O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

segunda-feira, agosto 30, 2010

E então, o que é a Mulher Selvagem?


A fauna silvestre e a mulher selvagem são espécies em risco de extinção.

Observamos, ao longo dos séculos, a pilhagem, a redução de espaço e o esmagamento da natureza instintiva feminina. Durante longos períodos ela foi mal gerida, à semelhança da fauna silvestre e das florestas virgens. Há alguns milénios, sempre que lhe viramos as costas, ela é relegada às regiões mais pobres da psique. As terras espirituais da Mulher Selvagem, durante o curso da história, foram saqueadas ou queimadas, com seus refúgios destruídos e seus ciclos naturais transformados à força em ritmos artificiais para agradar os outros.
Não é por acaso que as regiões agrestes e ainda intocadas do nosso planeta desaparecem à medida que fenece a compreensão da nossa própria natureza selvagem mais íntima. Não é tão difícil compreender porque as velhas florestas e as mulheres velhas não são consideradas reservas de grande importância. Não há tanto mistério nisso. Não é coincidência que os lobos e os coiotes, os ursos e as mulheres rebeldes tenham reputações semelhantes. Todos eles compartilham arquétipos instintivos que se relacionam entre si, por isso, têm reputação equivocada de serem cruéis, inatamente perigosos, além de vorazes.

Minha vida e meu trabalho como analista junguiana e cantadora, contadora de histórias, me ensinaram que a vitalidade esvaída das mulheres pode ser restaurada por meio de extensas escavações "psiquico-arqueológicas", e, através de sua incorporação ao arquétipo da Mulher Selvagem, conseguimos discernir os recursos da natureza mais profunda da mulher. A mulher moderna é um borrão de actividade. Ela sofre pressões no sentido de ser tudo para todos. A velha sabedoria há muito não se manifesta.

O título do livro, Mulheres que correm com os lobos, mitos e histórias do arquétipo da Mulher Selvagem, foi inspirado em meus estudos sobre a biologia de animais selvagens, em especial os lobos. Os estudos de lobos Canis Lupus e Canis rufus são como a história das mulheres, no que diz respeito à sua vivacidade e à sua labuta.
Os lobos saudáveis e as mulheres saudáveis têm certas características psíquicas em comum: percepção aguçada, espírito brincalhão e uma elevada capacidade para a devoção. Os lobos e as mulheres são gregários por natureza, curiosos, dotados de grande resistência e força. São profundamente intuitivos e têm grande preocupação para com seus filhotes, seu parceiro e sua matilha. Têm experiência em se adaptar a circunstâncias em constante mutação. Têm uma determinação feroz e uma extrema coragem.

No entanto as duas espécies foram perseguidas e acossadas, sendo-lhes falsamente atribuído o fato de serem trapaceiros e vorazes, excessivamente agressivos e de terem menor valor que os seus detratores. Foram alvo daqueles que preferiam arrasar as matas virgens bem como os arredores selvagens da psique, erradicando o que fosse instintivo, sem deixar que dele restasse nenhum sinal. A actividade predatória contra os lobos e contra as mulheres por parte daqueles que não os compreendem é de uma semelhança surpreendente.

(...)
Chamo-a Mulher Selvagem porque essas exactas palavras, mulher e selvagem, criam llamar o tocar a la puerta, a batida dos contos de fadas à porta da psique profunda da mulher. Llamar o tocar a la puerta significa literalmente tocar o instrumento do nome para abrir uma porta. Significa usar palavras para obter a abertura de uma passagem. Não importa a cultura pela qual a mulher seja influenciada, ela compreende as palavras selvagem e mulher intuitivamente. (...)

Quando as mulheres reafirmam seu relacionamento com a natureza selvagem, elas recebem o dom de dispor de uma observadora interna permanente, uma sábia, uma visionária, um oráculo, uma inspiradora, uma instintiva, uma criadora, uma inventora e uma ouvinte que guia, sugere e estimula uma vida vibrante nos mundos exterior e interior. Quando as mulheres estão com a Mulher Selvagem, a realidade desse relacionamento transparece nelas. Não importa o que aconteça, essa instrutora, mãe e mentora vagem dá sustentação às suas vidas interior e exterior.

Portanto, o termo selvagem neste contexto não é usado em seu actual sentido pejorativo de algo fora de controlo, mas em seu sentido original, de viver uma vida natural, uma vide em que a criatura tenha uma integridade inata e limites saudáveis. Essas palavras, mulher e selvagem, fazem com que as mulheres se lembrem de quem são e do que representam. Elas criam uma imagem para descrever a força que sustenta todas as fêmeas. Elas encarnam uma força sem a qual as mulheres não podem viver.

O arquétipo da mulher selvagem pode ser expresso em outros termos igualmente apropriados. Pode-se chamar essa poderosa natureza psicológica de natureza instintiva, mas a Mulher Selvagem é a força que está por trás dela .
(...)
A mulher selvagem carrega consigo os elementos para a cura; traz tudo o que a mulher precisa ser e saber. Ela carrega histórias e sonhos, palavras e canções, signos e símbolos. Ele é tanto o veículo tanto como o destino.

Aproximar-se da natureza instintiva não significa desestruturar-se, mudar tudo da esquerda para a direita, do preto para o branco, passar do oeste para o leste, agir como louca ou descontrolada. Não significa perder as socializações básicas ou tornar-se menos humana. Significa exactamente o oposto. A natureza selvagem possui uma vasta integridade.
(...)
E então, o que é a Mulher Selvagem? Do ponto de vista da psicologia arquetípica, bem como da tradição das contadoras de histórias, ela é a alma feminina. No entanto, ela é mais do que isso. Ela é a origem do feminino. Ela é tudo o que for instintivo, tanto do mundo visível quanto do oculto - ela é a base. Cada um de nós recebe uma célula refulgente que contém todos os instintos e conhecimentos necessários para nossa vida."
++
Clarissa Pinkola Estés, in "Mulheres que correm com os lobos"

3 comentários:

Anónimo disse...

Mais um vez você me lembra quem sou...
Faz tempo que não leio o livro, e o tenho como escolha para me acompanhar no feriado da próxima semana aqui no Brasil.

Verônica disse...

Estou escrevendo no meu blog minha jornada interior inspirada no livro Mulheres Que Correm Com Os Lobos. Acompanhem e comentem: http://querocorrercomoslobos.blogspot.com/

Unknown disse...

Olá. Sou formanda em arquitetura e estou estudando muito sobre o universo feminino para projetar uma maternidade na qual a mulher seja dignificada (e não humilhada como é comum acontecer) no momento do parto. Foi assim que encontrei seu blog e desde então me tornei seguidora.
Estou agora pesquisando como nós arquitetas podemos expressar o mundo feminino em nossa arquitetura. Escrevi um post sobre o assunto

http://lilianecamargos.blogspot.com/2010/09/arquitetura-e-feminilidade.html

mas acredito que ainda tenho muito o que conhecer da alma feminina para realmente conseguir contruir em nosso mundo espaços mais apropriados à alma feminina.