O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

quarta-feira, março 16, 2011

O GATO É UMA LEI EM SI MESMO



“O gato é uma lei em si mesmo. Nunca perdeu o seu despótico ar de indolência e luxúria oriental. Era demasiado feminino para os gregos, amantes do masculino. Referia-me à invenção da feminilidade por parte dos egípcios, uma estética prática e social extraída do brutal feminino mecanismo da natureza. O traje das aristocratas egípcias, uma requintada túnica de linho transparente, com pregas, só pode ser qualificado de cingido (…)
Elegantes são também os furtivos movimentos do gato durante a noite. Os egípcios admiravam a macieza… (…)
Mas o carácter furtivo representa a sinuosa arte da obscuridade demónica, que o gato traz para a luz do dia.


Os gatos têm pensamentos secretos, uma consciência dividida. Nenhum outro animal é capaz dessa ambivalência, dessas ambíguas correntes de sentimentos cruzados, como quando um gato ronrona ao mesmo tempo que crava os dentes, em sinal de aviso, no nosso braço.
Quando um gato está preguiçosamente recostado, o seu drama interior é telegrafado através das suas orelhas, que se movem continuamente a fim de detectar qualquer ruído distante enquanto os seus olhos se fixam nos nossos, em fingida adoração; mas também através da cauda, que se agita ameaçadoramente mesmo quando o animal está a dormitar. Por vezes o gato finge não ter qualquer relação com a sua própria cauda, atacando-a de uma forma esquizofrénica. A sua cauda nervosa e chicoteante é o barómetro ctónico do mundo apolíneo do gato. É a serpente no jardim que golpeia e devora com premeditada malícia. A ambivalente dualidade do gato é representada pelo seu humor volúvel, pelas abruptas transições do torpor e do frenesim, com as quais ele refreia a nossa presunção: “Não te aproximes. Eu sou incognoscível”

In Personas Sexuais de Camille Paglia

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