O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

quinta-feira, julho 22, 2004



E eis que o meu mal me domina. Sou ainda a cruel rainha dos medas e dos persas e sou também uma lenta evolução que se lança como ponte levadiça a um futuro cujas névoas leitosas já respiro. Minha aura é de mistério de vida. Eu me ultrapasso abdicando de meu nome, e então sou o mundo. Sigo a voz do mundo com voz única.

Ouve-me, ouve o meu silêncio. O que falo nunca é o que falo e sim outra coisa. Quando digo “águas abundantes” estou falando da força do corpo nas águas do mundo. Capta essa outra coisa de que na verdade falo porque eu mesma não posso. Lê a energia que está no meu silêncio. Ah tenho medo de Deus e do seu silêncio.
(...)

Não sei sobre o que estou escrevendo: sou obscura para mim mesma. Se tive inicialmente uma visão lunar e lúcida, e então prendi para mim o instante antes que ele morresse e que perpetuamente morre. Não é um recado de ideias que te transmito e sim uma instintiva volúpia daquilo que está escondido na natureza que adivinho. (...)


in ÁGUA VIVA - Clarice Lispector

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