O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

domingo, junho 12, 2022

«A humanidade não atingira ainda a idade adulta.





Alice Sampaio (escritora)
16 de abril ·

«A humanidade não atingira ainda a idade adulta. Só assim podemos explicar que seguindo pela rádio, jornais e televisão o desenrolar dos acontecimentos, mesmo assim se mantivessem numa expectativa inerte e muda, mais curiosos que conscientes do perigo que corria a espécie e toda a civilização criada já. Cada qual partia do princípio apriorístico e absurdo de que sempre haveria sobreviventes e que um deles seria o “eu”, o “eu” único existente de cada ser pensante. Os relatos de horríveis massacres deixavam-nos indiferentes: o “eu” estava fora da questão; as hecatombes caíam e continuariam a cair em casa alheia: cada qual se julgava subtraído a todos os perigos. Depois as bombas não caíam já só na China e nas Arábias, mas nas Américas e pacatas cidadezinhas da Europa e então os homens comuns, que até aí tinham escondido a face como a avestruz o bico, compreenderam que passara o tempo do devaneio — e quiseram unir-se e clamar contra tais despropósitos que não compreendiam — eles cidadãos nunca tinham matado nem roubado! Ah, os governos, as elites tinham endoidecido por certo, deixavam de os defender e proteger, eles os pacatos que se limitavam a ver e ouvir e calar. As emissoras rugiam ameaças em todas as línguas, liquidavam-se em massa os escravos de todas as cores e credos, todos cantavam a vitória própria e a derrota alheia, mas os homens, cavadores, operários ou intelectuais, morriam como formigas bombardeadas com poderoso inseticida. Onde os deuses de papelão todo-poderosos? Onde as carantonhas dos senhores do mundo? Invisíveis e intocáveis nos seus tabernáculos subterrâneos, os futuros donos da Terra e dos seus aleijões humanos, possessos, continuavam a ordenar que fossem lançadas mais bombas, mais cidades “inimigas” destroçadas. E que os cientistas escravos pesassem, medissem, produzissem engenhos mais poderosos e mortíferos. A humanidade, criança, que vivera desligada da interpretação filosófica e metafísica das próprias descobertas, morria de desleixo pela realidade e ódio feroz ao próximo. Felizmente...»


Excerto de inédito de Alice Sampaio, “Galáxia 2070 - Há Fantasmas na Lua e Rosas em Marte”, décadas de 50/60
a história, contada às crianças do futuro, da Guerra Atómica


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