O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

domingo, setembro 10, 2023

A VIRGEM - A MÃE PATRIARCAL É UMA IMPOSTORA


O TABU DO SEXO 

E A REPRESSÃO DO FEMININO VISCERAL

(...) 

A Imaculada Conceição da Virgem Maria é um dogma da Igreja Católica. 

5. A Igreja reconhece explicitamente  que a Virgem é a escrava do Senhor e além disso enfatiza acrescentando Faça-se em mim segundo a tua palavra.

6. De todas as formas, a Virgem cumpre o rito da purificação, para limpar o corpo do mal da maternidade e da oxitocina.(Oxitocina é conhecida como a hormona do amor, promove a empatia e as relações sociais)

7. Finalmente ela assiste resignada à tortura e morte do seu filho, em sacrifício do Pai, para quem oferece o seu próprio sacrifício.

8. As imagens da Virgem são feitas com um coração desenhado no peito, do qual algumas vezes desprendem-se uns raios que representam o ‘amor’, querendo copiar o estilo das representações neolíticas, porém trocando o seu conteúdo: porque, neste caso, trata-se de um tipo de amor cuja qualidade vem definida do lugar de onde sai e onde se sente: da cintura para acima e por isso essa imagem não representa o fluido do amor verdadeiro, que sai do ventre, desde a pulsação das chamadas zonas e órgãos erógenos, e o que acontece é uma sublimação que as emoções sofrem quando ficam desconectadas da pulsão visceral que as origina e que permanecem  perdidas  produzindo ansiedade, até que sejam requalificadas e ‘recolocadas’ de acordo com a visão dogmatica da Igreja. Essa sublimação é o ‘amor’ espiritual que querem fazê-lo localizar-se no coração, que não é um órgão que produz prazer nem impulsiona  nem dá satisfação. Trata-se de uma compensação imaginária, como diria Jesús Ibánez, do verdadeiro fluido amoroso que nasce da maternidade. No corpo que está auto regulado (pela maternidade) à nascença a emoção não está focalizada no peito, mas no ventre porque se sente em tudo o corpo e além disso, a mulher sente-se unida ao prazer e à emoção que nasce no ventre, onde se sente verdadeiramente o amor, com toda a sua força, e de onde se expande em todas as direções até alcançar toda a nossa carne viva que por isso toda ela é pulsátil. E quando se pretende desenhar-se o amor a sair diretamente do coração, está-se a ocultar a sua condição natural, a sua força, a sua origem e a sua verdade. Essa mudança tem um impacto simbólico muito importante, porque desvirtua o amor; é uma fixação na corrupção do amor verdadeiro para manter a validade e a implementação moderna do Tabu do Sexo; a corrupção e a  diminuição que falávamos da capacidade de amar.

A diferença entre o amor verdadeiro e o ‘amor’ espiritual, é que o primeiro é visceralmente  prazeiroso; é um derramamento em que o prazer e  a satisfação se tornam e são, uma mesma coisa.

As mulheres neolíticas representavam o amor materno com serpentes enroscadas no ventre, que logo subiam e se enroscavam nos peitos: duas imagens e duas simbologias muito distintas, de antes e depois do Tabu do Sexo, de antes e depois da consolidação do patriarcado.

Também algumas vezes são flechas e punhais que atravessam ao coração da Virgem, para expressar a dor pela morte do seu filho: a imagem do tradicional destino de sofredoras das mulheres.

ESSA VIRGEM ASCENDIDA É A  IMAGEM ASSEPTICA DA MULHER SEM PRAZER E QUE  PISA A SERPENTE A SEUS PÉS...

9. A história do culto à Virgem Maria começa após os primeiros séculos de evangelização na Europa, quando a Igreja percebeu que havia a necessidade de criar uma  representação da mulher e de uma mãe sexualmente asséptica. Por isso no começo, a maior parte das suas imagens ainda tinham o menino Jesus no colo, até  nalgumas, entre as mais antigas, aparece a Virgem dando-lhe o peito. Mas a pouco e pouco vão desaparecendo essas imagens do aleitamento, e a imagem da Virgem apresenta-se já sem o menino. Isso deve-se a que o papel inicial da imagem da Virgem Maria foi manipulada para haver a conversão do desejo materno, que ainda as mulheres sentiam ou percepcionavam, e desviadas para  um "amor’ racional, espiritual e de submissão, compatível com o exercício da repressão sobre as criaturas, alegadamente feito ‘pelo seu próprio bem’ para educá-las para a escravidão, a resignação, e o ‘sucesso social’ do fratricídio.

