O SORRISO DE PANDORA
“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja.
Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto.
Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado
Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “
In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam
sábado, junho 29, 2002
“Onde encontrar salvação? Enches o mundo. Só em ti posso fugir de ti”
in “Fogos”- M. Yourcenar
“ELA É OUTRO MUNDO”
(...)
E com rubis e rosas, neve e ouro,
Formou sublime e angélica beleza.
Pôs na boca os rubis, e na pureza
Do belo rosto as rosas, por quem mouro;
No cabelo o valor do metal louro;
No peito a neve em que a minha alma tenho acesa.
Mas nos olhos mostrou quanto podia.
E fez deles um sol, onde se apura
A luz mais clara que a do claro dia.
Enfim, Senhora, em vossa compostura
Ela a apurar chegou quanto sabia
De ouro, rosas, rubis, neve e luz pura.
Camões
“A ALQUIMIA DO AMOR”
É o que justifica que idênticos epítetos, tirados do mundo secular, se apliquem por exemplo à Virgem Maria: ”arca, torre, porta, jardim, árvore, fonte, casa, espelho, oceano, lua, estrela, aurora, monte”, como em Angelus Silesius. Sendo a Virgem tanta coisa de tão variada proveniência, o que se conclui é que a sua realidade é “outra”, como Silesius acaba por dizer: “Ela é um outro mundo.” A sua dimensão é espiritual e divina, só por aí por ser entendida.
Toda a dama cantada nestes termos - variados, opostos, não conciliáveis à primeira vista - está a ser espiritualizada e projectada numa dimensão que não é a do mundo. A mulher que o poeta sublima em belos e riquíssimos tesouros, com um corpo que se dilui ora em matérias tão subtis como a luz, esta mulher que se “apura” nos poemas, faz esquecer a amante real que se deseja.(...)
de Y.K.Centeno
Magia
Quando te vejo, é como se à terra descesse um anjo...
Quando te olho, nem a minha alma crê naquilo que vê!
Como se no deserto estivesse e visse uma miragem,
Ou como se, no delírio da febre, tivesse uma alucinação,
Assim é a tua imaculada imagem no meu coração...
Cúmulo do delírio, por tua graça, no inimigo vejo o amigo,
No outro vejo-me a mim, e por mais que eu queira,
Não consigo desfazer a magia com que o teu olhar me encantou
Feitiço
Sou possessa sim, mas de amor o teu!
Amante de mim sim, mas de tanto em mim viveres, ó deusa.
Sou crente e serva de um só olhar, o teu invisível olhar,
Que me fulminou de magia e ardente nostalgia, mal nasci!
In “MULHER INCESTO”
A ESCRITA
Para mim escrever às vezes é quase rezar... Penso a escrita para mim mesma como um fio que me liga, um cabo magnético invisível, a outro lado de mim mesma, seja o “inconsciente”, seja o supra -consciente. O que busco é um fio condutor, uma orientação interior, uma voz inaudível, um eco de mim própria que se repercuta através do espaço e do éter e que me traga memórias, mas também dê respostas...Algo que me ligue o finito que sou ao infinito a que pertenço, que ligue o céu e a terra, que me una ao Cosmos.
Sinto-me como “uma nómada do cosmos” que aterrou aqui ou caí, não de “pára-quedas”, mas num corpo físico...Portentoso e frágil, sublime e miserável à vez...Um corpo de carne e ossos, nervos e sangue, um corpo que dói e dá prazer, um corpo que tem olhos e chora! Que tem alma e saudades de “casa”, que tem saudades de uma Mãe Original, para além da matéria densa a que estamos presos.
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