“Onde encontrar salvação? Enches o mundo. Só em ti posso fugir de ti”
in “Fogos”- M. Yourcenar
“ELA É OUTRO MUNDO”
(...)
E com rubis e rosas, neve e ouro,
Formou sublime e angélica beleza.
Pôs na boca os rubis, e na pureza
Do belo rosto as rosas, por quem mouro;
No cabelo o valor do metal louro;
No peito a neve em que a minha alma tenho acesa.
Mas nos olhos mostrou quanto podia.
E fez deles um sol, onde se apura
A luz mais clara que a do claro dia.
Enfim, Senhora, em vossa compostura
Ela a apurar chegou quanto sabia
De ouro, rosas, rubis, neve e luz pura.
Camões
“A ALQUIMIA DO AMOR”
É o que justifica que idênticos epítetos, tirados do mundo secular, se apliquem por exemplo à Virgem Maria: ”arca, torre, porta, jardim, árvore, fonte, casa, espelho, oceano, lua, estrela, aurora, monte”, como em Angelus Silesius. Sendo a Virgem tanta coisa de tão variada proveniência, o que se conclui é que a sua realidade é “outra”, como Silesius acaba por dizer: “Ela é um outro mundo.” A sua dimensão é espiritual e divina, só por aí por ser entendida.
Toda a dama cantada nestes termos - variados, opostos, não conciliáveis à primeira vista - está a ser espiritualizada e projectada numa dimensão que não é a do mundo. A mulher que o poeta sublima em belos e riquíssimos tesouros, com um corpo que se dilui ora em matérias tão subtis como a luz, esta mulher que se “apura” nos poemas, faz esquecer a amante real que se deseja.(...)
de Y.K.Centeno
Magia
Quando te vejo, é como se à terra descesse um anjo...
Quando te olho, nem a minha alma crê naquilo que vê!
Como se no deserto estivesse e visse uma miragem,
Ou como se, no delírio da febre, tivesse uma alucinação,
Assim é a tua imaculada imagem no meu coração...
Cúmulo do delírio, por tua graça, no inimigo vejo o amigo,
No outro vejo-me a mim, e por mais que eu queira,
Não consigo desfazer a magia com que o teu olhar me encantou
Feitiço
Sou possessa sim, mas de amor o teu!
Amante de mim sim, mas de tanto em mim viveres, ó deusa.
Sou crente e serva de um só olhar, o teu invisível olhar,
Que me fulminou de magia e ardente nostalgia, mal nasci!
In “MULHER INCESTO”
A ESCRITA
Para mim escrever às vezes é quase rezar... Penso a escrita para mim mesma como um fio que me liga, um cabo magnético invisível, a outro lado de mim mesma, seja o “inconsciente”, seja o supra -consciente. O que busco é um fio condutor, uma orientação interior, uma voz inaudível, um eco de mim própria que se repercuta através do espaço e do éter e que me traga memórias, mas também dê respostas...Algo que me ligue o finito que sou ao infinito a que pertenço, que ligue o céu e a terra, que me una ao Cosmos.
Sinto-me como “uma nómada do cosmos” que aterrou aqui ou caí, não de “pára-quedas”, mas num corpo físico...Portentoso e frágil, sublime e miserável à vez...Um corpo de carne e ossos, nervos e sangue, um corpo que dói e dá prazer, um corpo que tem olhos e chora! Que tem alma e saudades de “casa”, que tem saudades de uma Mãe Original, para além da matéria densa a que estamos presos.
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