluto, mas entre os poetas é diferente. Eles entram profundamente no fenómeno, rastreando-o. Um poeta sem sentimento de morte não é um grande poeta."


Emile Cioran

sábado, julho 03, 2004

Exílio (definitivo...)

Quando a pátria que temos não a temos
Perdida por silêncio e por renúncia
Até a voz do mar se torna exílio
E a luz que nos rodeia é como grades



1919 2004

SOPHIA DE MELLO BRYNER ANDRESEN


- Estou cansada - disse a mulher.
- Quando chegarmos à terra para onde vamos, descansarás, estendida na relva, à sombra das árvores e dos frutos.
(...)

Compreendeu que lhe restavam somente alguns momentos.
Então virou a cara para o outro lado do abismo. Tentou ver através da escuridão. Mas só se via escuridão. Ela porém pensou:

- Do outro lado do abismo está com certeza alguém.
E começou a chamar.


in CONTOS EXEMPLARES

sexta-feira, julho 02, 2004

"A GRANDE DEUSA"

>"Apesar dos discursos que se pretendem feministas, apesar de importantes concessões feitas ao apostolado das mulheres, a regra é sempre masculina: só um homem pode representar Jesus, e, portanto, Deus pai, pois admitir as mulheres à função sacerdotal seria voltar aos cultos julgados escandalosos anteriores ao cristianismo."
de Jean Markale

Assim, na continuação dos tempos até hoje ainda é legítimo (legal) continuarem a ser os homens os chefes de família, os médicos...os directores e ministros e presidentes de um País, embora as mulheres enfeitem os mesmos, mas sem Voz e sem crédito algum. Mesmo com leis equlitárias...a mulher continua, como na igreja, a limpar o pó e a arranjar as flores ou a dizer uns salmos sem perigo (fiel à voz do dono, seja ele deus padre ou patrão...) Porque se a Mulher um dia voltar a ser detentora legítima do Orácula da Deusa, então a Justiça e a Verdade impor-se-ão de novo na Terra como nos tempos da Grande deusa...
Para isso as mulheres têm de recuperar a VOZ DO ÚTERO e o seu DOM INATO DE ORÁCULO que une a capacidade do Saber intrínseco e da Piedade humana, qualidades extintas na sociedade patriarcal há muito.

quinta-feira, julho 01, 2004



O SABER E A PIEDADE


E, assim, o saber por inspiração pertence inteiramente ao mundo da piedade, é recebido de algo diferente e é sentido em si mesmo como distinto de quem o tem; é um hóspede a quem se deve saber receber e tratar para que não desapareça deixando alguma coisa pior ainda que o seu vazio. Porque toda a inspiração luminosa tem o seu perigo numa inspiração contrária.

Assim a poesia é o primeiro saber que nasce deste piedoso saber inspirado. Conservará sempre a marca da sua origem inspirada, de algo que vem de outro lugar, que vem e foge, claridade que, quando se apresenta, recorda o que nãos e sabia, inesperada memória repentina que por instantes liberta o homem desse sentir que não se lembra de algo que é o que mais lhe interessa.

Poesia é criação, a criação humana, e é palavra inspirada, recebida, passiva ainda. Daí o carácter sagrado do poeta, carácter indelével em todas as suas efígies de qualquer tempo. O poeta nunca sabe totalmente o que diz, menos ainda quando o dirá; habitado por um saber de inspiração, não estranha que se sinta inicialmente sentindo como que habitado por um deus que nele se manifesta. O poeta original é um oráculo.

Mas o oráculo não fala sempre que se necessita dele, nem é entendido no que diz. E, além disso, quem está no oráculo? Quem fala? A inspiração é um saber que põe em relevo a angústia que este mundo tem so outro: a angústia da descontinuidade, angústia dos múltiplos instantes separados entre si por abismos, de vazio e de silêncio. (...)


In O HOMEM E O DIVINO
Maria Zambrano

NOTA À MARGEM

Esquecida está a Mulher cuja essência é fonte do Oráculo da Deusa. A mesma Deusa que foi destronada por Apolo que reduziu o Oráculo a vaticínio político e económico até aos nossos dias, condenando a última das Sacerdotisa fiel da Deusa, Cassandra, ao descrédito e consequentemente todas as mulheres até hoje ...

Uma história oculta da Humanidade e que as mulheres precisam de reconstituir. É a Voz, a outra voz, a que deu origem ao Oráculo e que é pertença da Mulher, como é eterno o Saber e a Piedade da Deusa Mãe.

"PRÓXIMO É AQUELE QUE SOFRE
E DE QUEM NÓS NÃO TEMOS PIEDADE"

Y.K. Centeno

SOMOS DOMINADOS PELO NOSSO EGO...
DESCONHECENDO O NOSSO VERDADEIRO EU...


De facto respiramos no múltiplo; o nosso reino é o do "eu", e não há salvação através do "eu". Existir é condescender com a sensação, e portanto com a afirmação de si; de onde o não-saber (com a sua consequência directa: a vingança), princípio de fantasmagoria, origem da nossa peregrinação na terra.

Para que possamos manter a fé em nós mesmos e em outrem, e para que não nos apercebamos do carácter ilusório, da nulidade de toda e qualquer acção, a natureza tornou-nos opacos a nós próprios, sujeitos a uma cegueira que dá o mundo ao mundo e o que o governa.
Se empreendêssemos uma indagação exaustiva sobre nos próprios, a repulsa paralisar-nos-ia e condernar-nos-ia a uma existência sem rendimento. A incompatibilidade entre o acto e o conhecimento de si parece ter escapado a Sócrates; sem o que, na qualidade de pedagogo, de cúmplice do homem, não saberiamos se teria ousado adoptar a divisa do oráculo, com todos os abismos da renúncia que ela supõe e nos convida.

Enquanto possuímos uma vontade própria e lhe permanecemos apegados (tal é a acusação endereçada a Lucífer), a vingança é um imperativo, uma necessidade orgânica que define o universo da diversidade, do "eu", e que não poderia ter fosse que sentido fosse de identidade. Se fosse verdade que "é no Uno que respiramos" (Plotino), de quem nos vingaríamos aí onde toda a diferença se esbate, onde comungamos no indiscernível e perdemos os nossos contornos?
(...)
Quanto mais procuramos arrancar-nos ao noSso eu, mais mergulhamos nele. Bem podemos tentar fazê-lo explodir, no próprio momento em que julgamos ter conseguido, ei-lo que nos surge mais seguro do que nunca; tudo o que empreendemos para o arruinar só serve para aumentar a sua força e a sua solidez, e tais são o seu vigor e a sua perversidade que ele se dilata ainda mais no sofrimento do que na fruição. É assim com os o eu, é assim, por maioria de razão com os actos."


A ODISSEIA DO RANCOR...
in HISTÓRIA E UTOPIA - E. CIORAN