O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

sábado, setembro 27, 2014

A FALÁCIA DO COMUNISMO E DO PENSAMENTO MARXISTA



A MULHER SAIU DE UMA ESCRAVIDÃO, A DO LAR… PARA ENTRAR NOUTRA ESCRAVIDÃO, A DO TRABALHO, COM A ILUSÃO DE QUE SERIA LIVRE…

Um século depois…vemos não só a desmistificação da ideologia como da teoria construída no ideal…Em 1969 ainda apanhei com os resquícios dessa ideologia em teoria muito bem elaborada, para chegar ao século XXI e ver como a Mulher Verdadeira continua muito longe da sua essência. Resta-me pensar se a luta feminista assim desencadeada nestes regimes totalitários e falocráticos não ajudou a destruir ainda mais a mulher primordial. A Mulher essência, a Mulher como representante do Princípio Feminino e da Deusa Mãe, reforçando o ideal patriarcal.  

Leiam o texto e façam as vossas ilações…
rlp

 
A mulher moderna

Por Anna Kollontai

Quem são as mulheres modernas? Como as criou a vida?

A mulher moderna, a mulher que denominamos celibatária, é filha do sistema económico do grande capitalismo. A mulher celibatária, não como tipo acidental, mas uma realidade cotidiana, uma realidade da massa, um fato que se repete de forma determinada, nasceu com o ruído infernal das máquinas da usina e da sirene das fábricas. A imensa transformação que sofreram as condições de produção no transcurso dos últimos anos, inclusive depois da influência das constantes vitórias da produção do grande capitalismo, obrigou também a mulher a adaptar-se às novas condições criadas pela realidade que a envolve, o tipo fundamental da mulher está em relação directa com o grau histórico do desenvolvimento económico por que atravessa a humanidade. Ao mesmo tempo que se experimenta uma transformação das condições económicas, simultaneamente à evolução das relações da produção, experimenta-se a mudança no aspecto psicológico da mulher. A mulher moderna, como tipo, não poderia aparecer a não ser com o aumento quantitativo da força de trabalho feminino assalariado. Há cinquenta anos, considerava-se a participação da mulher na vida económica como desvio do normal, como infracção da ordem natural das coisas. As mentalidades mais avançadas, os próprios socialistas buscavam os meios adequados para que a mulher voltasse ao lar. Hoje em dia, somente os reaccionários, encerrados em preconceitos e na mais sombria ignorância, são capazes de repetir essas opiniões abandonadas e ultrapassadas há muito tempo.

 Há cinquenta anos, as nações civilizadas não contavam nas fileiras da população activa com mais do que algumas dezenas, ou mesmo algumas centenas de milhares de mulheres. Actualmente o crescimento da população trabalhadora feminina é superior ao crescimento da população masculina. Os povos civilizados dispõem não de centenas de milhares, mas sim de milhões de braços femininos. Milhões de mulheres pertencem às fileiras proletárias; milhares de mulheres têm uma profissão, consagram suas vidas à ciência ou à arte. Na Europa e nos Estados Unidos as estatísticas acusam mais de sessenta milhões de mulheres inscritas na classe trabalhadora. Marcha grandiosa a desse exército independente de mulheres! 50%  desse exército é constituído por mulheres do tipo celibatário, isto é, por mulheres que na luta pela subsistência contam apenas com suas próprias forças; de mulheres que não podem, segundo a tradição, viver unicamente dependendo de um marido que as mantenha.

 As relações de produção, que durante tantos séculos mantiveram a mulher trancada em casa e submetida ao marido, que a sustentava, são as mesmas que, ao arrancar as correntes enferrujadas que a aprisionavam, impelem a mulher frágil e inadaptada à luta do cotidiano e a submetem à dependência económica do capital. A mulher ameaçada de perder toda a assistência, diante do temor de padecer privações e fome, vê-se obrigada a aprender a se manter sozinha, sem o apoio do pai ou do marido. A mulher defronta-se com o problema de adaptar-se rapidamente às novas condições de sua existência, e tem que rever imediatamente as verdades morais que herdou de suas avós. Dá-se conta, com assombro, de toda inutilidade do equipamento moral com que a educaram para percorrer o caminho da vida. As virtudes femininas - passividade, submissão, doçura - que lhe foram inculcadas durante séculos, tornam-se agora completamente supérfluas, inúteis e prejudiciais. A dura realidade exige outras qualidades nas mulheres trabalhadoras. Precisa agora de firmeza, decisão e energia, isto é, aquelas virtudes que eram consideradas como propriedade exclusiva do homem. Privada da protecção que até então lhe prestara a família ao passar do aconchego do lar para a batalha da vida e da luta de classes, a mulher não tem outro remédio senão armar-se, fortificar-se, rapidamente, com as forças psicológicas próprias do homem, de seu companheiro, que sempre está em melhores condições para vencer a luta pela vida. Nesta urgência em adaptar-se às novas condições de sua existência, a mulher se apodera e assimila as verdades, propriamente masculinas, frequentemente sem submetê-las a nenhuma crítica, e que, se examinadas mais detalhadamente, são apenas verdades para a classe burguesa.(1)

