"O amor - ou melhor, o acto de amor de Psique, a entrega a Eros - é ao mesmo tempo um sacrifício e uma perda. Ela não renuncia, contudo, ao aspecto matricial do ódio aos homens, características da sua feminilidade... (...) " Erich Neumam
"Mas como estão caracterizadas estas irmãs e que significado tem no curso da história de Psique? (...) As duas irmãs presumivelmente casadas e felizes odeiam os seus maridos do fundo das suas almas, na medida em que se pode falar em alma em seres mencionados como as Furias, e estão prontas a abandoná-los definitivamente. Ambas estão mal casadas e são o símbolo da escravidão patriarcal. (...) Ambas são exemplos típicos daquilo que chamamos "escravidão do feminino ao patriarcado". O sintoma mais evidente dessa atitude matriarcal de repudio aos homens é a caracterização que fazem do marido invisível de Psique (Eros). (...)
As duas irmãs, com a sua hostilidade aos homens matriarcal, contrastam com a ctuação de doce entrega e de auto-anulação de Psique, que se entrega inteiramente à escravidão sexual do marido, que se rende inteiramente a Eros. Nesse Paraíso de prazer noturno, como é descrita a vida de Psique com Eros com todo o colorido, as duas irmãs introduzem a primeira perturbação.
(...) O que acontece com Psique, que impulsionada pelas forças matriarcais de odio aos homens, se aproxima de Eros para o ver de noite..."
Portanto ao ver o amor de frente ou a face de Eros, a psicologia junguiana considera esse momento o mais importante para a transformação da Psique porque vê nele um "despertar de Psique como Psique, o momento decisivo do destino na vida do feminino, em que pela primeira vez, - emerge do seu inconsciente de mulher - e da clausura da sua cadeia matriarcal, e, num encontro individual com o masculino - ela ama, isto é, reconhece Eros.
(...)
Assim ela abandona o aspecto inconsciente infantil da sua realidade, renunciando simultaneamente ao aspecto matriarcal de ódio aos homens. " (...) " O amor - ou melhor, o acto de amor de Psique, a entrega a Eros - é ao mesmo tempo um sacrifício e uma perda. Ela não renuncia, contudo, ao aspecto matricial do ódio aos homens, características da sua feminilidade...
(...) Conhecer sofrer e sacrificar-se são idênticos nessa situação amorosa em que a feminilidade se tornou consciente através do encontro."
Tal como Erich Neumam, Jung e os seus seguidores - tanto homens como mulheres - deram uma conotação absolutamente negativa do matriarcado - referindo-o sempre como veiculador do odio da mulher ao homem...o que não corresponde de todo à verdade.
No entanto como diz a Luiza Frazão "Esses mitos a que a Psicologia recorre são já da época clássica, completamente revistos e corrigidos pelo patriarcado na sua tentativa para, como dizem os americanos, "controlarem a narrativa", ou seja, imporem o seu ponto de vista e a sua ideologia...
O ódio ao homem não é em si uma característica matriarcal. Temos a prova disso nos núcleos matriarcais, ou matrifocais, que persistem ainda hoje, como é o caso do povo Mosuo na China. Aí, as mulheres e os homens vivem em harmonia. O ódio aos homens já é o resultado do confronto e da "derrota histórica do sexo feminino", como disse o Hegel. Dessa tomada patriarcal de poder pela força, pela manipulação resulta o ódio. E o problema é que em vez desse ódio, dessa revolta e indignação permanecer ativo fortalecendo a mulher na sua reivindicação, deu-se aquilo a que se chama hoje o "síndroma de Estocolmo". *
Mas vejamos então quantas vezes ele repete esse odio da mulher ao homem o que é profundamente falso uma vez que o matriarcado baseado no culto da Mãe e da Filha, Deméter e Perséfone, esta raptada por Hades deus das trevas, levou a Deusa-mãe ao desespero e assim partiu em busca da filha pelo mundo deixando-o fustigado pelo seu desespero ao sentir que tinha perdido a sua Filha - isto simboliza apenas a forma como a mãe e a Deusa protegem a Filha e a Natureza e os seus ritmos da invasão do homem que durante largos períodos da mudança atacaram as mulheres por todos os lados fazendo-as escravas e prisioneiras ou suas servas e o que o matriarcado fez foi procurar manter as mulheres fora desse domínio e controlo dos homens e assim as mulheres resistiram de muitas maneiras às invasões barbaras e depois ao cristianismo que foi matando e destruindo lugares de culto da Deusa Mãe e desapossando as deusas e as mulheres de quaisquer direitos e obrigando-as a submeterem-se ao poder patriarcal crescente ...e não só instituíram o casamento...como criaram o Mito do Amor, do par romântico e a realização espiritual como o Hiero Gamos.
A falta de compreensão da mulher em si, como entidade e dessa mulher inteira inicial fez com que os homens, historiadores e mais tarde psicólogos interpretassem o Mito de acordo com uma visão já patriarcal de uso e posse da mulher ao seu serviço manipulada pelo casamento contrato obrigatório ou mais tarde pela ideia do amor como uma forma de rendição e entrega - sacrifício da mulher ao homem e a sua anulação a fim de que a mulher fosse a reprodutora mãe dos seus filhos e terras...deixando as mulheres não casadoiras, a sua sorte de escravas concubinas e prostitutas...
