O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

quinta-feira, julho 01, 2004



O SABER E A PIEDADE


E, assim, o saber por inspiração pertence inteiramente ao mundo da piedade, é recebido de algo diferente e é sentido em si mesmo como distinto de quem o tem; é um hóspede a quem se deve saber receber e tratar para que não desapareça deixando alguma coisa pior ainda que o seu vazio. Porque toda a inspiração luminosa tem o seu perigo numa inspiração contrária.

Assim a poesia é o primeiro saber que nasce deste piedoso saber inspirado. Conservará sempre a marca da sua origem inspirada, de algo que vem de outro lugar, que vem e foge, claridade que, quando se apresenta, recorda o que nãos e sabia, inesperada memória repentina que por instantes liberta o homem desse sentir que não se lembra de algo que é o que mais lhe interessa.

Poesia é criação, a criação humana, e é palavra inspirada, recebida, passiva ainda. Daí o carácter sagrado do poeta, carácter indelével em todas as suas efígies de qualquer tempo. O poeta nunca sabe totalmente o que diz, menos ainda quando o dirá; habitado por um saber de inspiração, não estranha que se sinta inicialmente sentindo como que habitado por um deus que nele se manifesta. O poeta original é um oráculo.

Mas o oráculo não fala sempre que se necessita dele, nem é entendido no que diz. E, além disso, quem está no oráculo? Quem fala? A inspiração é um saber que põe em relevo a angústia que este mundo tem so outro: a angústia da descontinuidade, angústia dos múltiplos instantes separados entre si por abismos, de vazio e de silêncio. (...)


In O HOMEM E O DIVINO
Maria Zambrano

NOTA À MARGEM

Esquecida está a Mulher cuja essência é fonte do Oráculo da Deusa. A mesma Deusa que foi destronada por Apolo que reduziu o Oráculo a vaticínio político e económico até aos nossos dias, condenando a última das Sacerdotisa fiel da Deusa, Cassandra, ao descrédito e consequentemente todas as mulheres até hoje ...

Uma história oculta da Humanidade e que as mulheres precisam de reconstituir. É a Voz, a outra voz, a que deu origem ao Oráculo e que é pertença da Mulher, como é eterno o Saber e a Piedade da Deusa Mãe.

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