 A realidade capitalista contemporânea parece esforçar-se em criar um tipo de mulher que, pela formação de seu espírito, se encontra incomparavelmente mais próxima do homem do que da mulher do passado. Este tipo de mulher é uma consequência natural e inevitável da participação da mulher na corrente da vida económica e social. O mundo capitalista só recebe as mulheres que souberam desprezar, a tempo, as virtudes femininas e que assimilaram a filosofia da luta pela vida. Para as inadaptadas, isto é, para aquelas mulheres pertencentes ao tipo antigo, não há lugar nas fileiras das hostes trabalhadoras. Cria-se desta forma, uma espécie de selecção natural entre as mulheres das diversas camadas sociais. As fileiras das trabalhadoras são sempre formadas pelas mais fortes e resistentes, pelas mulheres de espírito mais disciplinado. As de natureza frágil e passiva continuam fortemente vinculadas ao lar. Se as necessidades materiais as arrancam do lar para lançá-las na tormenta da vida, estas mulheres deixam-se levar pelo caminho fácil da prostituição legal ou ilegal, casam-se por conveniência ou lançam-se à rua. As mulheres trabalhadoras constituem a vanguarda de todas as mulheres e integram em suas fileiras representantes das diversas camadas sociais. Entretanto, a imensa maioria dessa vanguarda feminina não se constitui de mulheres do tipo de Vera Niokdinovna, orgulhosas da sua independência, mas, por milhões de Matildes envoltas em xales cinzentos, Tatianas, de Riasan, com os pés descalços, empurradas pela miséria a novos caminhos.(2) É um profundo erro pensar, no entanto, que o novo tipo de mulher, a celibatária, é fruto de esforços heróicos de algumas individualidades fortes que tomaram consciência de sua própria personalidade. Nem a vontade própria, nem o exemplo audacioso de Magda, nem o da decidida Renata foram capazes de criar o novo tipo de mulher. A transformação da mentalidade da mulher, de sua estrutura interior, espiritual e sentimental, realizou-se primeiro e, principalmente, nas camadas mais profundas da sociedade, ou seja, onde se produz necessariamente a adaptação ao trabalho, nas condições radicalmente transformadas de sua existência.

 Estas mulheres, as Matildes e as Tatianas, não resolvem nenhum problema. Além disso, ainda tentam agarrar-se com todas as suas forças ao passado. Com muito pesar se vêem obrigadas a curvar-se diante das leis da necessidade histórica - as forças de produção - e a dar os primeiros passos pelo novo caminho. Caminham ao acaso, dominadas pela tristeza, amaldiçoando seus passos e acariciando em seu interior o sonho de um lar, onde possam desfrutar de tranquilas e modestas alegrias. Ah, se fosse possível abandonar o caminho, voltar atrás. Mas, isto é irrealizável, pois os grupos de companheiras são cada vez mais densos e a corrente as empurra cada vez para mais longe do passado. É preciso adaptar-se à angustiante falta de espaço, preparar-se para a luta, ocupar o lugar correspondente a cada uma; têm que defender o direito de viver.

