“…o Eu existe apenas num estado de potencialidade latente – ao longo da maior parte da nossa vida, ele permanece adormecido dentro de nós e tem de ser devidamente despertado a fim de se tornar o factor orientador das nossas vidas. Este despertar do Eu é como um nascimento – em termos míticos, o nascimento da criança divina.”
(…)
In A RODA DA LUA
de M. Elsbeth & K. Johnson
Antes da criança divina nascer eu defendo que tem de dentro da Mulher renascer ela mesma…porque a mulher dos nossos dias, fragmentada e dividida em si, tem de se reencontrar com a outra mulher, a mulher ancestral que foi apagada da história e da vida de todas as mulheres, e fazer as pazes com uma parte de si vital, com as mães e as filhas, com as anciãs, e deixar de considerar a mulher como a eterna rival a esgatanhar e a quem repele quando em luta pelo homem…Esta é uma questão de fundo que poucas mulheres e menos ainda os homens querem considerar como relevante…
É verdade que na maior parte das mulheres e dos homens o Eu verdadeiro, o Eu de profundidade, está adormecido ou alienado e é substituído vulgarmente pelo Ego…que serve a persona (máscara) em vez da pessoa, aliás a pessoa é quase sempre a persona, por isso devia dizer o ser essencial ou a alma…É com essa persona, esse eu aparente, que normalmente os seres humanos negoceiam a sua vida do dia-a-dia e fazem as suas permutas durante uma vida a esse nível superficial…Passa-se isso com o ser humano em geral, mas as mulheres nesta sociedade estão particularmente sujeitas e amarradas a essa máscara ao pintar os vários rostos que lhes são atribuídos pela montra das crenças e das modas e agora do cinema patriarcal, conforme a sua “evolução” e as épocas. Mas se a mulher avançar para um questionamento sério sobre si própria ou se questiona em busca desse eu mais profundo, se se permite entrar em processos de aprofundamento do seu ser, na procura a sua verdadeira identidade, a mulher à partida esquece ou não sabe sequer que uma parte de si foi banida da história e parte para a aventura psicológica ou espiritual perfeitamente mutilada de uma parte importantíssima de si… que é a sua sombra, a mulher sensual tomada como fatal… transformada na megera, perigosa para os homens e a sociedade…ou parte como a muito casta e obediente donzela dos mitos, à espera de ser desperta pelo príncipe! …
Creio que é tempo de termos em conta que a mulher em particular se encontra separada do seu eu verdadeiro, mais do que o homem, por ter sido cindida em duas (a santa e a puta) pela religião católica e consequentemente em todo o mundo ocidental, e por isso mesmo afastada do seu ser de profundidade, enquanto essa divisão específica não se dá no homem. Nunca tivemos o homem dividido entre o santo e o homem puta…só tivemos os cobardes ou os santos e heróis! Sendo assim, a mulher, dividida em duas, em permanente luta consigo própria, sem qualquer consciência da sua cisão interna, na afirmação de um dos lados do seu ser (e eu não digo que a mulher tenha de ser puta e santa, mas integrar a essência dessa divisão que se faz entre a mulher sensual e a mulher frígida) não pode representar uma totalidade e acaba por ser uma imagem vazia de essência e desse modo também não reflecte ao homem a sua anima, o seu potencial inato que está ligado à natureza Mãe, à Terra e por isso não lhe espelha o seu Feminino Sagrado. O lado pagão da mulher, da mulher livre e sensual que foi censurada e reprimida pela igreja de Roma ao longo dos tempos.
Essa situação da mulher, em termos psicológicos, sexuais e afectivos, impede a mulher de se conhecer a fundo e cria uma maior dificuldade para a realização dos seus opostos complementares o que tem também reflexos ao nível do relacionamento amoroso, num amor recíproco. É por esta razão que a mulher é considerada estranha, neurótica ou histérica. Por esta mesma razão, na realização espiritual, não se trata simplesmente de a mulher e o homem se encontrarem com o seu outro lado, porque enquanto a mulher estiver separada de uma parte substancial de si mesma, ela não pode encontrar a sua sombra relegada para o inconsciente, a que não tem acesso dentro da sociedade patriarcal que a afastou da Deusa Mãe, da Rainha da Noite, a Mãe da Discórdia e por isso não lida com a verdadeira mulher.
O problema da mulher e do homem na nossa sociedade não se resolve se cada um encontrar um caminho espiritual mesmo que este inclua e eleve a mulher, se esta por si mesma não se encontrar primeiro com essa parte de si sonegada e a integrar antes de partir para a sua caminhada espiritual. Ela estará sempre longe da sua essência, porque a sua cisão é mais ao nível da sua essência e não da sua persona, como no homem…
A mulher não é superior ao homem nem o homem à mulher, como se fez crer ao longo dos séculos, mas em quase todas as tradições, que não as patriarcais, é a mulher a iniciadora do homem, tanto como mãe que o dá à Luz, como amante que lhe revela a Deusa, o princípio feminino e é essa amante iniciadora do homem que falta nos processos iniciáticos modernos, para além do Tantra que depende da mulher…
Essa divisão interior da mulher, que não acontece no homem, ao não ser considerada à partida, priva-a da consciência da mulher como matriz, faz com que se perca em teorias e práticas sem dimensão cósmica ou telúrica (se ela não for essa mediadora) e assim se repete o erro do catolicismo…a mulher submissa ao homem e dependente, entregue ao seu herói…ao seu astrólogo, guru ou médico…
O homem quer chegar ao Céu e à realização espiritual (como os santos e os padres abominavam mulher!) sem a totalidade da mulher e sem a iniciação sexual …ou com uma mulher diminuída a metade, feita à sua imagem...uma mulher mais homem do que mulher!
Rosa Leonor Pedro
(escrito 2010)
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