O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

quinta-feira, julho 21, 2011

Lilith ainda...na poesia de uma escritora libanesa...




O REGRESSO DE LILITH (excertos)
Joumana Haddad

Eu sou Lilith, a deusa das duas noites, que regressa do exílio.Sou Lilith, a mulher-destino. Nenhum macho pode escapar à minha sorte, e nenhum macho lhe quererá escapar.

Eu sou as duas luas Lilith. A negra é complementada pela branca, pois a minha pureza é a centelha do deboche e minha abstinência, o princípio do possível. Eu sou a mulher-paraíso, que caiu do paraíso, sou a arrasa-paraísos.

Sou a virgem, rosto invisível da devassa, a mãe-amante e a mulher-homem. A noite porque eu sou o dia, o lado direito porque sou o lado esquerdo, e o Sul porque sou o Norte.

Eu sou Lilith dos seios brancos. Irresistível é o meu encanto, pois os meus cabelos são negros e longos e de mel os meus olhos. Diz a lenda que fui criada a partir da Terra para ser a primeira mulher de Adão, mas não me submeti.

Sou a mulher-festa e os convidados da festa. Feiticeira alada da noite é o meu apelido, e sou deusa da tentação e desejo. Chamaram-me patrona do prazer gratuito e da masturbação, liberta da condição de mãe para ser o destino imortal.

Eu sou Lilith, que retorna da masmorra do esquecimento branco, leoa do senhor e deusa das duas noites. Recolho na minha taça o que não pode ser recolhido, e bebo-o pois sou a sacerdotisa e o templo. Esgoto todas as intoxicações para que não acreditem que eu posso beber. Faço amor comigo mesma e e reproduzo-me para criar um povo da minha linhhagem, depois mato os meus amantes para dar espaço àqueles que ainda não me conheceram.

Regresso do calabouço do esquecimento branco para quem ainda me não conhece, volto para marcar lugar e para que não creiam que eu posso beber, da brancura do esquecimento para enraizar a vida e para que o número cresça, para matar os meus amantes eu regresso.

Eu sou Lilith, a mulher-floresta. Não vivi uma espera desejável, mas sofri os leões e as espécies puras de monstros. Fecundo todas as minhas costas para construir a história. Agrego as vozes nas minhas entranhas para que o número de escravos esteja completo. Como o meu próprio corpo para que me não tratem como faminta e bebo a minha água para nunca sofrer a sede. As minhas tranças são longas no inverno, e as minhas malas não têm tecto. Nada me satisfaz, nem me sacia, e eis que regresso para ser a rainha dos perdidos no mundo.

Sou a guardiã do bem e do encontro dos opostos. Os beijos no meu corpo são as feridas de quem tentou. Da flauta das duas coxas sobe o meu canto, e do meu canto a maldição espalha-se em água sobre a terra.


Sou Lilith, a leoa sedutora. Mão de cada servidor, janela de cada virgem. Anjo da queda e consciência do sono leve. Filha de Dalila, Maria Madalena e das sete fadas. Nenhum antídoto para a minha condenação. Da minha luxúria, erguem-se as montanhas e abrem-se os rios. Venho de novo para furar com as minhas ondas o véu do pudor, e para limpar as feridas da falta com o perfume do deboche.


Da flauta das duas coxas sobe o meu canto

E da minha luxúria abrem-se os rios.

Como não poderia haver uma maré

de cada vez que entre os meus verticais lábios brilha um sorriso?


Porque eu sou a primeiro e a última

A cortesã virgem

O medo cobiçado

A adorada desprezada

E a velada desnuda

Porque eu sou a maldição do que precede,

O pecado desaparecido dos desertos quando abandonei Adão.

Ele andou aqui e ali, quebrou a sua perfeição.

Desci-o à terra e acendi para ele a flor da figueira.


Eu sou Lilith, o segredo dos dedos que insistem. Quebro caminhos divulgo sonhos rebento as cidades do macho com o meu dilúvio. Não reuno dois de cada espécie na minha arca Em vez disso, volto a eles, para que o sexo se purifique de toda a pureza.

Eu, versículo da maçã, os livros escreveram-me, ainda que não me tenham lido. Prazer desenfreado esposa rebelde o cumprimento da luxúria que leva à ruína total. Na loucura se entreabre a minha camisa. Os que me escutam merecem morrer, e aqueles que me não escutam morrerão de despeito.

Eu não sou nem a rebelde nem a égua fácil.

Antes o desvanecer do pesar último.

Eu Lilith o anjo devasso. Primeira fuga de Adão e corrompidora de Satanás. O imaginário do sexo reprimido e o seu mais alto grito. Tímida pois sou a ninfa do vulcão, ciumenta pela doce obsessão do vício. O primeiro paraíso não pôde suportar-me. E caçaram-me para que eu semeie a discórdia na terra, para que governe nos leitos os assuntos dos meus sujeitos.

Sorte dos conhecedores e deusa das duas noites. União do sono e do despertar. Eu, o feto-poetisa, ao perder-me ganhei a vida. Regresso do meu exílio para ser a esposa dos sete dias e as cinzas do amanhã.

Eu sou a leoa sedutora e volto para cobrir as submissas de vergonha e para reinar sobre a terra. Venho para curar a costela de Adão e liberar cada homem da sua Eva.

Sou Lilith

Regresso do meu exílio

Para herdar a morte da mãe a que dei vida.

Joumana Haddad

(Traduzido do francês por Mariana Inverno)

5 comentários:

Ana C. disse...

Lindo!

rosaleonor disse...

fabuloso...

Mônica Nascimento disse...

Fiquei emocionada! Parabéns Rosa, adoro o seu blog e compartilho sempre suas postagens. Sou mais uma das poucas que buscam o sagrado e divino esquecido. Salve!

rosaleonor disse...

Obrigada Monica...essa emoção pertence ao nosso universo íntimo de memórias que acordam...fique bem por aqui..sempre!

um enorme abraço
rleonor

PRISCILLA REIS disse...

Forte! Intenso e que nos faz despertar! Gratidão!!!