O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

sexta-feira, março 17, 2023

O PORQUÊ DAS DOENÇAS DE FORO FEMININO


4ª EDIÇÃO DO LIVRO

AS DOENÇAS DA MULHER

 
(…) A grande maioria das doenças da mulher tem a ver com uma vida negada, a partir do útero, na recusa do seu ser interior e visceral, do seu ser profundo e até da sua alma, isso ao ponto da dor e da frustração nela se transformarem mesmo em doença grave, sinal do seu desespero e falhanço como mulher, como toda a mulher que se negou e se sentiu amordaçada no seu âmago, sem nunca se poder expressar espontaneamente sem ser julgada, sem que lhe não fossem atiradas pedras e tratada de louca, internada em hospícios ou considerada de histérica pelos psicanalistas.
Mas como podia uma mulher educada nas normas sociais, que nega as suas entranhas, que tem medo da palavra entranhas, que tem vergonha das suas partes mais íntimas, dos seus cheiros, que sente o seu sangue sujo, que deixa que lhe tirem o útero para maior segurança, que entrega todo o seu poder nas mãos dos médicos como antes confiava nos padres, a breve trecho, como pode uma mulher, que se anula e se destrói, exprimir a sua dor se não adoecesse? Muitas mulheres inclusive servem-se da doença para dar aso ao seu nojo, para exprimir o seu desgosto ou tristeza, a sua raiva da vida, de forma a empolar o sofrimento, que só de si já era bastante e chamar a atenção para si. Assim, a mulher, quando doente, deprimida, não só legitima ao olhar dos outros as suas queixas, como pode ter um pouco da atenção que nunca teve. Não sei onde neste rol de doenças entra a fibromialgia ou a bipolaridade, mas receio que ande lá perto. Isto pode parecer cruel e ser acusatório até, mas não o é, pois é através da consciência das causas do mal-estar endémico na mulher moderna, e das suas ditas manias e esquisitices – as famosas coisas de mulheres, que sempre nos apontaram como marcas de uma debilidade qualquer, de fraqueza ou de inferioridade – que nós podemos perceber o que está em causa nas nossas vidas e reconhecê-lo como um drama comum a todas as mulheres do mundo, desde as nossas avós, mães e irmãs.
Há séculos que esse recalcamento da verdadeira natureza da Mulher é uma forma de educação tradicional, condicionando-a assim a ser apenas mãe ou esposa, dedicada ou anulada para os seus sentimentos, emoções e desejos mais atávicos. Foi uma educação de milénios que manteve a mulher num estádio de infantilidade e insegurança, de desvalorização do seu ser, até aos inícios do século XX e que, mesmo que julguemos que não, ainda sofremos as suas consequências.
No fundo oculto das nossas dores – e são tantas e têm tantos nomes: enxaquecas, depressão, histeria, esquizofrenia, mialgias, bipolaridade, cansaço, síndromas vários e inexplicáveis, o cancro dos seios e dos ovários e útero – está a nossa divisão intrínseca de mulheres fragmentadas em duas espécies, viradas umas contra as outras: a esposa legítima, a do contrato e a Outra, a amante ou a puta de epíteto que foi excomungada da família, a mulher acusada, afinal, porque representa o oposto da frigidez exigida à dona de casa, a casta esposa legítima, cujo corpo muitas vezes – o das nossas mães e avós – o marido nunca viu nu.

Rosa Leonor Pedro, em “Lilith, a Mulher Primordial”


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