 A mulher da classe operária contempla como nasce e se fortalece dentro de si a consciência de sua independente individualidade. Tem fé em suas próprias forças. Gradualmente, de forma inevitável e poderosa, desenvolve-se o processo de acumulação de novos caracteres morais e espirituais da mulher operária, caracteres que lhe são indispensáveis como representantes de uma classe determinada. Há, porém, algo ainda mais essencial; é que esse processo de transformação da estrutura interior da mulher não se reduz unicamente a personalidades, mas corresponde a grandes massas, a círculos muito grandes, cada vez maiores. A vontade individual submerge e desaparece no esforço colectivo de milhões de mulheres da classe operária, para adaptar-se às novas condições da vida. Também nesta transformação desenvolve o capitalismo uma grande actividade. Ao arrancar do lar, do berço, milhares de mulheres, o capitalismo converte essas mulheres submissas e passivas, escravas obedientes dos maridos, num exército que luta pelos seus próprios direitos e pelos direitos e interesses da comunidade humana. Desperta o espírito de protesto e educa a vontade. Tudo isto contribui para que se desenvolva e fortaleça a individualidade da mulher.

 Mas, desgraçada da operária, que crê na força invencível de uma individualidade isolada. A pesada carga do capitalismo a esmagará, friamente, sem piedade. As fileiras de mulheres combatentes constituem a única força capaz de desviar de seu caminho a pesada carga do capitalismo. Deste modo, ao mesmo tempo que se desenvolve a consciência de sua personalidade e de seus direitos, nasce e evolui na mulher operária do novo tipo o sentimento da colectividade, o sentimento do companheirismo, que só se encontra, e muito levemente, na mulher do novo tipo pertencente a outras classes sociais. Este é o sentimento fundamental, a esfera de sensações e pensamentos que separa com uma linha divisória definitiva as trabalhadoras das mulheres burguesas, pertencentes ao mesmo tipo celibatário. Nas mulheres do novo tipo, mas pertencentes às distintas classes, é comum a distinção qualitativa das mulheres do passado. Como parte integrante das hostes de mulheres trabalhadoras, sua estrutura interior experimentou igual transformação, ou seja, logrou desenvolver sua inteligência, reforçar sua personalidade e ampliar seu mundo espiritual. A esfera, porém, de pensamentos e sentimentos, que derivam do conceito de classe, são os que separam, fundamentalmente, as mulheres do novo tipo pertencentes às diversas camadas sociais. As operárias sentem o antagonismo de classe com uma intensidade infinitamente maior que as mulheres do tipo antigo, que não tinham consciência da luta social. Para a operária, que deixou sua casa, que experimentou sobre si mesma toda a força das contradições sociais e que se viu obrigada a participar activamente na luta de classes, uma ideologia de classe, clara e definida, adquire a importância de uma arma na luta pela existência. A realidade capitalista separa de maneira absoluta a Tatiana, de Gorki, da Tatiana de Nagrodskaia. É esta realidade capitalista que leva a proprietária de uma oficina a encontrar-se, por sua ideologia, muito mais separada de uma de suas operárias do que a boa dona de casa com relação a sua vizinha, a mulher de um operário. Esta realidade capitalista torna aguda a sensação do antagonismo social entre as mulheres trabalhadoras. Para esta categoria de mulheres do novo tipo só pode haver um ponto comum: sua distinção qualitativa da mulher do passado, as propriedades específicas que caracterizam a mulher independente, do tipo que temos denominado celibatário. As mulheres do novo tipo, pertencentes a estas duas classes sociais, passam por um período de antagonismo: as duas classes lutam pela afirmação de sua personalidade; as de uma classe, conscientemente, por princípio, as da outra classe, de forma elementar, coletiva, sob o jugo do inevitável.

 Mesmo, porém, que na nova mulher pertencente à classe operária a luta pela afirmação de seu direito e de sua personalidade coincida com os interesses de sua classe, as mulheres do novo tipo pertencentes a outras classes sociais têm necessariamente que se defrontar com um obstáculo: a ideologia de sua classe, que é hostil à reeducação do tipo de mulher. No meio burguês, a insurreição da mulher adquire um carácter muito mais agudo e os dramas morais da mulher do novo tipo são muito mais vivos, têm mais colorido, oferecem maiores complicações.(3) No meio operário, não há nem podem existir conflitos agudos entre a psicologia da mulher do novo tipo, em formação, e a ideologia de sua classe. Tanto sua psicologia em formação como sua ideologia de classe encontram-se em um processo de formação, em fase de desenvolvimento.

