O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

quinta-feira, fevereiro 18, 2010

O AMOR DOS HOMENS...


"O teu bem faz-me tão mal"

As novas Luísas não têm dimensão romanesca nem dramática.


Dia de S. Valentim e dos Namorados, vá-se lá saber porquê. Uma homenagem ao consumo introduzida no nosso mercado pelas grandes cadeias e superfícies, feita de inutilidades em forma de coração. Mas também ofertas, como pequenos sinais de amor, que prevalecem, ainda, sobre uma outra realidade, oculta e emergente, um mau sinal dos tempos.


Sete das 26 mulheres assassinadas, vítimas de violência doméstica, tinham menos de 22 anos. Uma em cada quatro jovens é vítima de violência no namoro. O sexo forçado já não é considerado como uma violação. Ao fim de cinco anos de namoro, Daniel assassinou Joana. Na reportagem, ouvem-se as vozes femininas e infantis, descrevendo processos de dominação, insensibilidade, falta de respeito. A violência no namoro, um "desnamoro" no qual as subtilezas da sedução, o tempo doce do enamoramento, o enaltecimento, em crescendo, de sentimentos mútuos de atracção e amor se perdem, ou não chegam sequer a existir, ganha dimensão num quadro em que se jogam quase só relações de força e de domínio. Porquê?

Uma infantilidade promovida para além do razoável, o medo a crescer, a solidão, o primado da fantasia em vidas induzidas e virtuais, a liberdade sexual confundida com pura libertinagem aliadas a uma mão-cheia de estereótipos errados, explicam muito deste fenómeno.


Na relação do namoro, em regra, o rapaz é altamente idealizado pela rapariga. Essa idealização dá-lhe um poder que usa mal: humilhação verbal, pressão psicológica, manifestações de domínio que elas confundem com ciúmes, com paixão... As dificuldades no rompimento começam com a própria dificuldade em identificar a violência, aumentam com os riscos de perseguição, a vergonha, a relutância em aceitar o logro, em reagir, a falta de apoios.


O formato do namoro alterou- -se completamente. É, hoje, uma pré-conjugalidade em que os actores parecem não ter crescido e para que a sociedade olha com a maior ligeireza. Assume-se o facto de estes jovens, lançados em experiências afectivas quase de não retorno, têm afinal duas idades: a do seu bilhete de identidade, e uma outra, datada por um amadurecimento lento, em atraso permanente com a sua liberdade, uma escassa claridade de consciência que os leva a agir ao acaso. As famílias alargadas, os amigos e a vizinhança são supostos não intervir. Uma cultura de "vive e deixa viver" assente num pseudo-respeito pela individualidade e liberdade de cada um deixa esta miudagem ao abandono.


Um outro aspecto, mais vexatório, é o da passividade feminina. No século XXI, após tanta luta pela igualdade de estatuto, o que explica que raparigas informadas, em permanente ligação com o mundo exterior, postas em rede, por assim dizer, desfrutando de liberdades dantes inimagináveis e teoricamente aptas a alcançar uma autonomia plena, possam continuar a personificar a mulher refém de um contexto socioeconómico e cultural que encheu a literatura do século XIX e XX?


Reli recentemente O Primo Basílio e, semanas depois, por puro acaso, Madame Bovary. Romances que a minha geração leu muito cedo e cuja leitura renovada, anos mais tarde, permite uma percepção claríssima da condição humana, da sua imutabilidade, nesse universo dos sentimentos onde a modernidade penetra tão dificilmente. Duas mulheres do seu tempo cuja ascensão social, embora tímida, permitiu vidas de ócio senhorial; corações palpitantes e cabeças atreitas à constante fuga do real, alimentadas por romances de cordel e libretos de ópera, notícias vagas de um outro mundo, mais intenso e mais excitante, cuja entrada não podiam franquear. Duas mulheres que não cresceram, protegidas por maridos cumpridores e aborrecidos, lançadas na voragem de uma fantasia que as destrói até à morte.


Mas as novíssimas Luísas do nosso tempo não têm dimensão romanesca nem dramática. São apenas personagens pré-marcados, de uma tragédia que já nada parecia justificar.


IN DN por MARIA JOSÉ NOGUEIRA PINTO
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Um texto integral cuja autora nem sempre aprecio, mas que neste caso não falha uma linha no que diz...justíssima e lúcida toda a sua perspectiva...

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