As imagens de mulher do paleolítico e neolítico, ou seja da época de antes do Tabu do Sexo, que a arqueologia foi encontrando, geraram um problema, tanto pela sua quantidade tão abundante -sobretudo em comparação com as imagens dos homens - como pela sua corporeidade explícita. Logicamente essas imagens refletem a imagem de mulheres de uma sexualidade plena, não devastadas, corpos de mulheres  abundantes e cheias.

A deificação das imagens de mulheres neolíticas é também uma estratégia para que tais imagens não possam chegar a constituir um paradigma que provoque e propicie la reconexão de nossa mente com as nossas entranhas. A edição em castelhano do livro de Henri Desporte, onde se faz uma recompilação das imagens de mulheres paleolíticas, com critério quase exclusivamente geográfico e cronológico, sem qualquer interpretação deificante, tem um prólogo de Gómez Tabernera que adverte que o livro pode ser utilizado por ‘feministas fanáticas´; deixando assim a descoberto o temor que tais imagens por si mesmas podem efetivamente evocar e, ao mesmo tempo, as verdadeiras razões para promover a deificação da mulher paleolítica e neolítica.

Assim chegamos à apresentação da Virgem Maria, Mãe de Deus, como a continuação das Deusas Mães neolíticas, para revalidar o modelo patriarcal de mulher libidinalmente asséptica e emocionalmente resignada (mulher escrava e mãe que sacrifica o filho ao pai) de uma humanidade como o desejo materno suprimido, compatível com a sublimação e desvirtualização do amor, e com a repressão gera da sexualidade. Trata-se de eliminar à mãe (Odent) e que a humanidade esteja órfã de mãe verdadeira (Sau). E trata-se de criar uma noção do ‘amor’ e da capacidade de amar desligados das pulsões carnais e da capacidade orgástica; até já quase não saber que dar o peito com desejo também produz orgasmos.

Para fazer  o amor compativel com a repressão e a dominação, há que corrompê-lo, desnaturalizá-lo, sublimá-lo. Porque o amor que em verdade sai das entranhas, é aquele que gera a satisfação incondicional o que é o contrário do que acontece com a dominação patriarcal. A dominação requer corpos desvitalizados, com a capacidade orgástica atrofiada, sem capacidade de prazer nem de amor verdadeiro.

 No que refere-se à ordem simbólica, a Virgem Maria não somente é o símbolo da mãe impostora  como também da impostura em si que Sau fala, da ocultação da matrofagia* à prole, e da desnaturalização do amor.

As vezes nas correntes eco-feministas e outras, reivindica-se a Ordem Simbólica da Mãe, sem especificar a que ‘mãe’ se está a referir, o que produz uma ambiguidade muito perigosa, fortemente aproveitada pelos que elaboraram os discursos compatíveis com o Tabu do Sexo e a falocracia. De facto a mãe patriarcal atual, a impostora, tem uma importante representação na Ordem Simbólica do Pai; uma representação muito consolidada e profundamente introduzida no imaginário coletivo das mulheres, e é a mãe de Deus, sofredora por excelência, cheia de dor e de angustia, etc. (A Nossa Senhora das Angustias, das Dores, etc.). E a nós mulheres nos dão a batismo com os nomes dessa mãe que representa a Lei do Pai: Imaculada, Dores, Purificação, Solidão, Angustias… para que nos  embebamos bastante da sua Lei e das Sua Ordem Simbólica e chegue bem fundo até a medula. A apresentação da Virgem Maria como uma continuidade das ‘deusas’ neolíticas é sem dúvida, uma mentira tecida com um objetivo preciso: manter e reforçar a ordem simbólica da impostora, do cansaço, da matrofagia (aleitamento), ou como bem quisemos chamar à mãe patriarcal.

AMAR A MÃE VERDADEIRA

O mesmo ocorre com a proposta de ‘amar a mãe’ como prática política de Luisa Muraro. Já em A repressão do desejo materno se falava que para amar a mãe real, haveria que se separar e distinguir o que houvesse nela de mãe verdadeira, e do que houvesse de mãe patriarcal que reprimiu e esmagou os nossos desejos de amor. Porque amar aquela imagem que nos reprime é perpetuar o que já dura há muito tempo. Victoria Sau vai mais longe, e assegura que para amar a mãe verdadeira há que odiar a mãe patriarcal que nos esmagou, que ignorou os nossos desejos vitais, e as nossos anseios profundos e genuínos de amor e de liberdade."


*La matrofagia es una forma de canibalismo embrionario que ocurre en animales donde los embriones comen el tejido de la madre. As Mães em certas espécies servem de alimento aos filhos após o nascimento.

DO LIVRO a rebelião de edipo - de Cacilda Rodrigánez pág.: 88-91

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