Por outro lado a ideia mais recente de anima/aimus de Jung também comete o mesmo erro porque perverteu de forma insidiosa aquilo que a meu ver foi a divisão da mulher em duas pelo casamento como o próprio Jung viu ao dizer que:"A grande maioria dos homens no nível cultural presente nunca avança além do significado maternal da mulher e esta é a razão pela qual a alma raramente nele se desenvolve além do nível infantil, primitivo da prostituta. Como consequência, a prostituição é um dos principais produtos do casamento civilizado."
Sendo assim, com efeito, ele não viu foi a divisão secular da mulher em duas espécies a que hoje em dia podemos chamar a consciência bipartida da mulher - que não corresponde meramente a um inconsciente-consciente - e desse modo afastando-a da consciência da sua cisão interior que começa com o patriarcado, a psicologia Junguiana deu-lhe a ilusão de que ela é o animus (parte masculina-yang) e que podia aceder a uma consciência integral através de Eros (o homem-anima, parte feminina, yin) no par e não em si mesma, como Ente, não tendo em conta a mulher como uma totalidade, porque nunca dentro do patriarcado ela foi encarada como um ser individual desde o fim do matriarcado. Deste modo ficou a ideia de que para a mulher evoluír precisa do homem ou do filho para ser completa... e assim fica a mulher mais dividida ainda sem perceber que tanto Jung como os seus seguidores - homens e mulheres - deram uma conotação absolutamente negativa do matriarcado - referindo-o sempre como veiculador do odio da mulher ao homem...o que é falso pois o matriarcado apenas pretendia manter a autonomia das mulheres e a sua independência dos homens a partir do momento que as mulheres começaram a ser postas em perigo pelas hostes inimigas, através do rapto e da violação e escravização.Vemos ainda nos mitos clássicos os Heróis gregos e romanos como Hercules a violar e a dividir as mulheres entre si...
No matriarcado, ao contrário do que se pretende fazer crer, as mulheres e homens eram iguais e respeitavam a sua sexualidade sem posse. Foi só depois e ao longo das invasões bárbaras e com o destronar da Deusa e do seu culto, o culto de Elêusis, da Mãe - Filha que foi substituído pelo culto do Pai-Filho no Cristianismo e a partir do qual a mulher passou a ser dominada e sacrificada à espécie como objecto reprodutor ou de prazer...
Para a mulher voltar a pensar em si como uma pessoa inteira, uma entidade ou como individuo livre e independente (de ser mãe e esposa) isso tem sido muito difícil para qualquer mulher dos nossos dias, pois essa ideia de serem em si mesmas completas nem sequer ainda lhes entrou na cabeça. E é por isso mesmo, que muitas mulheres estão a reverter a espiritualidade feminina pagã, que devia ser o encontro da mulher com a sua Psique individual, a sua anima e a sua natureza profunda, estão a ir ao encontro do dito "masculino sagrado", em busca do par amoroso, pela "via hormonal" e não como individuo consciente de si...para reconstruir o modelo casal e filhos de acordo com a legalidade social, de acordo com os parâmetros socias em vigor dentro do Sistema patriarcal, sem perceberem que cometem o mesmo erro contra si mesmas...impedidas de voltarem a ser livres e de amar quando e como quisessem...isso era o matriarcado! Não havia contrato nem fidelização...ao Homem! Ambos eram livres no seu desejo.
E portanto, filósofos historiadores e mais recentemente psicólogos e psiquiatras, como acabámos de ler, mesmo da escola junguiana, confundem o lado sombra da mulheres e a sua natureza ctónica de que os homens tem medo, com as forças do inconsciente e consideram portanto que a consciência luz (tem de superar esse inconsciente a noite e a lua em favor do sol...e render-se a ele ao entregar-se ao homem, tendo isso como uma vitória do feminino consciente...
Sim, o mais grave disto tudo é que esta anulação da mulher em si como ente é considerada na psicologia moderna como uma evolução da consciência do feminino e uma libertação do "matriarcado" - ou seja o seu sacrifício e entrega ao homem em nome do amor - ou o hiero-gamos...
Por isso a grande maioria das mulheres estão confusas acerca da Psique feminina e do seu potencial que lhes foi oculto e negado durante séculos, assim como do verdadeiro sentido do Sagrado Feminino e da Anima.
Não é de estranhar que, como me tenho vindo a aperceber, mesmo no seio de mulheres que se dizem ligadas ao "feminino sagrado", muitas delas estão a regredir ao continuar a verem-se apenas como mães e amantes e embora se digam devotas da deusa, já não de deus, mas da deusa...em pouco ou nada mudaram a sua maneira de ser. Elas abordam esse inconsciente colectivo e os valores do feminino arcaico que ressurge de tempos imemoriais mas de forma patriarcal na prática...
Não há uma noção correcta e profunda de um verdadeiro matriarcado, ou de um Principio Feminino como Ordem inicial, ontológica, para continuarem presas do modelo patriarcal e...ao aceitar toda esta teoria e da psicologia de que o matriarcado odeia os homens elas buscam contrariar essa ideia mas sem ter consciência da armadilha em que caiem.
Nesse sentido urge um trabalho profundo feito por mulheres conscientes, um estudo apurado da origem da nossa própria história. Felizmente já existem mulheres em Portugal capazes de pensar e descortinar para lá das Brumas...como é o caso de *Luiza Frazão - autora do livro A Deusa no Jardim das Hespérides, cujas citações aclaram um pouco mais esta minha divagação...
Rosa Leonor Pedro
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