“Escrever é defender a solidão em que se está; é uma acção que brota somente de um isolamento afectivo, mas de um isolamento comunicável, em que, exactamente, pela distância de todas as coisas concretas, se torna possível um descobrimento de relações entre elas.
Mas é uma solidão que necessita de ser defendida, que é o mesmo que necessitar de justificação. O escritor defende a sua solidão, mostrando o que nela e unicamente nela, encontra.
Se há um falar, porquê o escrever?
Mas o imediato, o que brota da nossa espontaneidade, é algo pelo qual inteiramente não nos fazemos responsáveis, porque não brota da totalidade íntegra da nossa pessoa; é uma reacção sempre urgente, premente. Falamos porque algo nos compele e a ordem que nos é dada vem de fora, de uma armadilha em que as circunstâncias pretendem caçar-nos, e a palavra livra-nos dela. Pela palavra tornamo-nos livres, livres do momento, da circunstância assediante e instantânea. Mas a palavra não nos recolhe, nem, portanto, nos cria e, pelo contrário, o muito uso que dela fazemos produz sempre uma desagregação; vencemos pela palavra o momento e depois somos vencidos por ele, pela sucessão dos momentos que vão levando consigo o nosso ataque sem nos deixar responder. É uma contínua vitória que, por fim, se converte em derrota.
E dessa derrota, derrota íntima, humana, não de um homem particular, mas do ser humano, nasce a exigência de escrever.
Escreve-se para reconquistar a derrota sofrida sempre que falámos longamente.”
María Zambrano (1904-1991)
A Metáfora do Coração (e outros escritos)
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