O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

quarta-feira, março 16, 2011

Venus de Willendorf



Faz a Vénus de Willendorf
justiça à experiência feminina?

"O sexo, como já disse é uma descida aos reinos inferiores, uma quotidiana passagem do culto celeste ao culto da terra.
É algo de abdominal e abominável, de demónico. A Vénus de Willendorf esta a descer a desaparecer no seu próprio labirinto. É um tubérculo, enraizado num pedaço de terra. K. Clark divide o nu feminino em dois tipos: a Afrodite vegetal e a Afrodite Cristalina. Inerte e comungando de si mesma, a Vénus de Willendorf representa os obstáculos do sexo e da natureza vegetal. É no seu santuário que prestamos culto durante o sexo oral. Nas entranhas da terra mãe, somos capazes de sentir, mas não ver nem pensar. A Vénus de Willendorf vai-se estreitando num duplo delta púbico, com os joelhos juntos, apertados, no pélvico ângulo agudo das suas largas ancas maternais, que a impedem de correr com facilidade. O meneio feminino é o andar bamboleante, de pato, da nossa chapinhante Vénus que nada no rio subterrâneo da natureza líquida. O sexo é exploração, sondagem, jorros e secreções. Esta Vénus dormita e sonda com a sua varinha de vedor, perscrutando a agitação no seu saco de águas.

Faz a Vénus de Willendorf justiça à experiência feminina? Faz. A mulher está presa no seu corpo aquoso, ondulante. Ela tem de escutar e aprender a partir de algo que a excede, mas ao mesmo tempos está dentro de si mesma. Cega, sem língua, sem cérebro e sem braços, de joelhos inclinados para dentro, a Vénus de Willendor parece o modelo depressivo do género feminino. Mas as mulheres são depressivas, abatidas pela gravitação da terra, que nos atrai para o seu seio. Iremos ver esse maligno magnetismo em acção na obra de Milguel Ângelo, pis foi um dos seus grandes temas e obsessões. No ocidente, a arte é uma forma de desbastar grosseiramente o excesso de natureza. A mente ocidental cria definições; ou seja, traça linhas. E isso é a essência do apolíneo. Não existem limites na Vénus de Willendorf, apenas curvas e círculos. Ela é o sem-forma da natureza. Está atolada no lodo miasmático que eu identifico com Diónisos. A Vénus de Willendorf, afundada, sostra e desmazelada, vive num buraco estupidificante – o útero-túmulo da mãe natureza.(…)

Como começou a beleza? Ao suprimir o olhar, o culto da terra encerra o homem no ventre das mães. Não há nada de belo, repito, na natureza. A natureza é um poder primevo, rude turbulento. O belo é a nossa arma contra a natureza; através dessa ideia criamos objectos, conferimos-lhe limites, simetria, proporção. A beleza detém e congela o fluxo fundente da natureza.
A beleza foi criada pela acção conjunta dos homens.”*

Adenda:

Neste excerto apenas quero salientar a forma como a mulher ao longo dos séculos de história e cultura ocidental se desviou do seu feminino essencial, desligando-se das forças ctónicas e dionisíacas para se transformar num modelo virtual e artístico do pensamento e arte apolínea, negando a sua natureza própria, elegendo o modelo fálico do homem de ascensão aos céus, virando-se para as construções faraónicas e de pedra, abandonando a terra e a Natureza Mãe e a si própria à depredação e conquista do homem , passando a ser apenas uma forma eleita de reprodução social e conceptual de beleza artificial ao seu serviço e do seu deus pai.
Quanto à autora do texto, apesar da sua visão profunda, e ser senhora de uma cultura colossal, é óbvio que está do lado da arte…e não da natureza-mãe...
rlp
* Personas Sexuais de Camille Paglia

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