Barry Sharplin
A capacidade de desistência..
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“A capacidade de desistência constitui o único critério do progresso espiritual: é só quando as coisas nos deixam, é só quando as deixamos que acedemos à nudez interior, a esses extremos em que paramos de nos prender a este mundo e a nós próprios, e onde a vitória significa demitir-nos, recusarmo-nos com serenidade, sem remorsos e sobretudo sem melancolia; porque a melancolia, por discreta e aéreas que as suas aparências sejam, continua ainda revelar ressentimento: é uma cisma com o zelo do azedume, o ciúme mascarado de desfalecimento, um rancor vaporoso.
Enquanto permanecemos sujeitos, em nada desistimos de nós, atolamo-nos no “eu”, sem contudo nos desprendermos dos outros, nos quais pensamos tanto mais quanto menos tivermos conseguido desapropriarmo-nos de nós próprios. No preciso momento em que nos prometermos vencer a vingança, sentimo-la impacientar-se como nunca no nosso íntimo, pronta a atacar. As ofensas “perdoadas” põem-se de súbito a clamar por reparação, invadem as nossas vigílias e, mais ainda, os nossos sonhos, convertem-se em pesadelos, mergulham tão fundo nos nossos abismos que acabam por formar a sua fibra. Se assim é, de que serve representarmos a farsa dos sentimentos nobres, apostar numa aventura metafísica, ou contar com um resgate?
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Quanto mais nos ocupamos das nossas feridas, mais elas nos parecem inseparáveis da nossa condição de não-libertos. O máximo de desprendimento a que podemos aspirar é o de ficarmos numa posição equidistante da vingança e do perdão, no centro de um ressentimento e de uma generosidade em igual medida frouxos e vazios, porque destinados a neutralizarem-se entre si. Mas nunca conseguiremos despojar o homem velho, ainda que levássemos o horror por nós próprios ao ponto de renunciarmos para sempre a ocupar fosse que lugar fosse na hierarquia dos seres.
HISTÓRIA E UTOPIA
E.M.Cioran
NOTA À MARGEM:
Se eu fosse minimamente coerente com as notas que transcrevo, nunca mais abria ou escrevia nesta página....mas como já não vejo televisão e recuso-me a ler os jornais...
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