O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

segunda-feira, abril 21, 2014

COMO ERA ANTES DO 25 DE ABRIL...



UM TESTEMUNHO VIVO DE ANTES DO 25 DE ABRIL...


UMA MULHER CONSCIENTE

Aos dezassete anos fui intoxicada com gás na casa de banho. Lembro-me de todos os pormenores. A lentidão dos movimentos, como se estivesse em câmara lenta, os meus pais por detrás da porta a comentarem que eu nunca mais saía do banho. E eu pensei,"tenho que sair daqui...". Puxei a toalha e esta caíu-me na banheira. Pesava toneladas. Desisti, levantei a perna direita e mergulhei no nada. Contaram-me dps que o meu Pai enlouquecido partiu os vidros fuscos da janela da porta e em vez de a arrombar entrou por ali. Estranhamente, sendo de alta estatura não se sabe com coube ali e não se cortou(???) Mas ao ser arrastada fiquei com alguns vidros nos joelhos. Coisa pouca. O meu Pai fez-me a respiração boca-boca. A minha Mãe gritava e batia com a cabeça nas paredes. Felizmente tinhamos uma vizinha enfermeira e outra extremamente corpolenta, a qual sob ordens da primeira, ia me enterrando os joelhos no estômago, fazendo pressão. Acordei com o médico que me ajudou a nascer e me acompanhou dia e noite qdo julgavam que eu era um bebé mais para a morte do que para a vida. Eu vi a minha vida em perspectiva. Igreja Católica, Igreja Envangélica Baptista, ateísmo, a absurdidez da DESorganização social, os livros proibidos, as condescendências, nomeadamente dos padres qdo aos 14 anos fui a uma mesa redonda falar s/os adolescente e jovens, das ameaças, após ter organizado uma greve laboral, as colegas a desviarem-se de mim pq tinha um tio exilado e tinha tido o meu Pai julgado sumariamente com dois elementos do PCP, então na clandestinidade, com o espectro da polícia política ao deitar e levantar, a morte era também uma via de acesso à liberdade...Tudo era doce e suave, eu deslizava(não esqueçamos que estava gaseada) já que esta vinha ao meu encontro eu deixava-me embalar... Suavidade, suavidade... E foi nesse momento que esse médico incansável, disponível a qq hora do dia ou da noite, Dr Laborinho, gritou angustiado: "estamos a perder a miúda!!!". Tive pena das noites dele perdidas a tratar de mim e fiz o caminho de regresso.
António Nobre disse no seu livro, "Só", "só tem medo da morte quem não conhece a própria vida". No Portugal cinzentão onde as mulheres estavam completamente sualternizadas não era fácil ser mulher com consciência. Era muito perigoso destoar. Resta-me ainda acrescentar que ao regressar senti-me aterrar dentro do meu próprio corpo. Como se houvesse caído, dentro de mim mesma, numa queda aparatosa.
Peço desculpa pelos erros. Mas não fui capaz de reler todo o comentário. A visibilidade parcial também não ajudou. Ainda gostaria de acrescentar que um destes padres era bem progressista. E logo ali me disseram que gostaram mto de me ouvir, mas que não podia falar assim em público. Foram contactar o meu avô materno para lhe dizerem que era mto novinha, mas mesmo assim poderia ser detida. O meu avô já tinha tido o genro preso, a filha vítima da polícia que carregou nela quando se precipitou para a viatura sinistra que transportava o meu Pai como um Cristo, martirizado pela tortura, com as ligaduras ensanguentadas envolvendo-lhe a cabeça (também nos trouxeram a camisa branca em tiras com sangue seco para nós vermos. Uma criança não esquece), um filho duas vezes fugido à PIDE... O meu avô respeitava-me mto e teve orgulho, apesar do medo por mim.

Desculpe este meu desabafo tão longo na sua postagem, Rosa Leonor, são estórias comuns de um passado bem recente, que pode voltar se não formos suficientemente firmes e vigilantes. Mais uma vez peço desculpa, mas uma vez aberta a cx do registo das atrocidades é quase impossível parar. E o meu Pai nem era activista, mas apenas um homem justo que nascendo filho de um patrão, e trabalhando a seu lado, não conseguia suportar que os empregados trabalhassem e não tivessem pão. Há patrões e patrões. Mas a fome é concreta e doi no estômago de quem a sente.

Rosa Leonor, estou arrepiada, emocionada!... E lamento não estar com tempo para nada. Venho aqui de fugida, e tudo me é ainda mto doloroso. Até que o meu Pai me foi literalmente arrancado da mão numa tarde de Domingo. OBRIGADA por ter lutado para que todas nós pudessemos votar. Foi duro ver, sobretudo as mulheres, trocarem a cidadania por um dia de praia. Mesmo quando se tratou de democracia directa. Terei mto prazer em que me publique, mas neste momento não estou com possibilidade. O sofrimento de tantos não pode ser em vão, devorado pelo embrutecimento induzido pelo capitalismo selvagem. Abraço fraterno!

Antígona Becca Salles Casalinho

2 comentários:

Anónimo disse...

Grata, eterna gratidão...
Acreditem tento honrar os vossos actos e vidas...
Carla Moreira

rosaleonor disse...

Muito obrigada Carla querida!