O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

terça-feira, fevereiro 27, 2024

Os homens não sabem o que é amor...




UM HOMEM QUE DIZ A VERDADE...


 "Um filho é uma armadilha que se fechou."

“De forma geral, os homens não sabem o que é amor, é um sentimento que lhes é totalmente estranho. Conhecem o desejo, o desejo sexual em estado bruto e a competição entre machos; e depois, muito mais tarde, já casados, chegam, chegavam antigamente, a sentir um certo reconhecimento pela companheira quando ela lhes tinha dado filhos, tinha mantido bem a casa e era boa cozinheira e boa amante - então chegavam a ter prazer por dormirem na mesma cama. Não era talvez o que as mulheres desejavam, talvez houvesse aí um mal-entendido, mas era um sentimento que podia ser muito forte - e mesmo quando eles sentiam uma excitação, aliás cada vez mais fraca, por esta ou aquela mulher, já não conseguiam literalmente viver sem a mulher e, se acontecia ela morrer, eles desatavam a beber e acabavam rapidamente, em geral uns meses bastavam. Os filhos, esses, representavam a transmissão de uma condição, de regras e de um património. Era evidentemente o que acontecia nas classes feudais, mas igualmente com os comerciantes, camponeses, artesãos, de forma geral com todos os grupos da sociedade. Hoje, nada disso existe.
 
As pessoas são assalariadas, locatárias, não têm nada para deixar aos filhos. Não têm nada para lhes ensinar, nem sequer sabem o que eles poderão vir a fazer; as regras que conheceram não serão de todo aplicáveis a eles, porque eles viverão num mundo completamente diferente. Aceitar a ideologia da mudança permanente significa aceitar que a vida de um homem está reduzida estritamente à sua existência individual e que as gerações passadas e futuras não têm, aos seus olhos, nenhuma importância.
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É assim que nós vivemos, e ter um filho, hoje, para um homem, já não faz qualquer sentido.
O caso das mulheres é diferente, porque elas continuam a sentir a necessidade de terem um ser que amem – o que não é, nem nunca foi, o caso dos homens. É um disparate acreditar que os homens também têm necessidade de acarinhar e de brincar com os filhos, de lhes fazer festinhas. Por mais que no-lo digam, é um disparate. Depois de nos termos divorciado e de o quadro familiar se ter desfeito, as relações com os filhos perdem o sentido. Um filho é uma armadilha que se fechou, é o inimigo que temos de continuar a manter e que vai acabar por nos enterrar.“
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— Michel Houellebecq (n. Michel Thomas, na Ilha da Reunião, a 26 de Fevereiro de 1956), romancista, poeta, ensaísta, realizador e argumentista francês, in ”As Partículas Elementares”.

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