O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

terça-feira, março 14, 2023

um mundo onde só as mulheres têm a chave...

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A DOCE VOZ DA PIEDADE PERDIDA

(ROMANCE)

Falas da Piedade

A voz silenciosa das mulheres faz parte de um mundo secreto, imperturbado. Ainda hoje é assim, apesar dos focos sobre a apregoada libertação feminina.
Já não verei muitas mais coisas, porque o tempo do fim se aproxima, mas acredito na perenidade desse mundo onde só as mulheres têm a chave, apesar de toda a algazarra daqueles que querem sepultar os rituais onde vagueia o espírito das ancestrais mulheres.
Viver no mundo da submissão absoluto também tem as suas vantagens: pode inventar-se um mundo interior próprio. E, quando somos agredidas, essa agressão apenas atinge a parte visível, material, do todo que somos.
É no coração dos escravos que o sonho é mais intenso. Aqueles que têm uma vida exterior onde abunda o supérfluo não sabem os tesouros que se podem encontrar no silêncio e na clausura.
As minhas netas caminham até mim como pequenas borboletas tontas. As minhas filhas vagueiam entre esses dois mundos: o que foi, e é, o meu; e o que julgam ser um mundo diferente, o delas.
Mas, tanto as minhas filhas, como as minhas netas, hão-de provar até ao fim o fel desta mundanidade sem esperança. Então será o tempo de se recolherem ao templo onde as grandes feiticeiras celebram a eternidade feminina.
Elas têm uma desvantagem. Não têm ninguém que as prepare para esse mundo de silêncios e renúncias. Eu tive nas velhas mulheres da minha infância, sobretudo na minha mãe e avós, os guias que me ensinaram os rituais do mundo matriarcal.
Os homens, mesmo os velhos patriarcas, nunca se aproximaram desse território interdito. Nem queriam. Na sua superficial superioridade sempre imaginaram o mundo das mulheres como o lugar de momentos repulsivos – como nos períodos menstruais – e a permanente vivência dos mexericos.
Nem mesmo nos momentos de toda a aflição, em que só nós os salvávamos, eles recorriam a nós como companheiras do sonho e da desdita, mas como o senhor recorre a seu escravo para fazer da vida algo de prazenteiro.  

Manuel Monteiro
Todas as reaçõ

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