 O novo tipo da mulher, que é interiormente livre e independente, corresponde, plenamente, à moral que elabora o meio operário no interesse de sua própria classe. A classe operária necessita, para a realização de sua missão social, de mulheres que não sejam escravas. Não quer mulheres sem personalidade, no matrimónio e no seio da família, nem mulheres que possuam as virtudes femininas - passividade e submissão. Necessita de companheiras com uma individualidade capaz de protestar contra toda servidão, que possam ser consideradas como um membro activo, em pleno exercício de seus direitos, e, consequentemente, que sirvam à colectividade e à sua classe.

 A psicologia da mulher do novo tipo, da mulher independente e celibatária, reflecte sobre a das demais mulheres que permanecem ainda na retaguarda em relação a seu tempo. Os traços característicos, formados na luta pela vida, das trabalhadoras convertem-se pouco a pouco, gradativamente, nas características das outras mulheres que ficaram atrasadas. Pouco importa que as mulheres trabalhadoras sejam apenas minoria, que para cada mulher do novo tipo haja duas, talvez três mulheres pertencentes ao tipo antigo. As mulheres trabalhadoras são as que dão tom à vida e determinam a figura de mulher que caracteriza uma época determinada.

 As mulheres do novo tipo, ao criar os valores morais e sexuais, destroem os velhos princípios na alma das mulheres que ainda não se aventuraram a empreender a marcha pelo novo caminho. São estas mulheres do novo tipo que rompem com os dogmas que as escravizavam.
A influência das mulheres trabalhadoras estende-se muito além dos limites de sua própria existência. As mulheres trabalhadoras contaminam com sua crítica a inteligência de suas contemporâneas, destroem os velhos ídolos e hasteiam o estandarte da insurreição para protestar contra as verdades que as submeteram durante gerações. As mulheres do novo tipo, celibatário e independente, ao se libertarem, libertam o espírito agrilhoado, durante séculos, de outras mulheres ainda submissas.

 É certo que a mulher do novo tipo já penetrou na literatura. Mas está ainda muito longe de haver expulsado as heroínas de estrutura moral pertencentes aos tempos passados. Tampouco conseguiu a mulher-individualidade descartar-se do tipo de mulher esposa, eco do homem. Entretanto, é fácil observar que ainda nas heroínas do tipo antigo se encontram, cada vez com maior frequência, as propriedades e os traços psicológicos que possibilitaram a vida das mulheres do tipo celibatário e independente. Os escritores dotam involuntariamente suas heroínas com sentimentos e características que não eram, de modo algum, próprios das heroínas da literatura do período precedente.(4)

 A literatura contemporânea é rica, sobretudo, em figuras de mulheres do tipo transitório. É rica em heroínas que têm simultaneamente as características da mulher antiga e da mulher nova. Por outro lado, ainda nas mulheres do tipo celibatário já formado, observa-se um processo de transformação dos novos valores, que podem ser abafados pela tradição e por uma série de pensamentos superados. A força dos séculos é demasiado grande e pesa muito sobre a alma da mulher do novo tipo. Os sentimentos atávicos perturbam e debilitam as novas sensações. As velhas concepções da vida prendem ainda o espírito da mulher que busca sua libertação. O antigo e o novo se encontram em continua hostilidade na alma da mulher. Logo, as heroínas contemporâneas têm que lutar contra um inimigo que apresenta duas frentes: o mundo exterior e suas próprias tendências, herdadas de suas mães e avós.

 Como disse Hedwig Dohn, “os novos pensamentos já nasceram em nós, mas os antigos ainda não morreram. Os restos das gerações passadas não perderam sua força, ainda que possuamos a formação intelectual, a força de vontade da mulher do novo tipo.” A reeducação da psicologia da mulher, necessária às novas condições de sua vida económica e social, não pode ser realizada sem luta. Cada passo dado nesse sentido provoca conflitos, que eram completamente desconhecidos das heroínas antigas. São esses conflitos que inundam a alma da mulher, os que pouco a pouco chamam a atenção dos escritores e acabam por converter-se em manancial de inspiração artística. A mulher transforma-se gradativamente. E de objecto da tragédia masculina converte-se em sujeito de sua própria tragédia.
 
Texto de Anna Kollontai - escritora e comunista russa - nasceu em 19 de Março de 1872 e morreu em 9 de março de 1952 

2 comentários:

Rafa Lima disse...

O nome da escritora é Alexandra Mikhailovna Kollontai*

rosaleonor disse...

Obrigada pela clarificação do nome.